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quinta-feira, 2 de março de 2017

DINHEIRO


O sistema neoliberal a que estamos sujeitos, assume cada vez mais o comando dos desígnios do mundo, condicionando profundamente a convivência da humanidade. Estamos perante uma realidade que já não busca somente a produção em massa de bens e serviços, mas centra-se cada vez mais num objetivo bem preciso: a acumulação obsessiva de riqueza material, a busca do dinheiro enquanto objetivo absoluto da existência. Deste modo faz tudo para libertar-se de qualquer controlo que possa deter a sua voracidade na busca do dinheiro, nem que para tal usem métodos criminosos para o atingir. O neoliberalismo luta por atingir sempre o topo, através de uma competitividade desmedida, assistimos a nova “seleção natural” em que apenas os “fortes” podem sobreviver (sendo estes os que melhor se adaptam à realidade), esta ação vem mesmo a colocar em causa as estratégias de cooperação solidárias ao nível mundial. 
Um sistema que com o seu poder económico, vive à margem de ideais políticos, sendo a própria ética uma palavra que não conhece, o foco é apenas um: o ganho. 
O interesse não reside  no desenvolvimento, o interesse apenas no lucro, no ganho, no poder à custa do dinheiro. O próprio sistema de produção ilimitado entra neste “joga”, assim através de campanhas extremamente agressivas leva a que as pessoas com a obsessão pelo “status” do ter, levando-as a entrar num caminho que finaliza levando-as para o precipício da dívida, ficando com os seus futuros hipotecados a sistemas que os fazem meios de atingir o alvo. 

Não estamos, somente, perante uma crise económico-financeira, a crise é da própria humanidade.

O dinheiro sempre influencio a civilização, a história é extremamente influenciada pela relação homem/dinheiro, assim, e através de um mundo globalizado, esta realidade aparece com uma força única, o dinheiro converteu-se definitivamente no maior ídolo da nova humanidade.

Muitas vezes se questiona, o porquê de as pessoas extremamente ricas, não perderem a ganância da busca por mais, a resposta é o medo. 
O dinheiro é visto como a “porta de salvação”, a garantia da própria existência e convivência num meio completamente conquistado pelo “aroma” do luxo e da estravagância desmedidos, uma realidade em que os afetos são confundidos com o interesse. É medo de sair desta realidade que faz que não consigam conter a ganância, chegando ao ponto em que a vida fica remetida às emoções momentâneas, vividas em palcos e meios deslumbrantes (a que muitos almejam). No entanto já não vivem nem usufruem da plena liberdade, a vida é inteiramente entregue ao “culto” do dinheiro, em que a especulação coloca-se em posição dominante perante a própria aposta no projeto produtivo. 
Chegamos a fim da linha em que o dinheiro deixou de ser um meio, passando a ser o próprio fim absoluto, não há mais nada além dele...

É interessante verificar, ao entrarmos numa instituição bancária, o facto de muitas pessoas fazerem um certo silencio, preferindo mesmo falar num tom mais baixo do que o normal, como se estivessem num “templo”. 

O dinheiro é exigente, não liberta a pessoa, torna-a refém da sua ganância, e nesta relação quase cultual, nada é posto de lado, nem tão pouco o valor da vida, e muito menos o sacrifício inocente.
Famílias desunem-se, pessoas cometem crimes, seres humanos são explorados, recursos naturais são destruídos, guerras são feitas, países são colocados em total humilhação e sujeição perante o grande “senhor do mundo”. 
Muitos daqueles que apoiam este sistema (neo)liberal, refutam as criticas alegando que este sistema tirou (como nunca) uma grande parte da população mundial da pobreza; sim isso é certo e não nego tal facto, no entanto questiono, seria esta a única via para tirar a população da pobreza?
Também não será este sistema extremamente volátil e ilusório, será que tem sido um meio sustentadamente justo?
Será que também o mesmo sistema não é causa para a miséria extrema em vários lugares?
Como é possível de uma expansão magnifica da tecnologia, não somos capazes de erradicar a fome do mundo, será que este sistema não tem nenhuma relação com isto?
Até que ponto a concorrência desenfriada, em vez de nos apelar à competência como ação para a humanidade, nos esta a tornar cada vez mais hedonistas, e centrados no nosso sucesso refletido em dinheiro?
Será este sistema nos fez mais solidários?
Será que não há outros caminhos alternativos?

Ao lermos o Evangelho somos confrontados com um Jesus que não seixa de ser extremamente critico perante um acumular de dinheiro egoísta, que não vê os outros. Este “jogo” do dinheiro tem acima de tudo uma componente psicológica que se sobrepõe à própria lógica racional, a inteligibilidade exata é trocada pela legibilidade pouco racional e totalmente obcecada. Existe uma notável distancia, do ponto de vista racional nesta realidade a que estamos confrontados, no que se refere à relação homem/dinheiro, já que o essencial reside unicamente no ganho, sem limites em que o tão apregoado mérito, é trocado pela esperteza em que os limites éticos são colocados num plano distante, senão mesmo irreconhecíveis.

Claro que o dinheiro não é em si mesmo um mal em si, mesmo através dele é-nos proporcionado atingir um bem e uma segurança indispensáveis para a vida. Na minha humilde opinião, o problema centra-se no uso que fazemos do dinheiro, e aí muitas vezes a relação pessoal com ele entra nos meandros do possessivo, em que a sua obtenção torna-se no “clímax” da existência. Isto reflete-se na sensação de prazer que provoca em muitos daqueles que entregam ao “jogo” da especulação, em que o ser humano fica preso ao “ícone sagrado” refletido no extrato da conta bancária.
Um prazer que se alcança na total entrega ao “ídolo”, que corrompe o homem tornando-o num animal faminto e voraz pelo ganho, e aí, não tenhamos duvidas, não existem limites ao uso de recursos para o obter. É importante ter bem presente a seguinte frase: 

O mesmo dinheiro que promete bem estar e qualidade de vida, causo de igual modo uma enormidade de sofrimento, pobreza e a desumanização de todos.

Cada vez mais a sociedade está organizada tendo apenas em conta o dinheiro, as divisões e subdivisões constantes das classes demostra que cada pessoa tem em si mesma um valor, não enquanto mérito de competência, não enquanto bondade, mas em dinheiro, esta é a verdade a que estamos todos sujeitos.
Magnificat, uma dos mais belos textos bíblicos, merece ser refletido profundamente...

“Maria disse, então:
«A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.
Porque pôs os olhos na humanidade da sua serva.
De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. 
Santo o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.
Manifestou o poder do seu braço e dispensou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abrão e à sua descendência para sempre”.

A lógica do dinheiro rege-se no imperialismo dominador, ele não dá espaço a que os direitos  estejam fora do seu controlo. A crise está longe de ser momentânea, a crise reside nos critérios sobre os quais se está a construir a globalização. Nesta nova lógica a competitividade aparece como aquilo ao qual as relações se devem estabelecer, trocamos solidariedade por competitividade. Ao colocar-se o dinheiro no topo da pirâmide, introduziu-se uma fratura social global que se tem vindo a extremar! Seguir este ídolo obriga a descartar o pensamento ligado ao bem comum, os tais mercados não só ditam as suas imposições aos países (às pessoas), como também destroem a própria instituição democrática. Isto resulta  num alheamento da classe dirigente, sujeita à pressão dos poderosos, e ausente das realidades concretas dos necessitados. Neste neoliberalismo o ser humano não é o valor mais importante, a humanidade está a colocar-se como um meio para alimentar o ídolo dinheiro. 

“Ninguém pode servir a dois senhores: ou se gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um desprezar o outro. 
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro
(Mt 6,24)

“Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro
(Lc 16,13)

Nestas passagens (fonte “Q”, não aparecem em Mc) temos que prestar a atenção para o facto de termo – dinheiro – aparecer como o termo – “mamôn”-. Segundo estudiosos este termo liga-se ao verbo “Hemin”, de se liga a aceitação e a crer, aliás será mesmo a partir de “Hemin” que chegamos à expressão tão usada por nós: Amen. Nas mesmas passagens este aspecto é ainda reforçado com o “servir”, que na tradição bíblica prende-se a uma “praxis” cultual
A busca do dinheiro tem em, muitos casos, uma atitude de culto, uma total entrega ao seu poder. Esta relação é incompatível com a relação com Deus, é impossível prestar culto a Deus e ao dinheiro, não há como compatibilizar estas duas realidades. Aliás, e segundo os mesmos estudiosos, o uso da palavra “mamon” é colocada no texto numa posição similar a Deus, ficando patente (e acertadamente) que o ser humano ao entregar-se ao dinheiro, fá-lo numa atitude de total entrega e até submissão, sendo este o valor mais importante da existência humana. Não deixa de ser incrível que passados dois mil anos esta realidade continua não somente igual, mas reforçada! 

Deus não encarnou no meio da riqueza, Deus encarnou na humildade da pobreza, mesmo antes de nascer era recusado, mas mesmo assim encontraram guarida para o menino que vinha (cf. Lc, 2,7). É nesta profunda humildade que Deus se revela para resgatar o homem do sofrimento e apresentar-lhe o caminho da Salvação. Mas este projeto do Reino de Deus, requere a adesão de todos, em empenhamento no cumprimento da mensagem de Jesus. Um Reino de Deus que caminha para a comunhão enquanto realidade de vida (cf. Mt 13,31-32; Mt 4,30-32; Lc 13,18-19), aqui reside a vontade do Pai refletida na forma como tratamos o outro (cf. Jo 15,17), porque a riqueza de Deus não é o dinheiro, mas sim a criação e a valorização da vida. Olhar e seguir Deus Trinitário é incompatível com a busca da riqueza, enquanto a grande causa da existência humana. Deus ao tocar-nos, o nosso coração é tomado pelo fogo da sua presença (cf.Lc, 24,32) levando-nos a que olhemos para a existência como uma dádiva recebida, e enquanto dom leva-nos à resposta da doação, de vivermos desprendidos do exagero materialista, porque o que importante é a dignificação do dom, fazer da vida fonte de felicidade compartilhada, em que aquilo que é verdadeiramente caro é a vida do outro, não no querer egoísta mas na caridade empenhada e verdadeira. 
Com isto não se menospreza o mérito, nem a possibilidade de se alcançar mais, mas sim a forma de em que colocamos os méritos, não enquanto serviço para o bem comum, mas fechados no objetivo do acumular riqueza de uma forma cega, em que a idolatração do dinheiro apareça com a letra maiúscula, em que o “d” passe a “D”, tornando-se igual ou até maior do que o “D” de Deus.
Não é possível agradar a Deus e ao dinheiro...
Colocar o dinheiro na prioridade da nossa ação, fazemos dele um falso deus, e isto, mesmo na tradição bíblica é totalmente incompatível com Deus, vejamos como o profeta Elias se bateu contra os falsos deuses. 

Mais uma vez refiro, o problema não reside em ter dinheiro, meritória e justamente, o problema surge na forma como o usamos e para que o usamos, e aí, não sejamos ingénuos, perante o materialismo secular a que assistimos, com um consumismo extremo, em que se quer sempre mais e mais e mais..., poucos são aqueles que encaram a vida de uma forma desprendida e livre.

“... a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias de mercado. Para estas, se absolutalizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana. Neste sentido animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: “Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos” *(S. João Crisóstomo, In Lazarum II, 6: Pg 48, 992D)
...

O dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promove-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser  humano” * (Evangelii gaudium, 57, 58).