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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sugestão: Livro - "A Biografia do Silêncio"



LIVRO



de Pablo D´Ors










Sinopse

Pablo d’Ors, neste pequeno livro, não nos apresenta uma teoria ou uma tese. Ele revela-nos a sua experiência pessoal, única e intransmissível com os espaços de silêncio, de quietude, propícios a um encontro consigo mesmo, pela meditação. E fala-nos do que experiencia, de tudo o que «não ganha», mas também de tudo do que desfruta, desse mergulho às profundezas de si próprio e do mundo novo que esse mergulho lhe permite observar, admirar, onde se encontra «alguém» que, há muito, se procura. E deixa-nos convites, conselhos, admoestações de que respigámos alguns extractos: «Estou convencido de que fui eu que configurei esta caminhada espiritual que tenciono explicar nestas páginas. Não quero dizer que não tenha sido orientado por leituras luminosas nem que não tenha recebido conselhos pertinentes de alguns mestres de meditação. Contudo, tenho a impressão de que fui eu e só eu quem caminhou, guiado pelo meu mestre interior, até onde agora me encontro.»


Paulinas Editora







segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

FELICIDADE 5/5

As Bem-Aventuranças: Chamamento à felicidade

“De facto, Deus colocou-nos no mundo para O conhecermos, servirmos e amarmos, e assim chegarmos ao paraíso. A bem-aventurança faz-nos participantes da natureza divina (1 Pe 1,4) e da vida eterna. Com ela, o homem entra na glória de Cristo e no gozo da vida trinitária.”
CIC, 1721

“Uma tal bem-aventurança ultrapassa a inteligência e as simples forças humanas. Resulta de um dom gratuito de Deus. Por isso se classifica de sobrenatural, tal graça, que dispõe o homem para entrar no gozo de Deus.”
CIC, 1722

“As bem-aventuranças descobrem a meta da existência humana, fim último dos atos humanos: Deus chama-nos à sua própria felicidade. A vocação dirige-se a cada um, pessoalmente, mas também ao conjunto da Igreja, povo novo constituído por aqueles que acolhem a promessa e vivem na fé.”
CIC, 1719

Nas bem-aventuranças (Mt 5,1-11; Lc 6,20-26) é patente que estas aparecem como um projeto social, em que o ponto fundamental está no seguimento de Jesus (expressa na Sua palavra) como caminho para a perfeição. Desta forma o Reino de Deus torna-se presente, abrindo-nos novos horizontes face ao efémero em relação ao fundamental. Jesus ao condenar as injustiças, mostra que existe um “olhar” permanente de Deus perante a forma como lidamos com o mundo, na relação que mantemos entre todos. Jesus ao “abandonar” a multidão junta-se com os discípulos para lhe passar as bem-aventuranças, no seu discurso são-nos apresentados critérios inversos ao usual… no entanto, não  podemos de constatar que a atualidade destas palavras não deixa de ser perturbante!
Uma sociedade que coloca a palavra do Senhor num plano secundário, fomenta a infelicidade e a injustiça entre todos, o que cada vez, e infelizmente, é mais notório. É impressionante como todos os dias somos testemunhas de situações verdadeiramente desesperantes, e nada fazemos, a não ser colocarmo-nos nas redes sociais a criticar, sem que no entanto nos coloquemos concretamente numa ação de mudança, perante uma situação que se vai tornando cada vez mais massacrante e agonizante para muitos… até quando…?
A violência das palavras do Senhor prende-se com o caminho que devemos fazer…

As bem-aventuranças aparecem em Lucas e Mateus, no entanto o conceito de pobreza tem uma pequena diferença:

“Felizes vós, os pobres,
porque o vosso é o Reino de Deus” (Lc 6,20)

Felizes os pobres de espírito,
porque deles é o Reino do Céu” (Mt 5,3)

Na realidade enquanto que em Lucas apenas temos “pobres”, já em Mateus aparece o termo “pobres de espírito”. Obviamente que em Lucas o alcance social da afirmação é mais profundo, em Mateus a colocação de – “em espírito” – leva-nos a uma pobreza voluntária e mesmo evangélica. Esta ação trás consigo renúncias, colocadas inteiramente no aprofundamento central da figura de Cristo na vida de cada um. Jesus nunca fez da pobreza um ideal, reparemos que mesmo no seu diálogo com o jovem rico (cf. Mt 19,16-25; Mc 10,17-27; Lc 18,18-27), o convite para “vender tudo e dar aos pobres” está sujeito ao fundamental: em seguir Jesus. Neste seguir que trás consigo o abandono de muitas coisas, porque o fundamental e via para a felicidade está no seguimento de Jesus.

Também é importante notar que na “nova” lei Jesus não rompe com a anterior, neste novo “Sinai”, Jesus aperfeiçoa a lei: “Não penseis que vim para revogar a lei ou os profetas, mas levá-los à perfeição”. (Mt 5,17)

Sendo que todo recairá sempre no fundamental:

““Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração,
com toda a tua alma, e com toda a tua mente.
Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante:
Amarás ao próximo como a ti mesmo.
Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas””
(Mt 22,37-40)

Deus criou-nos para a felicidade, esta não é uma utopia, mas uma efetiva possibilidade humana, ao qual Jesus traçou o caminho, esta busca da felicidade deve ser pois um objetivo central em todo o Cristianismo. Uma vida em que se eleve o sofrimento, em vez da felicidade, é fechar a própria criação a numa dimensão totalmente oposta ao amor criador das coisas, esbarrando assim numa vida fechada em nós mesmos, em puro egocentrismo, num percurso que mais não nos leva do que à mais profunda infelicidade, porque esta não está no ter mas no ser e no ser em amor, assim sendo a piedade de Deus, solicito para a criatura é a ponta para um encontro com a profundeza de nós mesmos e desta forma com o próprio Deus. Mais uma vez a busca espiritual, leva-nos à própria busca da tão desejada felicidade.

“O aspeto da simplicidade da nossa vida de contemplação faz-nos ver o rosto de Deus, em cada coisa e em cada pessoa, por toda a parte e sempre”.

Deus é fonte eterna de felicidade, a própria religiosidade cristã deve associar-se a esta fonte, Nele está contida a razão última da existência como fator e fundamento de toda a Sua revelação.
Nesta atualidade vivemos num estado em que se polarizam sonhos, sem que no entanto sejam edificados por causas de esperança que potenciem uma movimentação na direção da felicidade, não fechada, mas aberta a todos, à comunidade e ao mundo.
O ser humano é incompleto, frágil, finito, assim ao tentarmos viver autonomamente, achando-nos autossuficientes, retira-nos as noções de partilha e solidariedade, que embora estejam escritas nos nossos corações, a vida de culto egocêntrico, fá-las adormecer em justificações mentirosas, conferindo-nos desta forma um estado de insatisfação permanente e infelicidade, porque jamais seremos capazes de alcançar tudo aquilo que pretendemos. Esta busca deverá assentar na sua razão o bem comum (já tantas vezes citado neste livro), só assim fazemos da vida experiência verdadeiramente validade de felicidade.
A finitude terrestre não pode ser fator de medo e de infelicidade, porque em Cristo é-nos dada a eternidade, a qual deve ser “motor” de motivação em sermos diariamente testemunhas da Páscoa do Senhor levando a alegria transbordante da fé, tornamo-nos, desta forma, o prolongamento da luz do mundo que habita entre todos e que ilumina a escuridão dos dias. A alma e o corpo nunca se desprenderão, após a passagem da morte apenas estas estarão numa realidade espiritual, o que resta é isso mesmo: restos… O corpo já não está ali, porque o corpo juntamente com a alma já se renovaram na luz espiritual, onde contemplarão a verdade em todo o seu esplendor. Recear a morte é vivermos ausentes da mensagem da Páscoa do Senhor, porque ao vivê-la na plenitude damos conta que a vida vale mesmo a pena e que ela é o valor dos valores…
 No meio de tantas notícias tristes, existem também exemplos para os quais devemos focar, já que do Espírito Divino busca sempre a dignificação da convivência, o amor doado de Deus alimenta o alento da felicidade da vida de todos sem qualquer exceção. Este sentido da dignidade humana é claramente um combate de crentes e não crentes, que nas suas diversas formas têm promovido pelo mundo, daí que valorizar a vida seja uma evidência da natureza existencial da pessoa.

“Quando Deus fica eclipsado começa a esmorecer em nós a capacidade de reconhecer a ordem natural, o fim e o bem” o homem necessita de Deus, na Sua encarnação dá-se o cumprimento total da palavra, em que Nele se reflete a imagem de Deus, não como um rei poderoso em riquezas e na força de armas, mas num Rei rico em Humildade, Misericórdia e Amor, sendo o verdadeiro fermento para uma vida renovada.

A iniciativa da salvação parte da gratuidade total de Deus, não pelas nossas virtudes e méritos, mas na absoluta misericórdia de Deus.

“O caminho da paciência, da vergonha e do sofrimento é o caminho do abstencionismo de que o homem mais de deseja para si, a felicidade. (…) Imitar a obediência fiel e a paciência renunciante de Jesus pelas quais traz a eternidade ao tempo: eis o que se chama de crer, esperar e amar”
Hans Von Balthazar, “Teologia do Tempo”

O ódio, o absurdo, a indignidade, a ausência de valores, a própria falta de liberdade e de humanidade, remete-nos para uma vida vulgar, sem a percepção do significado da qual é merecedora. Numa realidade comandada por um pragmatismo extremo, implanta-se na realidade atual várias decisões, no entanto a questão que se coloca é a seguinte: o que é ser cristão?

O sentido humanista da realidade é um ponto fundamental ao qual o cristianismo jamais se alheia, no entanto, colocar Deus no centro das nossas decisões, é o que nos faz verdadeiramente cristãos, porque realmente só Ele é razão e fonte da vida. Uma vivência cristã da realidade, não nos pode colocar escondidos das vicissitudes do mundo, como que fechados em “redomas” nas quais quem está “fora delas” é incapaz de obter a salvação; pelo contrário, o Cristianismo deve potencializar a coragem na busca de soluções válidas para os problemas e a infelicidade. O homem jamais pode estar submetido a modelos económicos, os modelos económicos é que devem responder com justiça às necessidades do homem, potencializando as suas competências ao serviço da comunidade, e desta forma originando uma sociedade mais livre e verdadeira. Não tenho dúvidas que quem prejudica os outros através da mentira e da pura especulação, é abatido por um alerta da consciência, no entanto ao sermos “levados ao sabor dos tempos”, mesmo que estes sejam o caminho para o precipício, leva-nos a ver a realidade de uma forma deturpada, em que a própria felicidade está apenas em ter mais do que o outro, e este ter não é apenas económico, é também alimentado por uma busca da sobrevalorização e de prestígio pessoal, em o que se valoriza é nada mais nada menos do que a vaidade. Vejo que em certas situações a própria ajuda surge como motivo de ganhar “status”, sendo que quem ajuda verdadeiramente, devia fazê-lo sem esperar louvores pessoais, mas visando apenas a felicidade do outro, porque no outro está o seu irmão… quem ajuda esperando algo em troca não ajuda, mas faz negócio com necessidade alheia.   

Em Jesus vemos que a submissão à Lei não surge como coação, mas sim como sentimento profundo da gratidão do Pai, que em amor lhe manifesta a própria Lei, estando sempre no amor fiel e livre. Na vida de Jesus não o vemos a exalta-se a si próprio, mas sim vontade do Pai, que se revela na Sua pessoa, daí que a Sua obediência não é aos homens mas sim a Deus, que ao estar totalmente ligado a Ele, aceita a Paixão e morte numa demostração completa de que em Deus está a libertação total do homem, perante todas as coisas, até mesmo da morte.


A felicidade está assim orientada para Deus, só Ele é merecedor da nossa total fidelidade, só Nele devemos depositar as nossas dificuldades e atribulações, mas também os sucessos e alegrias, nesta relação de esperança iluminada pela fé, é-nos mostrado que a liberdade é concedida pelo próprio amor de Deus, que sendo essência do Amor, é também a essência da felicidade, na qual glorifica os seus filhos através do Unigénito.






Estes cristãos vêm na prática da sua fé uma garantia que tais decisões são presididas pelo amor, que as suas opções salvaguardam o sentido da dignidade da pessoa e os valores éticos e que permaneçam livres de ideias puramente pragmáticas e de maquiavelismos políticos. Isto não diminui em qualquer caso a intensidade do seu compromisso e clareza da visão. A orientação cristã da sua vida permite-lhes ir além das palavras dos políticos e encontram formas mais criativas de libertação humanas e fraternas”
S. Galilea – “Concilium”

Claro que estas palavras têm em si mesmas um sentido válido, no entanto a redenção de Deus tem um papel fundamental na própria busca da liberdade, ou seja, a busca da liberdade não pode prescindir a redenção divina. O sofrimento e dor que muitas vezes pesam sobre a humanidade e sobre cada indivíduo, levam  ao desalento e mesmo à descrença, no entanto não percamos nunca a noção que: a presença de Deus é algo à qual nos está destinado. Abrimo-nos à ação de Deus em nós é abrimo-nos à Sua graça e redenção, que muitas vezes nos desarma, porque a Sua presença é efetiva.

Ao olharmos para a cruz, em vez de nos focarmos na dor (que efetivamente está lá bem patente) devemos olhá-la como momento de abertura à esperança de uma vida renovada, na agonia de Cristo é nos dada a redenção e a ressurreição, conferindo assim um sentido único à beleza da vivência cristã.
Ao darmo-nos ao outros e assim a Deus, realizamos a Sua vontade abrindo no nosso coração a alegria cristã, esta é a “exigência” à qual não podemos ocultar enquanto cristãos, porque na opção livre de seguir a Cristo, está sempre na responsabilidade que tal decisão requerer, porque quer queiramos ou não:

Não existem cristãos apenas de domingo, EXISTEM CRISTÃOS. 

O oitavo dia já está presente na nossa vida desde há dois mil anos.






L´OSSERVATORE ROMANO (23.fev.2014)







domingo, 23 de fevereiro de 2014

FELICIDADE 4/5

Felicidade no acolhimento de Deus



No percurso de vida, a afetividade abre a possibilidade ao percurso a ser percorrido em direção do Amor Maior. Embora a afetividade, enquanto conceito, possa ter variações interpretativas, é claramente um elemento imprescindível à própria singularidade da pessoa. Na afetividade o principio psicológico e espiritual interligam-se, conferindo assim não um sentido dual mas a unidade preponderante através de cada um.

Não há que ter hesitação, viver num sentido de acolhimento faz parte do roteiro para uma felicidade profunda, em que o alimento dado pela a afetividade oferece a possibilidade para o conhecimento e para o amor, só se ama com afeto e só se pode amar o que se conhece.
Não podemos condenar a vida às lágrimas, a vida sendo o dom dos dons é ela própria a celebração  da existência, do fruto da criação e labor de Deus.

Perante a situação difícil que atravessamos, é essencial promover a alteridade, valorizando assim o gesto afetivo capaz de valorizar a existência de todos, crentes e não crentes, porque enquanto abraçados pela suavidade de Deus, emerge em cada um a força para que o sentimento de confiança se renove.

Mais do que falar com o meu vizinho, é importante abrir-lhe a porta, para que se sinta sempre acompanhado na vida, só nós podemos destruir a solidão, só a nós nos cabe ser presença...

Gilles Lipovetsky acerca da felicidade referiu que a “ciência e a democracia têm o poder de aumentar a qualidade de vida objetiva, da nossa vida concreta, mas não fazem nada pela qualidade interior. O nosso poder sobre as coisas cresce imenso, tendo a consciência no hoje e no amanhã”. Perante a consciência das limitações humanas, é necessário exaltar na vida a fraternidade, a fim de tornarmos a nossa realidade mais bela, harmoniosa e respeitadora do mundo, por outras palavras, na construção ineterrupta do Reino de Deus.
Todos, ao entrarmos numa qualquer livraria, somos confrontados com prateleiras repletas de títulos em que se apresentam processos pelos quais “atingiremos” a felicidade suprema! Não que tenha nada contra tais livros (já que pouco os conheço), no entanto a minha atenção vai na direção daqueles que procuram estas “auto ajudas”, já que procuram, com toda a legitimidade, “respostas” para as suas amarguras e inquietações.
A vida não é fácil, muitas vezes nos trás amarguras para as quais nos sentimos incapazes de resistir e superar. O peso da dor e do sofrimento marca profundamente a história tanto individual como coletiva, isto leva a que os valores da dignidade da pessoa bem como noções de fraternidade, não passem muitas vezes, mesmo entre os cristãos, como aspetos meramente semânticos, mas ausentes do da vida comum.

O desprezo do divino, daquilo que nos transcende, leva a que nos achemos totalmente autónomos e senhores totais do nosso destino, não permitindo deste modo que a redenção se coloque numa posição de destaque em relação à emancipação.
A relação entre Deus e o homem não lhe retira a responsabilidade individual, em Deus o homem não é um “fantoche” que Ele comanda, mas Nele o homem encontra-se com a sua própria razão de existência, essa substância da vida à qual a Páscoa de Jesus nos torna nítida. Realmente somos responsáveis pelos atos que vamos traçando para o no presente e futuro, no entanto ao “atirarmos” Deus para uma realidade secundária da vida, leva à óbvia constatação (redutora) que a emancipação do homem pelo homem é claramente passageira. É pois na absorção do “Logos” encarnado (que nos é dado nos Evangelhos) que obtemos a luz para uma existência que busque a Sua Beleza Eterna e deste modo a própria Felicidade da existência.

“No passado cometi o maior pecado que o homem pode cometer: não fui feliz”
(J. L. Borges)

Ao atravessar momentos difíceis na vida, muitas vezes me sinto perdido deixando-me levar pelo negativo, no entanto, quando paro e busco o silêncio, “porque o silêncio é também o maestro do amor” (20), numa profunda reflexão, noto que nas mais adversas situações existe um sentido positivo no qual a vida se renova. Muitas vezes nesta busca do silêncio “descobrimos” verdades ocultadas pela azafama dos dias e pelo poder mediático das situação, levando-nos ao fatalismo e ao inconsolável desespero, é neste sentido que as palavras de Sta. Teresa D´Ávila ganham um sentido profundo:

“Nada te perturbe.
Nada te espante.
Tudo passa.
A paciência tudo alcança.
Nada me perturbe.
Nada me espante.
A quem tem Deus nada falta.
Só Deus basta”

Deus não está somente no êxito, Ele está também presente connosco no fracasso, na melancolia, na tristeza e na dor.
A beleza suprema é a luz (cf. Jo 8,20) que aquece os sentimentos levando-nos à participação ativa do oitavo dia, essa sempre nova realidade a que a Páscoa de Cristo nos trouxe e que vive connosco há mais de dois mil anos, a beleza que se fez história.
Para Hans Von Balthazar o alheamento do sentido da Beleza (que nos transporta para a felicidade) leva a que o homem se questione de uma forma compulsiva, chegando a confundir o bem e o mal. É pois necessário resgatar a nobreza da vida quotidiana, através de uma postura em que se aspire ao absoluto, desprezando a mentira e caminhando com a coragem cristã para uma vida plena.
A vida não é somente feita de grandes decisões, é também, e fundamentalmente, percurso de vida, um caminho para Emaús (cf. Lc 24,13-35) em que o Senhor se faz presente e caminha ao nosso lado.

Na Paixão é-nos colocado, de uma forma nítida, que o caminho está contido numa peregrinação em direção a Deus, em que Aquele que mostra o caminho (sendo Ele mesmo o próprio caminho) não só acolhe, como dá sentido s Deus, conferindo assim perante o absurdo, o vazio e tudo o que é desprovido de sentido, a loucura do Amor de Deus sendo que em amor se manifesta, porque quem ama verdadeiramente não espera nada em troca.
Obviamente que uma atitude causal e restrita no tempo pode exprimir amor, no entanto esta causalidade singular não se compara ao ato permanente de um amor que se dá como razão principal de vida, fonte de água vida (cf. Jo 4,14) e alimento fundamental para a felicidade humana.


Noto com alguma inquietação, que muitos remetem a felicidade para o futuro (para o depois da morte), fazendo da peregrinação de vida terrena como algo alheado por uma busca incessante da felicidade. Esta visão pessimista é muitas vezes realçada na própria vivência religiosa de muitos crentes, que se manifestam muitas vezes prioritariamente em sacrifícios, do que numa atitude concreta na busca e concretização da felicidade, sem muitas vezes se darem conta que é na luz de Cristo que realmente se encontra o caminho para a tão almejada felicidade.

“A religião pura e sem mácula diante daquele que é Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”.

(Tg 1,27) 




sábado, 22 de fevereiro de 2014

FELICIDADE 3/5

Paz, Justiça, Mansidão, Afetividade

“O caminho do justo é reto;
é o Senhor quem prepara o caminho do justo.”
(Is 6,7)

Estar em paz com a vida depende da dignidade com a qual diariamente assenta o sustento da pessoa humana.

Nesta frase resume-se onde deveria assentar a preocupação daqueles que dirigem o nosso futuro.
Dentro dos diversos sistemas sócio-económicos, o capitalismo deu-nos muitas coisas, mas dentro de todas a que ficou “à tona” foram as ilusões utópicas, fazendo com que se encare a realidade num permanente egoísmo e competitividade. Hoje nas nossas escolas o incentivo circunscreve-se na competição, para tudo se constrói rankings, colocando tudo centrado num objetivo único: ser o primeiro; fazendo do sentido positivo da superação e progresso pessoal, uma mesquinhez que assenta na soberba.
As escolas, enquanto locais de promoção do saber, deveriam dar uma especial atenção na formação dos jovens alertando-os para o seu papel na comunidade, em que, ao serem agentes da história e esperança do mundo, a eles competem fazer das suas futuras competências realidades ao serviço do bem e não ao serviço dos anseios egocêntricos da atualidade. Tenho notado que as escolas têm apostado mais na valorização da nota, do que na valorização da pessoa..., sendo que só estas duas componentes juntas formarão futuros homens e mulheres com consciência coletiva, em que a liberdade seja acolhida na atitude responsável perante as escolhas.
Conceber o trabalho tendo em vista o amontoar não dá dignidade, e muito menos felicidade.

“Disse-lhe, então (Jesus), esta parábola:
“Havia um homem rico, a quem as terras deram grande colheita. E pôs-se a discorrer, dizendo consigo: “Que hei-de fazer, uma vez que não tenho onde guardar a minha colheira?”
Depois continuou: “Já sei o que vou fazer: deito abaixo os meus celeiros, construo uns maiores e guardarei lá o meu trigo e todos os meus bens, Depois, direi a mim mesmo: Tens muitos bens em deposito para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te.”
Deus, porém disse-lhe: “Insensato! Nesta mesma noite, vai ser reclamada a tua vida; e o que acomulas-te para quem será? Assim ao que amontoa para si, não é rico em relação a Deus.”
(Lc 12,16-21)

“Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inegostável no Céu, onde o ladrão não chega e a traça não roi. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.
(Lc 12,33-24)

Ao escrever estas duas belíssimas passagem do Evangelho de S. Lucas, só me surge uma pequena frase, quem quiser entender que entenda... (“quem tem ouvidos que ouça”, cf. (Mt 11,15.13,9; 13,43; Mc 4,9.4,23.7,16; Lc 8,8.14,35).


Qual o trabalho que dá dignidade?

“O cristão que está atento em ouvir a Palavra de Deus vivo, unindo o trabalho à oração, procure saber que lugar ocupa o seu trabalho não somente no processo terreno, mas também no desenvolvimento do Reino de Deus, para o qual todos somos chamados pela potência do Espírito Santo e pela palavra do Evangelho”
(Laborem exercens, 27) (1981)


O trabalho digno separa-se do egoísmo da possessão, devendo ser encarado como um forte elemento na construção da felicidade profunda. Vivacidade, dedicação, persistência, superação, estratégia, que não coloquem em causa a honestidade e a retidão, são adjetivos que operam em “mansidão”, contrapondo-se à agressividade na busca do ganhar a qualquer custo...
A ganância leva à cegueira e à indiferença perante a fragilidade alheia. Ás vezes parece que as pessoas não têm a verdadeira consciência de que quando a morte nos levar todas as mãos se abrem, ficamos na nudez espiritual, em que aguardamos pela misericórdia divina. Como tão bem nos mostra a parábola do Evangelho de S. Lucas,  a riqueza do homem não está no acumular material, mas sim na riqueza abundante dos afetos. O equilíbrio na vida é que origina a “mansidão” em relação à que nos rodeia.

O que deixamos de importante e marcante, não é a riqueza material, mas o testemunho prático da honradez, absorvida pela beleza dos afetos, que irão influenciar a toda a nossa existência e a dos descendentes.


O dinheiro vai e vem... o que fica é o nosso exemplo, e que este seja bom.