A
Eucaristia é portanto um ponto de inegável importância para todos aqueles que
fazem parte da Igreja. Hoje houve falar-se muito de um novo tipo de católicos –
“católicos não praticantes” -, esta definição está inteiramente fora da
definição de católico. O católico ou é ou não é, hoje vivemos sempre neste
“meio termo” absurdo. Claro que podemos não estar de acordo com alguns pontos
da Instituição Católica, no entanto isto em vez de nos tornar “marginais”
deveria levar-nos a ter uma presença e acção mais efectiva.
Claro
que no que diz respeito à Eucaristia, esta tem uma ligação muito estreita na
figura daquele quem a preside, isto é inegável… Muitas vezes o “sucesso” de uma
paróquia em relação a outra, deve-se também às capacidades dos próprios
párocos, e claro que na Eucaristia este aspecto é ainda posto mais em relevo.
Como em todas as áreas existem diferentes capacidades e competências, sendo a
Eucaristia base fundamental para a Igreja, quem a preside apresenta-se com uma
figura muito relevante, mas (e isto é muito importante para toda a acção
eucarística) nunca como elemento fundamental. Padres e bispos são
representantes e não figuras centrais, a figura central é sempre Jesus Cristo.
A liturgia está ausente do actor, porque o fundamento está na comunhão com
Cristo. Uma Eucaristia mesmo “simples” – no sentido mais comum da palavra -,
mas que tenha inerente a si um elemento profundo, torna-a sempre actuante e
marcante na fé e a Igreja enquanto instituição terá de ter bem presente este
ponto. No entanto será sempre verdade que um “padre competente”, que saiba não
só explanar toda a liturgia de forma correcta, mas também que tenha um discurso
coerente, fará com que o interesse da comunidade seja mais óbvio, contribuindo
assim para uma vida comunitária em redor da Igreja mais activa e portanto mais
pastoral. Isto atrai não só mais fiéis, mas também que se torne parte
integrante e ponto de referência para a comunidade local, fazendo com que haja
uma identificação Comunidade/Igreja. Existem, infelizmente paróquias que, por
uma má conduta do sacerdote, fez com que muitos se afastassem da Igreja e da
própria Eucaristia. Portanto a Igreja tem também uma quota parte de
responsabilidade no aumento deste novo tipo de católico –“o não praticante” -,
este é um aspecto para o qual a Igreja terá de ter uma atenção muito apertada,
e que não poderá nunca fechar os olhos.
A Eucaristia é
algo que se assume como ponto de excelência da oração ao Senhor, e esta é uma -
noção fundamental que está inerente a toda a liturgia que a sustenta -.
Ao
pertencermos à Igreja temos de ter a noção que a sua existência actual provém
da sua origem mais remota. A partir deste olhar para o passado, projectamos
sempre o futuro, tendo em atenção os seus pilares bases, assim cultivamos novas
sementes e novas formas de chegarmos ao outro… Ao realizarmos esta corrente,
estamos a torna-La sempre mais viva e mais actual. A Igreja existe e está bem
viva, mesmo apesar das nossas faltas. Ela é a expressão concreta de Jesus
Cristo, através dela encontraremos sempre a presença do Salvador inserida numa
realidade viva e dinâmica.
A Igreja é sempre actual, e mostra-nos que Cristo
está presente hoje e sempre no nosso seio – “Eu estarei convosco, até ao fim
dos tempos” (Mt 28,20)” -.
A
Igreja é o fundamento do Cristianismo, a fé que a sustenta é a mesma que nos
une no seu seio. Não existe uma Igreja e uma crença verdadeira em que haja uma
acção solitária e egoísta. A fé torna-nos factor de realidade concreta através
da comunicação com os outros crentes, ela é, como já vimos, a sua natureza e a
força que nos une.
Esta
unidade tem que ser dinâmica e persistente, e só o é se esta acção estiver
virada para uma fé eclesial. Ela não é algo que se prenda a uma iniciativa
meramente pessoal através da “concepção” de um deus que realmente não existe,
porque é fruto do egoísmo. Como já vimos em S. Agostinho, o acreditar atinge-se
precisamente neste ponto, ou seja, no encontro com a Igreja, e em tudo o que
ela representa, enquanto dom de Deus, assim a Igreja torna-se necessidade
fundamental para o homem e para o próprio mundo.
A
Igreja mostra a face de Jesus no mundo devendo ser factor de sustentação da
própria fé. O ideal que provém da Igreja, bate-se por uma sociedade justa e
livre, em que a dor e a discriminação sejam derrubadas através da força do Amor
que provém do Espírito Santo. Mas para tal será necessário sempre a nossa
disponibilidade total, tal como a Mãe da Igreja, também nós devemos sempre
dizer “sim”, sem medo nem dúvida. O facto de se ter fé não evita as amarguras
da vida, nem as desgraças no mundo; mas sem a fé, que está contida no dom do
amor, os obstáculos tornam-se mais difíceis de serem ultrapassados, não como
meros pensamentos irrealistas que nos façam adormecer da realidade, mas como
forma concreta de os ultrapassar. A necessidade de sermos cristãos responsáveis
é fundamental, temos de ter a capacidade de nunca fugirmos das realidades a que
somos confrontados, a nossa acção cristã será sempre elevada e a “Palavra”
tornar-se-á realidade. Portanto devemos ter a consciência em tudo o que está
inerente ao sacrifício da Palavra, esta deverá ser a condição da nossa acção e
valores cristãos. Devemos saber manter compromisso, uma fé sem esforço, uma
vida “cristã” em que se pense somente em facilitismos, é uma mentira e uma
forma de fuga não só da religião, mas principalmente do próprio Deus.
No
entanto a alegria que nos é transportada através da acção de Deus em nós,
faz-nos ganhar força, e mesmo que tudo pareça perdido a esperança irá
persistir…
O amor
não é algo que nos é alheio, nele reside a verdadeira possibilidade de mudança
de vida, porque só amando é que se atinge a glória de Deus.
O
Cristianismo mostra-nos que através da cruz, que Cristo aceitou pegar, fomos
realmente salvos. Através desta atitude de amor, em que Cristo acolheu todos os
nossos sofrimentos através dos Seus, revela neste acto supremo, descrita por S.
Paulo como “escândalo para os judeus” e “loucura para os gentios” (cf. 1 Cor.
1, 23), a liberdade única e insubstituível.
A crise
de fé que hoje atinge grande parte da sociedade, surge não só de um
desconhecimento completo de Deus e da Escritura, como de uma certa “moda” na
invenção de conceitos que em nada se ligam com o Cristianismo/Catolicismo.
Mesmo muitos que se intitulam católicos sustentam no seu intimo uma inquietação
profunda que advém da inconsciência da fé e que em muitos casos provém de uma
recusa (quase inconsciente) que em Cristo está a orientação para a vida,
dando-lhe sentido; a isto conjuga-se o pouco significado dado ao sentido
basilar do Cristianismo, levando, por fim, com que exista uma incompreensão da
profundidade da Eucaristia.
A
Igreja não é um lugar fechado com umas imagens para serem vistas, este
pensamento leva a que as nossas Igrejas (enquanto edifícios) se tornem lugares
apenas de visita, mas mortas de espírito, porque deixam de ser lugares
privilegiados para o culto.
A sua
vitalidade é feita através da sua abertura, uma “Igreja de portas abertas” a
todos, sem excepções. Lugar que acima de tudo acontece comunhão (“communio”), porque embora se associe a
Igreja ao edifício, Ela é na realidade a comunidade que a compõe. A comunicação
da Igreja liga-se à verdade e a sua expressão é feita na comunidade. Esta
comunidade tem um lugar onde a comunhão se realiza plenamente: a Eucaristia.
Uma Igreja sem Eucaristia não é Igreja e esta não é paredes mas sim pessoas…
“A Eucaristia é Deus como resposta” na sua
presença efectiva. A comunhão na Eucaristia é entre nós e Deus, porque ao
respondermos a Deus e ao estarmos em adoração, Ele também se dá a nós em
alimento, tornando-se deste modo pão para a dinâmica da fé e da comunhão. Há na
Eucaristia uma relação concreta entre o divino e o humano, daí que a oração na
Eucaristia alcança sempre a novidade da Sua presença. Agora homem e Deus ultrapassaram a Aliança que provém do Antigo
Testamento e fazem comunhão em que através do Espírito Santo, que provém do
amor eterno de Deus. Na Eucaristia nunca somos sós, ela é o privilégio da
comunhão divina, da inexistência da solidão, porque a presença de Deus
acolhe-nos sempre na sua infinita compaixão e na sua eterna presença. Na
Eucaristia não estamos perante um Deus que apenas faz parte do pensamento,
agora Deus está verdadeiramente entre nós e dá-se totalmente a todos através da
comunhão, libertando-nos das “amarras” da vida, abrindo-nos novos horizontes,
conduzindo-nos sempre para a ressurreição. A Eucaristia é a presença de Deus, e
a nossa oração deverá ter sempre o Senhor. É na Eucaristia que Cristo nos
mostra a sua ressurreição, nela a presença de Cristo Vivo acontece em toda a
sua plenitude.
Hoje em
que tudo é relativizado e individualizado, a Eucaristia vem opor-se a tal
atitude. Na Eucaristia não existe lugar para individualismos, ela é acção comunitária por excelência. Claro
que no aspecto da oração concreta existe um conceito ligado ao indivíduo, esta
necessidade pessoal, ao nível do “encontro” com o que nos é externo e divino é
fundamento para uma vida cristã, no entanto na Eucaristia, buscamos uma
comunhão não somente com Deus, mas também ao estarmos na Sua comunhão estamos
também com todos.
Podemos
mesmo considerar que a Eucaristia é elemento fundamental para a construção,
solidificação e desenvolvimento da Igreja, mas por outro lado é a própria
Igreja que a faz existir como ponto vital da sua existência, portanto, Igreja e
Eucaristia fazem parte uma da outra, uma não existe sem a outra, daí que o
Catolicismo sem esta noção fica desprovido da sua essência. Um católico que não
faça esta análise interior, não é um “católico não praticante” porque essa
noção na sua génese é desprovida de sentido. No entanto a Eucaristia nunca
poderá ser vista como uma obrigação, mas como um verdadeiro convite em estarmos
em assembleia de Deus, a nossa predisposição para uma Eucaristia terá de ser
vista num enquadramento espiritual, e nunca como um factor meramente humano
como tradição ou obrigação. Através da Eucaristia combatemos, com a comunhão, a
ideia do individualismo, que nos conduz à perda dentro dos meandros do egoísmo,
sendo que buscamos incessantemente por uma satisfação momentânea e passageira.
Ela une-nos ao Senhor e a nós mesmos, fazendo-nos a todos membros do Corpo de
Cristo, ligados pela fé, através dos sacramentos e no acto eclesiástico da comunhão.
E neste “banquete de misericórdia” acontece como no coração das mães – há
sempre lugar para mais um, embora todos sejamos diferentes, o amor de mãe não
tem limites -. Este elemento é pois um elemento universal por excelência, tudo
e todos fazem parte integrante desta misericórdia divina de Deus.
A
Igreja tendo este “coração de mãe”, é infinita para o amor dos seus filhos,
nunca se esgotando em nenhum deles, renovando-se mesmo em todos; e que maior alegria não tem uma mãe ao ver
todos os seus filhos unidos. Este é também o amor da Igreja que nos foi
deixada de geração em geração a partir dos Apóstolos que a fundaram. Da mesma
forma que a Igreja nos foi concedida, também terá de assentar nas gerações que
vêm, através da sua unidade permanente, sendo portanto Igreja Una, Santa,
Católica e Apostólica. Esta vida eclesial fica assim bem presente, sendo que a
sua oração terá por base a comunhão com o Senhor através do “pão”.
Juntamente
a esta visão fundamental de comunidade aparece a palavra “Koinonia”, traduzida por “Communicatio”.
Neste conceito reside o cerne da análise, já que assenta o significado de
“Eucaristia”, como também o de “Comunhão” e “Comunidade”. Estas duas realidade
– Eucaristia e Comunidade – estão assim ligadas no sentido original do conceito
que estrutura o próprio sacramento – Comunhão -.
“Koinoina” tem
uma série de ramificações, no entanto está sempre ligado ao sentido de
“comunhão”. Estas noções dão na realidade um dinamismo singular ao sentido
eucarístico e à comunidade eclesial, tendo sempre na figura de Jesus Cristo a
sua orientação permanente. O sentido espiritual da comunidade cristã, provém
desta comunhão entre os homens e Jesus Cristo através do Espírito Santo. Mas “Koinoina” remete também para a noção de
comunicação, na busca da comunidade e esta também se prende para quem está
fora. Daí, e como iremos analisar mais concretamente no próximo capítulo, saber
comunicar, inseridos no tempo, é também missão originária da Igreja, isto não
significa ir atrás de tendências meramente estéticas, ou de modas de
pensamento; porque ao representar Cristo, a Igreja tem de estar sempre na busca
da verdade e da razão feita carne, um “logos”
que não seja imóvel, mas que tenha acção concreta. Portanto a comunidade
eclesial é vista sempre a partir da forma como age perante a realidade que lhe
é confrontada nas questões e problemas actuais. A sua abertura não é uma forma
irresponsável, estar aberta não é dizer “sim” a tudo, abertura é escutar e
analisar pontos de vista novos (muitos deles que ainda não se tinha
confrontado). Fugir das realidades, ou esconder-se em conceitos desprovidos de
actualidade, contraria de uma maneira concreta a própria acção de Jesus Cristo,
uma Igreja fechada contraria portanto a própria verdade que lhe está na base,
personificada na imagem de Deus encarnado. Com isto não estamos a dizer que a
longa história da Igreja, com tudo o que ela trouxe de positivo e negativo,
deveria ser pura simplesmente apagada sob a argumentação de “modernidade”, o
que aqui afirmo é que é a partir dessa história, com tudo o que nos trouxe, Ela
terá de ter a capacidade de se renovar. Tal como Cristo trouxe novos pontos de
ver a Palavra de Deus, não renegando os profetas anteriores, mas sim aclarar os
aspectos essenciais da mensagem, também a Igreja terá de ter a capacidade de
fazer o mesmo, no entanto para isto é necessário algo que Cristo mostrou como
ninguém: coragem. A comunicação da
Igreja e as tomadas terão sempre de ir ao encontro da elevação do ser humano,
tocando na consciência mas também no “coração”
de todos, e principalmente daquele que ainda não encontrou a essência
glorificadora que está presente na mensagem do Senhor. Esta atitude da Igreja
deverá estar assente num espírito de abertura e atenção ao mundo, sabendo
acolher a todos, numa verdadeira linha missionária (um dos grande objectivos do
Concílio Vaticano II). As criticas negativas que possam fazer à Igreja, nunca
poderão ser factor de renúncia à verdade, “lutar” por ela é “lutar” acima de
tudo pelo bem da comunidade (bem comum).…
O aspecto
originário da Igreja, sustentada pelas suas “colunas – Tiago, Pedro e João –
teve também em S. Paulo um dos pilares senão mesmo o fundamental para a sua
universalização. Estas “três colunas” aparecem juntas em dois pontos essenciais
na vida terrestre de Jesus: na transfiguração e na angústia (antes da morte) no
Getsemani (Mc 9, 2 e Mc 5, 37), podemos pois concluir que já havia uma
predisposição por parte do Senhor na escolha destes três elementos. É
interessante também salientar que também a comunidade de Qumram conhecia
perfeitamente esta distinção entre o “grupo dos três” e o “grupo dos doze”.
Foram os três (que sem duvida foram escolhidos) que seriam os pilares da futura
Igreja, e que tiveram a responsabilidade de fundar e guiar a Igreja nascente.
Quando deram as mãos a Paulo, em puro sinal de comunhão (Koinoina-Communio), isto significou a iniciação da estrutura
eclesial da Igreja.
Esta
acção, mesmo para S. Paulo, que recebeu do próprio Senhor o chamamento, era
fundamental e indispensável para a unidade de toda a Igreja, sendo necessária
uma estrutura apostólica profundamente formada em comunhão para a legitimação
de toda a doutrina a ser seguida.
O “communio” assume aqui um aspecto mais
elevado, já que abrange o sacramento e o espírito, juntando instituição e
pessoa. Este “aperto de mãos” (“communio”),
no Concílio dos Apóstolos (Act 15,1-35), abre assim uma Igreja aos gentios,
uma Igreja que não divide, mas antes assume o verdadeiro sentido de “communio”, uma Igreja para todos em que
judeus e gentios são acolhidos, uns pelos outros, no acolhimento divino de
Nosso Senhor Jesus Cristo.
No
entanto este caminho não foi fácil, questões como o das prescrições alimentares
e de se sentarem à mesma mesa judeus e gentios, levaram mesmo a rupturas.
Desta forma,
a partir desta inflexibilidade demonstrada, esta compreensão do verdadeiro “communio” foi novamente posta em causa
em Jerusalém. A Igreja nesta altura tinha diante de si dois caminhos: ou
tornava-se uma nova seita judaica (como muitas), ou então separava-se de vez da
raiz do Antigo Testamento, aparecendo como uma religião legitimada pelo Messias
prometido. No entanto é importante salientar o seguinte, como não pode existir
Filho sem Pai, também não pode existir Jesus sem Bíblia (o Antigo Testamento). O “aperto de mãos” não é um rumpimento
radical com o Antigo Testamento, mas sim o seu verdadeiro cumprimento final,
na sua figura aguardada, na imagem do Messias esperado pelos Profetas. Agora a
Palavra assume um novo sentido, conferindo-lhe mesmo um sentido originário, em
que o amor e a reconciliação são aspectos bem presentes. A Igreja só teria
significado fundamental, alterando aspectos que à primeira vista seriam
inegociáveis.
S.
Paulo ao buscar as “colunas”, buscou assim o “communio”, para desta forma mostrar e comprovar que a Igreja só
tem sentido a partir de uma unidade formal revista na Pascoa do Senhor, e na
unidade fundamental da “doutrina dos Apóstolos” – Igreja Apostólica. A Igreja
para atender ao anseios dos seus fundadores, tem sempre que ter a capacidade de
juntar a vertente institucional à vertente Espiritual, sendo que nesta união
foram muitas vezes são cometidos os maiores erros e falhas na história da
Igreja, no entanto embora numa sociedade em que se tenta excluir a imagem do
Cristianismo, sinto que Igreja começa cada vez mais a surgir com uma nova
vitalidade.
Sendo a
comunhão em Cristo também comunhão entre todos os homens, inclui-se desta forma
uma aceitação do outro a partir de nós mesmos, existindo uma imagem mútua de
dar e receber, não no sentido da “troca pela troca”, mas no sentido da
partilha. No mistério da Paixão está também a realização plena da “comunhão”
definitiva entre Deus e o homem, entre o divino e o terrestre. Esta comunhão,
que teve o seu sentido mais extremo na Sua expressão em dar a vida, mostra que
esta entrega total – física e espiritual – tem no Cristianismo um patamar de
grande elevação. Deus realmente não veio para ser servido mas para servir,
mostrando o seu amor e compaixão até à morte por todos, dando-nos a salvação e
a liberdade. A “caritas” não uma
atitude meramente moral, ela é um dever concreto dos cristãos, já que provém do
próprio acto de Jesus Cristo. A “caritas”
provém da vontade de Deus, à qual todos devemos estar atentos e disponíveis, só
assim a “communio” passa de um
pensamento (quase metafísico) para uma acção concreta. A vida em santidade é
portanto assente na nossa disponibilidade plena de alegria para esta comunhão
constante de uns para com os outros, em profundo amor, porque ao realizarmos
esta comunhão, estaremos na mais profunda comunhão com Aquele que nos mostra o
caminho para o Pai:
“Ninguém vem ao Pai senão por mim” (cf. Jo 14,6).
A
comunhão aguardada, provém da Palavra encarnada, que dando a vida por nós, nos
faz participantes da sua vida e indica-nos a forma de também nós a fazermos
viver de internamente fazendo-a palavra viva. A acção de Deus nunca será
controlada por nós, no entanto a sua presença torna-se mais concreta e visível
através da nossa atitude, Deus na Sua eternidade não age segundo preceitos pré
concebidos, a sua acção aparece da forma mais inesperada, poderemos verificar
isto na forma como Ele quis vir à terra, Ele não veio revestido de ouro, mas na
mais pura simplicidade, a imprevisibilidade da acção de Deus é algo de fascinante,
levando-nos a uma atenção todos os dias.
Embora
muitos possam pensar de outra forma, mas para melhor compreendermos a Bíblia
devemos sempre interrogar a história guardada nos seus vocábulos (também isto
acontece com a palavra “Koinoina”).
Aquilo que está inscrito nos 73 livros que compõem a Bíblia (46 do Antigo
Testamento e 27 do Novo Testamento) tem de ser analisado e contextualizado,
evitando desta forma deturpações do próprio sentido da Palavra. O Novo
Testamento é centrado na figura de Jesus Cristo, e na concretização de todo o
Antigo Testamento no Messias agora revelado. Daí que uma leitura simplista da
Bíblia poderá levar a erros profundos, erros que justificaram muitas atitudes
extremas, mesmo por parte da Igreja.
Garry
Wills acerca deste aspecto comenta: “Para criar radicais nada melhor do que uma
leitura dos Evangelhos”, claro que esta frase está ligada a uma leitura
simplista e desenquadrada, uma leitura sem pensamento e sem análise poderá
levar, infelizmente, a esta conclusão. Deixo estas frases de Jesus Cristo, que
mesmo para os não crentes aparece sempre como uma figura incontornável no que
diz respeito à batalha pela dignificação humana, a partir da justiça, da paz e
do amor:
“Não julgueis que vim trazer paz à Terra;
não vim trazer paz, mas a espada…” (Mt 10, 34)
“… Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos
que vos odeiam…” (Mt 5,43-47)
Mesmo
actualmente muitas das palavras de Jesus são interpretadas de uma forma
simplista e errada, levando precisamente àquilo que Cristo mais combateu:
exclusão, intolerância, falsa moralidade, no fundo a hipocrisia da mentira, que
infelizmente vemos muito nos nossos dias.
Sobre
ainda este aspecto da “Koinoina”
vemos este termo ligado a uma relação entre João, Tiago e Pedro, esta relação
que para nós é traduzida como companheiros,
tem em “Koinoina” tem um significado
mais abrangente. Na realidade, quando Jesus os encontra e lhes faz o definitivo
“convite” para o acompanhar, os três tinham uma pequena sociedade. Aqui fica
notório um sentido mais profundo da palavra, que no entanto é essencial para o
seu renovado sentido religioso; a “Koinoina”
remete para uma propriedade comum, para algo do tipo cooperativa. Com Pedro
que mais tarde se torna “Pescadores de Homens”, fica também visível que agora
estamos perante uma “nova cooperativa”, a nova “communio”. Também nós somos companheiros de S. Pedro na sua “nova
cooperativa”, na “communio” do
Senhor, que nos dá tudo aquilo que sozinhos jamais seriamos capazes de obter.
Ao estarmos juntos com os discípulos, estamos em “communio” com Cristo. Esta é a nossa presença na Igreja Católica
(universal), uma presença em comunhão com Jesus Cristo.
Na
visão grega o essencial do conhecimento residia na adequação da mente ao
objecto. No entanto e na realidade o conhecimento pleno aumenta consoante esta
comunhão em relação a Deus. Deus que nos conhece, e que busca que nos tornemos
à imagem e semelhança de Seu Filho, dei-nos na Palavra as linhas para O
alcançarmos. A busca do conhecimento está ligada à liberdade que nos foi concedida
por Deus, esta liberdade torna-nos capazes de usar todas as nossas capacidades
na busca do conhecimento, mas o conhecimento e o progresso científico valida-se
com uma verdadeira melhoria comum (bem comum) e é nessa atitude que cumprimos
aquilo que nos foi pedido por Jesus Cristo.
Na
acção da pureza profunda da comunhão de todos os homens entre si e entre Deus,
é-nos aberta a porta para esta compreensão. Na Eucaristia a repetição assume-se
sempre como novidade, porque a forma de vivermos o Cristianismo é a de
percurrer o caminho de entendimento do Senhor, que nos fala ao “coração”. Assim
o todo vai-se tornando claro, como também a própria Eucaristia, acto supremo de
comunhão e adoração a Deus, vai-se tornando presença de vida. Nela encontramos
a comunhão dos vivos e dos mortos com o divino. Deus na sua eternidade
ultrapassa a capacidade do pensamento puramente científico, Ele que nos elegeu,
e que através do seu amor eterno se fez carne para que podessemos ver o Seu
“rosto”, fez com que a Velha Aliança fosse substituída pela Nova Comunhão. Ele
quer que cada um de nós se realize a partir da vida de Cristo. Ser cristão, ser
ungido, ultrapassa o próprio sacramento, o cristão deverá ter na sua vida um
olhar permanente em Jesus Cristo. Todos somos morada do Senhor, que nos foi
dado como o dom mais sublime e misterioso de Deus, através do ventre da Virgem
Maria – Mãe da Igreja. Esta é a Pascoa do Senhor, que é muito mais do que uma
“refeição”; é amor até á morte. É, portanto, Doação eterna e participação efectiva
na própria vida.
É
interessante salientar que para os judeus a relação existente entre Deus e o
homem não aparece como no Cristianismo, ela não se dá como comunhão (“communio”), já que para os judeus a
transcendência de Deus é tal que é mesmo inacessível a existência de uma
comunhão. Daí que no Antigo Testamento esta relação não nos é apresentada como
“comunhão”, mas sim como “Aliança” (“Berith”).
Esta relação leva a que se note de uma forma bem notória a posição sublime de
Deus, no fundo, será sempre Ele que imperativamente faz a criação da relação
com a criatura. Esta noção leva a que alguns exegetas cheguem mesmo a
considerar que no Antigo Testamento, a tradução de “Berith” por “Aliança”
estaria mesmo errada, já que na “Aliança” implicaria sempre uma relação com uma
certa proximidade entre Deus e o homem, o que na visão destes isso não
acontece.
Podemos
pois concluir que a “Communio” só
existe verdadeiramente no Novo Testamento, e ela acontece a partir da relação
concreta com Cristo, que ao fazer-se carne originou o início de uma relação de
proximidade tão nítida que estamos na realidade perante uma comunhão entre Deus
e os homens. Esta relação misteriosa está num nível nunca antes atingido, Jesus
torna-se um de nós, entre nós, e mais importante do que isso, para nós. Esta
relação entre o divino e o homem, é em Jesus um aspecto definitivo, agora já
não numa ligação de aliança, mas na mais pura comunhão. Só com Ele e a partir
Dele é que poderemos obter não só uma proposta nova para a vida, mas também a
morte não aparece como um irremediável fim, mas a abertura da vida eterna.
Nós
cristãos, somos aqueles que deveremos dar o exemplo ao estarmos sempre atentos
para esta relação de comunhão, não só entre nós e Deus, mas também entre todos
os homens. Foi por esta razão que Deus em Cristo se mostrou de uma forma real e
concreta. No seu amor eterno, sacrificou-Se até à morte, e com esta entrega
voluntária redimiu-nos a todos pelo Seu sangue, abrindo-nos um caminho de
redenção e de libertação total, com ele “traçaram-se as coordenadas” para a
glória eterna.
Deus ao
revelar-se no seu Filho, abriu-nos também “as portas” para a verdadeira e
definitiva Igreja, aquela em que a direcção será sempre na direcção ao Senhor (“oriens”), uma Igreja de comunhão em
que todos somos chamados a fazer parte Dela. Esta é a incontornável e singular
beleza do Cristianismo no seu sentido mais puro, aqui reside a própria essência
Católica actual. A sustentação da Igreja está sempre na fé e no amor dos seus
crentes. É na busca da Pascoa do Senhor que encontramos a razão e o sentido
verdadeiro da salvação. Esta revelação diária de Jesus Cristo nas nossas vidas,
terá de ser sempre acolhida por nós, a Sua revelação já se manifestou, e com
ela chegou uma comunhão eterna, o novo dia já chegou, agora compete a nós
fazermos a escolha, e em cada escolha acontece também a recolha dos “frutos”,
ou seja, as consequências estarão sempre na tomada de posições. No entanto, e
tal como acontece ao ladrão que estava com Cristo na cruz (cf. Lc. 23, 43), Ele
aguarda-nos sempre mesmo até ao último instante. Daí que a noção de que a
crença em Deus, é um acto em que a nossa liberdade ficaria ameaçada, é errada e
completamente contrária à mensagem de Jesus, se alguém nos concedeu uma
liberdade dignificando a figura do ser humano como ninguém, foi Jesus Cristo.
Foi neste sentido que Ele se revelou como ser humano, mostrando-se a todos,
agora “cegos” são aqueles que não querem ver esta evidência.