Neste tempo de tantas incertezas, de tantas interrogações,
de tantas crises... fiquei extremamente envergonhado com os acontecimentos no
Mar Mediterrâneo. A crueldade de uns e a indiferença hipócrita de outros,
mostra a faceta pior da condição humana... uma faceta que culmina com o
sofrimento verdadeiramente injustificável de pessoas...
...porque naquelas embarcações vão pessoas!
Parece que nos esquecemos, mas é verdade!
Li no Expresso "on-line” li o relato de um imigrante e esta
frase ficou cravada no meu peito:
“Nós não vamos à procura de uma vida melhor.
VAMOS À PROCURA DE VIDA.
Atrás de nós só há
morte.”
(Ammed Abdalla)
Perante isto gostaria de referir o seguinte:
muitas vezes vivemos num universo religioso ocioso, centrado
em aspetos menores, mergulhados
numa fé moribunda, remetida e
às suas "certezas", mas que de ação pouco ou nada tem. Como corretamente refere Tomás Halik “a fé madura é sempre uma fé madura pelo sofrimento do
mundo”.
O valor da existência não tem “preço”, todos os estados
deverão ter como pilar fundamental a legitimação deste pressuposto. A luta pela
dignidade da vida, em todas as suas dimensões, não pode ter limites de esforço.
O próprio Jesus relativizou a lei, o sistema político e
económico perante a importância da existência (cf. Mt 12,1-10; Mt 12,34,
etc...). A Salvação não é um conceito meramente abstrato ou mesmo utópico, a
Salvação assenta sempre na promoção da Pessoa, para o Senhor a grande dádiva da
lei é e sempre será a misericórdia da Salvação.
Com isto não estou (jamais) a negar a lei enquanto dom
precioso de Deus; abolir a tradição religiosa e legalista, para além de
presunçoso é um erro perigoso, pondo mesmo em causa a própria identidade cultural dos povos.
No entanto a questão é: que lei?
Os mandamentos foram feitos para o homem e não o oposto...
O serviço à humanidade está assim no cumprimento da própria
lei, daí que sacrificar vidas não é nunca justificado por qualquer lei divina,
mas sim partem do impulso humano, que deturpa o conceito de Deus–Vivo e por ser vivo é
motor da vida e promotor da existência digna no mundo, no aqui e no agora.
Todas as regras e instituições, todos os mandamentos e leis,
todos os regulamentos e estatutos, todos os dogmas decretos, são feitos para servir o homem,
porque a grande exaltação de Deus é o homem vivo.
A causa da revelação, culminada na beleza suprema da
encarnação do “logos”, não é a lei mas sim o homem. Deste modo, o caminho do homem
ao tentar valer-se do seu "ego", torna-se no absurdo da própria existência, já que
a sua incontestável importância tem na vontade misericordiosa de Deus a sua
fonte eterna. Uma vontade promovida no Amor Maior concretizado na pessoa do próprio
Jesus. Deste modo, da mesma fora que a vontade de Deus não pode ser substituída
pelo egoísmo humano, a sua compreensão só ganha sentido perante as
situações concretas da vida de cada um.
Muitos vezes estas imagens e acontecimentos fazem-nos
perguntar: porquê?!
Ao ver as imagens do desespero daqueles imigrantes
procurando desesperadamente um lugar para que possam “ter vida”, não posso deixar de
me questionar também.
Onde andam os valores humanitários da Europa?
Onde andam as raízes cristãs europeias?
Muito de nós vivemos em cristianismo de luxo, sem que
olharmos sequer para o nosso vizinho que muitas vezes sofre no silêncio da multidão.
Mais do que procurarmos as razões (fator sem dúvida importante), busquemos com
urgência respostas, uma resposta que se inicie na nossa rua, no nosso bairro e
na nossa cidade.