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domingo, 9 de novembro de 2014

Filmes da minha Vida: As Asas do Desejo (1987), Wim Wenders

As Asas do Desejo

Wim Wenders







sábado, 8 de novembro de 2014

~Soltas~


sábado, 1 de novembro de 2014

IMAGENS




As imagens são uma presença constante e com o cariz de relevo na Igreja, no entanto este aspecto também leva a algumas confusões dentro do próprio culto cristão. Muitos referem que a imagem do crucificado traz consigo uma conotação de sofrimento e de morte, retirando deste modo o que interessa: a ressurreição. Também existem muitos que se referem que este “culto” com imagens, desvirtua a vontade de Deus.


Começaremos mesmo por analisar o Primeiro Mandamento, dos Dez passados a Moisés no Sinai, e onde é realçada a importância da singularidade do Deus único (ponto também mencionado com grande vigor por Jesus Cristo), o mandamento é o seguinte: “Não farás para ti imagem esculpida nem qualquer imagem que exista no alto dos céus, ou do que existe em baixo na Terra, ou do que existe nas águas, por debaixo da Terra” (Ex. 20, 4). No entanto houve uma excepção a pedido do próprio Deus, e ele é precisamente aquilo que estaria ligado ao mais santo e mais importante elemento do Antigo Testamento – a Arca da Aliança. Esta foi realizada a pedido de Deus com todo o seu pormenor, o Santo dos Santos seria pois o local determinado por Deus para comunicar com todos os “Filhos de Israel”.

Como já vimos atrás, S. Paulo vê na figura de Cristo crucificado a “Nova Arca”, agora este é o local de culto, o verdadeiro “lugar de penitência”.

No Islão e no Judaísmo, a partir do séc. III, foram proibidas as imagens, estando assim remetidas a representações geométricas, nos locais de culto.
É curioso notar que antigas sinagogas, a partir de descobertas arqueológicas, mostram que haveria figuras de cenários bíblicos, estes teriam um carácter de representar cenários históricos, fazendo uma ligação do presente e a história através da recordação que estava inscrita na narração. A memória colectiva era assim elevada através da representação dos Actos de Deus, podendo mesmo fazer parte da própria liturgia.
Encontramos também esta forma de expressão nas imagens cristãs das catacumbas. As imagens das acções de Deus eram agora remetidas para a promessa (cumprida) da vinda de Jesus Cristo, ou seja, todas as acções de Deus visavam a preparação da vinda do Salvador, o Messias prometido e cumprido em Jesus Cristo.
Também para nós, cristãos da actualidade, as imagens têm um carácter de se juntar à própria história dos sacramentos, sendo que todos através de Cristo seremos envolvidos pessoalmente nesses acontecimentos.

A esperança, figura bem presente no Cristianismo, é também acção escatológica, sendo que as imagens, neste sentido, remetem assim para a ressurreição. O nosso olhar sobre a Bíblia tem sempre um sentido na concretização da promessa através de Jesus Cristo, o Messias prometido, e com Ele obtemos também uma promessa de um futuro através da concretização da Páscoa do Senhor. Obviamente que estas imagens, tal como as sinagogas iniciais, não tinham uma força artística importante, no entanto a sua profundidade espiritual era bem patente. Estas primeiras pinturas das Igrejas não procuravam fazer qualquer retrato de Jesus, mas sim à Sua imagem, enquanto Mestre surgindo sobretudo como pastor. Aliás esta imagem de pastor associada a Cristo sempre teve um significado importante, Ele é o pastor de toda a Criação, o “logos” que tudo criou. E como pastor não só está no início da criação como na própria salvação de todos os homens.

No entanto estas imagens representativas tiveram uma grande alteração histórica, juntamente com uma alteração da própria expressão da fé. Esta situação deveu-se ao facto de terem surgido duas imagens que não foram consideradas como realizadas pela mão do homem, ficando, por isso, envoltas em grande mistério. Estas imagens (“Archeiropoitas”) tiveram uma posição importante para a própria representação das imagens nas Igrejas. Uma dessas imagens era a “Mandylion”, que segundo algumas fontes, teria sido levada de Edesa (Síria), para Constantinopla, sendo que muitos investigadores ligaram-na com o Santo Sudário que actualmente se encontra em Turim, existem outros que ligam esta imagem à que ficou gravada no lenço de Verónica, quando Jesus em grande sofrimento se dirigia para o calvário. A outra imagem (“Kamulianium) tem uma particularidade ligada à sua lenda: numa região chamada Kamulia (Turquia), uma mulher pagã, viu no lago do seu jardim uma imagem em tela de linho flutuando. A mulher reconheceu esta imagem como a imagem de Jesus, quando a retirou da água e deixou secar, a imagem começou a multiplicar-se.

Na realidade considerou-se como possível ver o rosto de Jesus, tendo a Igreja com estas imagens associado ao cumprimento da promessa: “Quem vê a mim, vê o meu Pai” (Jo. 14, 9). Portanto estes ícones seriam como a presença real da imagem Daquele que se ofereceu em carne para todos nós.

As “Acheropeitos” e as suas representações tiveram uma posição importante para a própria Igreja. Aqui, como é óbvio, surgiu um problema que se prendia com a falsa sacramentalização de imagens. Este problema fez com que surgissem movimentos contrários, recusando o uso de imagens – iconoclasmo – e a destruição destas. Esta atitude estava ligada à ideia da subversão que poderia acontecer na adoração e mesmo na fé, com esta devoção a “ídolos”. Juntamente com esta posição, existiu também um motivo político, os imperadores bizantinos não tinham interesse em provocar problemas nem com os Muçulmanos nem com os Judeus.
Desta forma Cristo deixou de ser representado, podendo somente ser usado o símbolo da cruz, mas no entanto, sem qualquer imagem.

Este conflito entre a Cruz e Imagem levou mesmo a uma batalha teológica entre os iconoclastas e os adeptos dos ícones.

Na realidade,
o ícone não tem como objectivo a representação da imagem no sentido empírico, ela deverá associar-se a uma representação e a uma abertura dos sentidos interiores, é aqui que assenta o verdadeiro sentido da Teologia dos Icones.

Portanto a própria arte sacra tem como caminho a oração, e é neste profundo sentido que as imagens aparecem, não como a forma real, mas como forma de visão interior e de apelo à concentração e à oração. “O ícone vem da oração e conduz à oração”, para tal os sentidos têm de estar libertos de aspectos empíricos, e sempre com uma ligação ao espírito.
Os homens devem ter a capacidade de se abrirem interiormente, não estando somente ligados ao mensurável, mas também ao divino. O olhar ensina-nos a ver Cristo principalmente segundo o espírito. Desde o Concílio de Niceia, passando pelos sínodos, as imagens eram sempre vistas como a encarnação de Deus no homem, e portanto o Iconoclasmo (a negação total das imagens) seria sempre a negação da própria encarnação. É na encarnação que o divino se faz um de nós, um homem concreto e nascido de um ventre, que nos envolve na sua própria ressurreição, através da Pascoa do Senhor.

Ao olhar para a cruz, não é a “feição” de Cristo que me interessa, mas sim a Totalidade do Senhor, que ao fazer-se homem se juntou a nós de uma forma definitiva e eterna. A cruz mostra-nos aquele que através do seu sofrimento, salvou-nos para a vida eterna.

Tal como afirma Bento XVI: “o iconoclasmo tem um efeito redutor da fé”. No entanto vemos que a luta contra as imagens é algo que é visto como um “progresso” para a própria sociedade! Numa sociedade democrática como a nossa, este “iconocolasmo”, vem em contraposição à própria liberdade de expressão. A democracia é também a expressão religiosa no espaço público, inibir a expressão religiosa é inibir a tomada de posições e convicções legítimas. Qualquer que seja a religião deverá ter a sua possibilidade de expressão, e sua expressão pública faz-se muitas vezes através também através de símbolos. Mesmo aqueles que se são ateus, antes de o serem deverão ter a possibilidade de conhecer o aspecto religioso. Esta não é uma questão que se prende somente com os crentes, esta é uma questão de cidadania. Mesmo aqueles que recusam a existência de Deus têm os seus símbolos. A luta contra os símbolos cristãos, não é uma expressão de maturidade social, antes pelo contrário, esta acção leva à “cegueira” da liberdade de escolha. A recusa da expressão simbólica religiosa, é algo que tem uma ligação directa com a cidadania, uma sociedade é tanto mais desenvolvida quanto maior for o seu conhecimento, tanto cientifico, como religioso.

A imagem não é o fundamento de fé, ela remete-nos para a essência, e a essência, para nós cristãos, está na encarnação de Deus no homem, que através do amor deixou-se levar à morte, para a vencer, abrindo-nos assim a nova porta para Deus Pai. Esta é grandeza única do Cristianismo.
O Cristianismo nunca será uma facção política, nem uma tendência de pensamento, o Cristianismo é a revelação da Pascoa do Senhor, a ligação concretizada entre Deus e o homem, em comunhão (“communio”).
 Como católico, tenho a convicção que o Cristianismo, na sua vertente essencial, não nos prende, antes abre-nos para a liberdade. Uma liberdade responsável, em que o bem e o mal estão bem identificados deixando, no entanto, sempre que a escolha seja feita por nós, não a impondo, mas mostrando-a, porque a palavra final será sempre nossa. Esta é a liberdade que Cristo nos deu – “quem quiser sabe o caminho” -, sendo que Ele espera-nos até ao fim, estando sempre disponível para nos “dar a mão”, agora resta-nos fazer a opção…


No entanto e como salientou S. Agostinho: “Cristo não nos salvou através da pintura”.

A cruz de Cristo apresenta-se para toda a comunidade cristã como um símbolo do ressuscitado, sendo um elemento central para toda a Igreja.

Durante toda a história da arte, as várias épocas levaram a que a expressão da arte sacra tivesse também sofrido as suas alterações durante os séculos.
 

Muitos membros da Igreja vêm na actual crise ligada ao panorama de arte sacra actual como uma crise generalizada da arte. Eu não vejo as coisas desta forma, na realidade a Igreja deve estar aberta a outras formas e tendências de arte. Sendo ela forma de comunicação, terá de ser bem, observada com atenção e dedicação, já que a comunicação é missão da Igreja. Desta forma a arte é expressão criativa dada ao mundo, isto leva a que se tenha de ter uma abertura de espírito ao fenómeno artístico actual, procurando realizações de qualidade.
A acção criativa deverá ter uma atitude de inspiração para além das fronteiras reais, “buscando algo mais acima”, buscando no fundo Deus. É necessário olhar em volta, desprendendo-se das “paredes imóveis”, para assim compreender o mundo e saber comunicar com ele.

Claro que a falta de arte sacra deve-se também à forma como vemos o mundo, ou seja a realidade individual ultrapassou a concepção de conjunto, perdemos as respostas comuns.
A forma de se ver o mundo em nome da seriedade científica, obviamente traz consigo enormes benefícios para a humanidade, no entanto, nem tudo tem uma validação científica evidente, se quisermos provar ou comprovar tudo, o mundo torna-se “opaco”. Reparamos que na actualidade, acreditar em Deus é visto por muitos como uma forma imperfeita, e portanto menor, de posicionamento perante a realidade. Também na arte reparamos que o seu sentido de “transcendência” é posto num plano secundário. Ela aparece-nos como uma expressão muitas vezes ligada à experimentação simplicista, e não à criação do belo. A essência do “Creator Spiritus” não está tanto em voga, somos actualmente confrontados por uma “produção” criativa que se reduz em grande parte ao fútil e ao momentâneo.

Podemos pois concluir que o uso de imagens, é parte integrante à Igreja Católica levando-nos para a própria encarnação de Deus. As imagens do belo, que tornam visível o mistério invisível de Deus, fazem parte do culto cristão. O iconoclasmo não se prende com o cristianismo, tanto ao nível histórico, como ao nível de culto e adoração. A arte sacra tem a sua fonte na História da Salvação, tendo assim o seu epílogo no oitavo dia – no dia da Ressurreição -. Esta noção é fundamental, daí que os Santos também tenham uma ligação natural enquadrada nesta realidade, eles são a prova e o cumprimento real da promessa de Cristo. Neles, Cristo vive de uma forma perpétua, renovadora e inspiradora.

“A luta não é apenas contra os ícones, ela também é contra os Santos”.
Esta frase de João de Damasco (ligado ao início da Teologia Sistemática na ortodoxia oriental) foi dada ao Imperador Leão III (Bizantino/Síria) , que era um grande opositor das imagens. Dando uma resposta a este conflito, o Papa Gregório III (?-741), num sínodo em Roma em oposição aos iconoclastas,  instituiu no calendário litúrgico a Festa de Todos os Santos.

As imagens de Deus com os homens não têm somente um carácter de lembrança, elas são também um sentido para o futuro. Daí que as imagens estejam muito ligadas ao Sacramento da Eucaristia, no qual existe uma óbvia referência para o futuro. É por esta razão que a imagem de Cristo é o centro de toda a arte sacra, Ele é a promessa cumprida, a manifestação do amor divino, a incorporação do “verbo” na mais profunda e bela manifestação de Deus em toda a história da humanidade. Ao faze-lo não o fez como forma de mostrar a sua força, mas para mostrar a sua misericórdia e amor. Portanto a imagem de Cristo centrada na sua Pascoa é também o ícone principal da Eucaristia.
As imagens de Cristo e dos Santos não são “fotografias, a sua natureza é a de nos levar para além do terreno, do material, a sua função está no despertar dos nossos sentidos mais interior.


“Nós não rezamos às imagens, nós rezamos com as imagens”.


A arte é acima de tudo manifestação interior, a sua busca pelo belo tem um carácter de singularidade que se faz notar como um verdadeiro dom. Este dom, é a manifestação de Deus no interior do criador, a sua execução não é em sentido de “produção comum”, mas apontando para a singularidade, em que cada manifestação artística seja sempre renovada.
O encontro que Bento XVI fez no mês de Novembro de 2009 com vários artistas de áreas diversificadas, foi sem dúvida uma acção muito positiva, na realidade a Igreja esteve um pouco de “costas voltadas” para a comunidade artística nos últimos tempos, é assim necessário promover uma viragem neste aspecto.
 A Igreja quer mostrar que no interior do espaço católico os artistas encontrão uma casa e uma “pátria”. O chamamento interior para a arte como manifestação de vocação, faz com que a Igreja tenha a necessidade dos artistas, a beleza é uma necessidade para o universo cristão, o caminho terá de ser aberto e contínuo. Através da arte a mensagem atinge um significado de profundidade que ultrapassa muitas vezes qualquer discurso por mais elaborado e fundamentado que seja. Abrir-se aos artistas, é abrir-se à liberdade criativa, à essência da beleza e expressão de Deus.


 

 Cantiones sacrae, VII: Nunc loquar, Domine – Céline Scheen, Stephan Van Dyck, Dirk Snellings, Ensemble Clematis, Leonardo García Alarcón