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terça-feira, 1 de setembro de 2015

~O Silêncio de Deus ou o nosso silêncio a Deus?~

A vivência da fé leva-nos muitas vezes a contemplar a beleza, sentimo-nos envoltos por um sentimento que nos arrebata e para o qual não conseguimos explicar por palavras.

"A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla."
(David Hume)

“O belo é para contemplar. É da ordem do olhar, e não do tato. Uma cultura sem beleza e uma cultura sem contemplação; e uma cultura sem contemplação é uma cultura sem beleza.”
(D. António Marto)

No entanto esta busca pela beleza, e com ela uma abertura para a própria beleza do divino, não pode deixar de ficar profundamente inquieta perante as amarguras do mundo, perante enfim o “silêncio de Deus”. Aliás este “silêncio de Deus” é um dos maiores trunfos ateístas da atualidade, um Deus que nada faz perante a injustiça, a violência e a morte de inocentes. Todos esses males do mundo nos colocam inquietos, porque a esses que sofrem ninguém curou suas feridas, ninguém escutou os seus gritos, ninguém enxugou suas lágrimas... e a isto não se pode dizer: “Deus assim quis!!!”.

Viver “escondido” numa expressão de fé baseada fundamentalmente no culto (tão só) e nas atividades religiosas, leva-nos a estar como num casulo onde nos sentimos protegidos mas ausentes do mundo. Este distanciamento e inação perante os acontecimentos do mundo leva-nos à abstração do próprio sentido de Deus, muitas vezes não passamos de crentes de igreja, crentes de palavras e grupos, mas de pouca vivência cristã na vida comum do dia-a-dia, na nossa presença no mundo de hoje.

O tal “silêncio de Deus” é talvez o nosso silêncio, a nossa inação, a nossa falta de coragem.

O Senhor disse: “Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço na verdade, os seus sofrimentos”
(Ex. 3,7)

“Vai, reúne os anciãos de Israel...”
(Ex. 3,16)

A fragilidade humana não é fator que justifique a inação... nunca poderá ser.
Muitas vezes somos assombrados pela soberba de alguns, que fazem do medo e da incerteza a sua força, ainda mais nos dias de hoje em que a pós-modernidade é transportada para uma meta-modernidade em que começa e acaba no egoísmo, na ambição desmedida, em que até a “caridade” tem um preço ligado ao elogio e ao reconhecimento.

Seguir a Jesus é notar que a encarnação e a cruz são em si mesma a grandeza da manifestação do divino, que ao fazer-se carne assumiu a fragilidade humana ao mesmo tempo que mostrou a liberdade que se compreende para além da escuridão da morte, por Nele existe a Vida e a Vida está Nele.
Na emoção de Jesus face ao sofrimento (cf. Jo. 11,35), na sua “revolta” perante a injustiça (cf. Lc. 6,20), mostra a Sua incomensurável humanidade inscrita de na Sua pureza divina, porque (e como sempre afirmo) é a partir da humanidade de Jesus que compreendemos a sua própria divindade.

No mistério da encarnação somos engrandecidos pela aproximação de Deus à criatura amada, sem se impor pela força das armas, sem obrigar a nada, mas sugerindo o caminho e fazendo desse mesmo caminho o Seu exemplo externo. Tal como Moisés, Deus age pelos homens e os homens (caso assim pretendam) sabem como agir em prol da harmonia divina.

A Palavra Viva é viva se fizer verdadeiro sentido para a vida, na realidade passaram dois mil anos desde que Jesus esteve entre nós, o próprio conceito como Deus era visto naquela altura veio se alterando, no entanto continuamos a ser interpelados profundamente pela Palavra, e a pessoa de Jesus continua a inspirar muitos a fazerem do seu exemplo forma de vida.

Não projetemos um Reino de Deus para um futuro mais ou mesmos distante, porque o mundo é agora, este é o nosso tempo e é nele que temos de agir. Na nossa coragem e ternura com o mundo está refletida, aí sim a vontade de Deus, é perante as atitudes que o “silêncio de Deus” se torna audível, porque Ele está e acompanha-nos desde o início dos tempos. Nessa abertura ao Mundo e a Deus cultivamos uma espiritualidade onde entendemos, aí sim:

“A eficácia da Palavra manifesta-se nas suas obras e manifesta-se também na pregação. Ela não regressa a Deus sem ter produzido o seu efeito, mas aproveita a todos aqueles a quem é enviada (Is 55,11). Ela é «eficaz, mais afiada que uma espada de dois gumes» quando é recebida com fé e amor. Nada é impossível para quem crê, nada é difícil para quem ama. Quando as palavras de Deus ressoam, elas trespassam o coração do crente «como as flechas agudas de um guerreiro» (Sl 119,4). Entram nele como dardos e fixam-se nas suas profundezas mais íntimas. Sim, esta Palavra é mais afiada do que uma espada de dois gumes, porque é mais incisiva do que qualquer outra força ou qualquer poder, mais subtil do que qualquer habilidade do génio humano, mais penetrante do que qualquer reflexão sábia da palavra humana.” 

(Balduíno de Ford)