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domingo, 27 de julho de 2014

Onde Estás? (2)



Perante a barbárie por que estamos confrontados, para muitos surge a questão:
Onde Estás Meu Deus?
Onde Está o Teu poder?

Na realidade perante o sofrimento dos inocentes, esta questão surge, inquietando decisivamente a nossa impotência... claro que muito se escreve sofre o sofrimento, mas perante o sofrimento inocente, podemos dar todos os argumentos, mas estes jamais nos conseguem sossegar. O sofrimento inocente é aquele que mais nos faz questionar.


 
“Assim fala o Senhor:
“Ouvem-se, em Ramá, lamentações e amargos gemidos.
É Raquel que chora, inconsolável, os seus filhos que já não existem””
Jr 31,15



Ao vivermos as guerras “in live”, chegamos ao absurdo de “olharmos” o sofrimento com uma naturalidade brutal e assustadora.


Se ainda houver dúvidas elas dissipam-se aí, nessa atitude distante, porque não é Deus que ausenta, mas sim nós Dele. Tal como no Eden, passamos a vida a escondermo-nos de Deus, chegando mesmo ao ponto de fazermos do Seu nome a justificação para nos alhearmos cada vez mais. Assim cegos pela soberba do orgulho egoísta, agimos no mal, justificando-o, atirando as culpas para o outro, dos inocentes alimentamos ainda mais “força da sede” de vingança, mas depois no fim, questionamos:
onde está Deus?
Sim Deus não está ali...

“Então, abriram-se os olhos aos dois e, reconhecendo-se nus, coseram folhas de figueira como se fossem cinturas, à volta dos rins.
Ouviram, então, a voz do Senhor Deus, que percorria o jardim pela brisa da tarde, e o homem e a sua mulher logo se esconderam do Senhor Deus, por entre o arvoredo do jardim.
Mas o Senhor Deus chamou o homem e disse-lhe: “Onde estás?””
Gn 3,7-9

Afinal onde estamos?

O mistério da encarnação do “logos” cruza, para a eternidade, Deus na própria humanidade, nas sua história, na sua vida. Jesus é em si mesmo o significado do tetragrama YHWH, o caminho do encontro, a resposta para as nossas questões.
Nele torna-se transparente que é na busca do nosso irmão que entramos no caminho para Deus, porque neste compromisso com a humanidade, fazemos o compromisso apostólico com o Senhor, tornando-nos de Deus, e por isso o chamamos de Nosso e de Meu Deus.
A nossa salvação está na nossa capacidade em ser humildes e assim aceitarmos a dádiva gratuita. Só tendo a consciência da nossa extrema fragilidade é que nos podemos colocar na posição de filhos, que nada merece e que tudo lhe é dado gratuitamente, até a vida. Meus irmãos, é esta a condição humana diante de Deus e dos outros!


No entanto o orgulho dificulta esta atitude, é por isso que Jesus usa o termo de “crianças”, porque elas são a pura abertura de si ao amor dos pais.

A História da Salvação está longe de ser um monólogo, muito mesmos uma forma de autorrealização de um deus, o que acontece na nesta história é um verdadeiro e dramático diálogo entre o Criador e a criatura amada.


Perante a loucura humana, anda-se no “ping-pong” das culpas! Chega a ser mordazmente revoltante... esquecem que, se o culpado é difícil de encontrar, já o inocente está escancarado aos olhos de toda humanidade. É por eles que devemos levantar a voz, porque muitos já nem voz têm, porque já nem sequer estão aqui...


Todos sabemos que a neutralidade é sempre difícil, mas perante o sangue inocente não pode existir silêncio comprometedor, este silêncio, esta inação é o pior dos pecados humanos. Por cada silêncio quantas mais mortes (?), por falta de ação quantas mais quantas mortes (?).




Deus não têm religião, o Seu amor é e será sempre a expressão da vida, da criação e da paz, qual é o deus em que “cremos”?
Toda e qualquer religião tem que ser um meio para uma comunidade se identificar e se rever no acolhimento por um Deus, que pede para O olharmos nos olhos dos que sofrem, em particular dos inocentes do mundo.

Porque é a eles que devemos pedir perdão... que eles nos perdoem.
Porque,
“o Reino dirá, então, aos da sua direita:
“Vinde, benditos, de meu Pai!
Recebei a herança do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo.
Porque tive fome e deste-me de comer, tive sede e deste-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me de vestir, adoeci e visitaste-me, estive na prisão e fostes ter comigo””
Mt 25,34-36


Deus ao dar-se ao mundo mostra que O encontraremos no mundo, no compromisso livre pela verdade e justiça com o próprio mundo, num empenhamento de todos com cada um, porque sem isto a fé de pouco interessa.


“Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé.”
Tg 2,18




“Não é na forma ou no modo que uma pessoa fala com Deus, que eu vejo que ela passou pelo fogo do Amor Divino, mas sim na forma como fala comigo sobre as coisas terrenas”. (Simone Weil)






terça-feira, 15 de julho de 2014

DEUS / DINHEIRO



O sistema neoliberal a que estamos sujeitos, assume cada vez mais o comando dos desígnios do mundo, condicionando profundamente a convivência da humanidade. Estamos perante uma realidade que já não busca somente a produção em massa de bens e serviços, mas centra-se cada vez mais num objetivo bem preciso: a acumulação obsessiva de riqueza material, a busca do dinheiro enquanto objetivo absoluto da existência. O neoliberalismo luta por atingir sempre o topo, através de uma competitividade desmedida, assistimos a nova “seleção natural” em que apenas os “fortes” podem sobreviver (sendo estes os que melhor se adaptam à realidade), esta ação vem mesmo a colocar em causa as estratégias de cooperação solidárias ao nível mundial.
O interesse não reside no desenvolvimento, mas inteiramente no lucro, no ganho e em tudo o que este proporciona. O próprio sistema de produção entra neste “joga”, assim e através de campanhas extremamente agressivas leva a que as pessoas entrem na obsessão do consumismo, não pela necessidade real de um determinado produto/serviço mas pelo “status” que alcançam e obtê-lo. Isto leva-as a entrar num caminho que finaliza n o precipício da dívida, hipotecando os seus futuros a sistemas que vivem precisamente do alimento da máquina neoliberal completamente fora de controlo.

Não estamos, somente, perante uma crise económico-financeira, a crise é da própria humanidade.

O dinheiro sempre influenciou a civilização, a história é extremamente influenciada pela relação homem/dinheiro, assim, e através de um mundo globalizado, esta realidade aparece com uma força única, o dinheiro converteu-se definitivamente no maior ídolo da nova humanidade.

Muitas vezes se questiona, o porquê de as pessoas extremamente ricas, não perderem a ganância da busca por mais, a resposta é o medo.
O dinheiro é visto como a “porta de salvação”, a garantia da própria existência e convivência num meio completamente conquistado pelo “aroma” do luxo e da estravagância desmedidos, uma realidade em que os afetos são confundidos com o interesse. É medo de sair deste “circo” que faz que não consigam conter a ganância, chegando ao ponto de viverem uma vida remetida a emoções momentâneas, alucinados por palcos e meios deslumbrantes (e que muitos almejam). As pessoas já não vivem nem usufruem da plena liberdade, a vida é inteiramente entregue ao “culto” do dinheiro, tornam-se elas próprias imagem da especulação, já que personificam em si mesmas a troca da verdade pela mentira perante a possibilidade de ganhar mais.

O dinheiro deixou de ser um meio, passando a ser o próprio fim absoluto, não há mais nada além dele.

Não deixa de ser irónico verificar numa instituição bancária, o facto de muitas pessoas fazerem um certo silêncio, preferindo mesmo falar num tom mais baixo do que o normal, como se estivessem num “templo”.

Este culto ao dinheiro impõe a perca da liberdade, a pessoa fica refém da sua ganância, até mesmo o valor da existência.
Famílias desunem-se, pessoas cometem crimes, seres humanos são explorados, recursos naturais são destruídos, guerras são feitas, países são colocados em total humilhação e sujeição perante o grande “senhor do mundo”.
Muitos daqueles que apoiam este sistema (neo)liberal, refutam as criticas alegando que este sistema tirou (como nunca) uma grande parte da população mundial da pobreza; sim isso é certo e não nego tal facto, no entanto questiono, seria esta a única via para tirar a população da pobreza?
Também não será este sistema extremamente volátil e ilusório, será que tem sido um meio sustentadamente justo?
Será que também o mesmo sistema não é causa para a miséria extrema em vários lugares?
Com o progresso tecnológico magnífico não somos no entanto capazes de erradicar a fome do mundo, será que este sistema não tem nenhuma relação com isto?
Até que ponto a concorrência desenfreada, em vez de nos apelar à competência como ação para a humanidade, nos esta a tornar cada vez mais hedonistas, e centrados no nosso sucesso refletido em dinheiro?
Será que este sistema nos fez mais solidários?
Será que não há outros caminhos alternativos?

Ao lermos o Evangelho somos confrontados com um Jesus que não seixa de ser extremamente crítico perante um acumular de dinheiro egoísta, que não vê os outros. Este “jogo” do dinheiro tem acima de tudo uma componente psicológica que se sobrepõe à própria lógica racional, a inteligibilidade exata é trocada pela legibilidade pouco racional e totalmente obcecada. Existe uma enorme distância, do ponto de vista racional no que se refere à relação homem/dinheiro; o essencial reside unicamente no ganho sem limites, em que o tão apregoado mérito é trocado pela esperteza em que os limites éticos são colocados num plano distante, senão mesmo irreconhecíveis.

Claro que o dinheiro não é em si mesmo um mal, através dele é-nos proporcionado atingir um bem-estar e uma segurança indispensáveis para a vida. O problema centra-se no uso que fazemos do dinheiro, e aí muitas vezes a relação pessoal com ele entra nos meandros do possessivo, em que a sua obtenção torna-se no “clímax” da existência. Isto reflete-se na sensação de prazer que provoca em muitos daqueles que se entregam ao “jogo” da especulação, em que o ser humano fica preso ao “ícone sagrado” refletido no extrato da conta bancária.
Um prazer que se alcança na total entrega ao “ídolo”, que corrompe o homem tornando-o num animal faminto e voraz pelo ganho, e aí, não tenhamos duvidas, não existem limites ao uso de recursos para o obter. É importante ter bem presente a seguinte frase:

O mesmo dinheiro que promete bem-estar e qualidade de vida, causa de igual modo uma enormidade quantidade de sofrimento, pobreza e a desumanização.

O valor da pessoa assenta naquilo que tem em vez daquilo que é, fala-se muito em mérito, mas o que realmente o que conta é o que se tem, é o ser rico. Para um rico, se assim for necessário, inventam-se méritos.

O Magnificat, uma dos mais belos textos bíblicos, não é refletido, apenas ficamos com a beleza das palavras de Nossa Senhora, mais nada...

“Maria disse, então:
«A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.
Porque pôs os olhos na humanidade da sua serva.
De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
O Todo-poderoso fez em mim maravilhas.
Santo o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.
Manifestou o poder do seu braço e dispensou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abrão e à sua descendência para sempre”.
(Lc 1,46-55)

A lógica do dinheiro rege-se no imperialismo dominador, ele não dá espaço a que os direitos estejam fora do seu controlo. A crise está longe de ser momentânea, a crise reside nos critérios sobre os quais se está a construir a globalização. A competitividade aparece como aquilo ao qual as relações se devem estabelecer, trocamos solidariedade por competitividade. Ao colocar-se o dinheiro no topo da pirâmide, introduziu-se uma fratura social global que se tem vindo a extremar! Seguir este ídolo obriga a descartar o pensamento ligado ao bem comum, os tais mercados não só ditam as suas imposições aos países (às pessoas), como também destroem a própria instituição democrática. Isto resulta num alheamento da classe dirigente, sujeita à pressão dos poderosos, e ausente das realidades concretas dos necessitados. Neste neoliberalismo o ser humano não é o valor mais importante, a humanidade está a colocar-se como um meio para alimentar o ídolo dinheiro.


“Ninguém pode servir a dois senhores: ou se gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um desprezar o outro.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro
(Mt 6,24)

“Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro
(Lc 16,13)




Nestas passagens (fonte “Q”, não aparecem em Mc) temos que prestar a atenção para o facto de termo – dinheiro – aparecer como o termo – “mamôn”-. Segundo estudiosos este termo liga-se ao verbo “Hemin”, de se liga a aceitação e a crer, aliás será mesmo a partir de “Hemin” que chegamos à expressão tão usada por nós: Amen. Nas mesmas passagens este aspecto é ainda reforçado com o “servir”, que na tradição bíblica prende-se a uma “praxis” cultual.
Esta relação cultual com o dinheiro é incompatível com a relação com Deus, é impossível prestar culto a Deus e ao dinheiro, não há como compatibilizar estas duas realidades. Aliás, e segundo os mesmos estudiosos, o uso da palavra “mamôn” é colocada no texto numa posição similar a Deus, ficando patente (e acertadamente) que o ser humano ao entregar-se ao dinheiro, fá-lo numa atitude de total entrega e até submissão, sendo este o valor mais importante da existência humana. Não deixa de ser incrível que passados dois mil anos esta realidade continua não somente igual, mas reforçada!

Deus não encarnou no meio da riqueza, Deus encarnou na humildade da pobreza, recusado antes de nascer foi a persistência humana a encontrar guarida para o menino que vinha (cf. Lc 2,7). É nesta profunda humildade que Deus se revela para resgatar o homem das trevas e apresentar-lhe o caminho da luz salvífica. Mas o projeto do Reino de Deus resultar requere a adesão de todos. Este é o Reino de Deus que caminha para a comunhão com a criatura enquanto relação de amor e vida (cf. Mt 13,31-32; Mt 4,30-32; Lc 13,18-19), aqui reside a vontade do Pai refletida na forma como tratamos o outro (cf. Jo 15,17), porque a riqueza de Deus não é o dinheiro, mas sim a criação e a valorização da vida. Olhar e seguir o Deus Trinitário é incompatível com a busca da riqueza. Deus ao tocar no nosso coração, somos tomados pelo fogo da sua presença (cf. Lc 24,32) levando-nos a que olhemos para a existência como uma dádiva recebida. É este dom que nos leva à resposta em doação, ao vivermos desprendidos do exagero materialista, porque o que importante é a dignificação do dom, fazer da vida fonte de felicidade compartilhada, porque o que é verdadeiramente caro é a vida plena de todos, não no querer egoísta mas na caridade empenhada e verdadeira.
Com isto não se menospreza o mérito, nem a possibilidade de se alcançar mais, mas sim a forma como colocamos os méritos; não enquanto serviço para o bem comum, mas fechados no objetivo do acumular riqueza de uma forma cega, em que a idolatração do dinheiro apareça com a letra maiúscula, em que o “d” passe a “D”, tornando-se igual ou até maior do que o “D” de Deus.
Não é possível agradar a Deus e ao dinheiro...

Mais uma vez refiro, o problema não reside em ter dinheiro, meritória e justamente, o problema surge na forma como o usamos e para quê o usamos, e aí, não sejamos ingénuos, perante o materialismo secular a que assistimos, alimentado por um consumismo extremo, em que se quer sempre mais e mais e mais..., poucos são aqueles que encaram a vida de uma forma desprendida e livre.

“... a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias de mercado. Para estas, se absolutalizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana. Neste sentido animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: “Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos”
(S. João Crisóstomo, In Lazarum II, 6: Pg 48, 992D)
...
O dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promove-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano”  
(Evangelii gaudium, 57,58).



“Satisfaçam-se, antes demais, as exigências da justiça e não se ofereça como dom da caridade aquilo que é devido a titulo de justiça”
 (CV II, Apostolicam actuositatem, 8; A AS 58 (1966) 845)

“Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não lhes ofertamos o que é nosso, limitamos a restituir o que lhes pertence. Mais do que praticar uma obra de misericórdia, cumprimos um dever de justiça”
(S. Gregório Magno, Regula pastoralis, 3, 21, 45: SC, 382, 394 (PL 77,87)




segunda-feira, 14 de julho de 2014

Notícia - Seminário | O Pensamento de Rawls e sua Aplicabilidade a Portugal num tempo de Crise


O Pensamento de Rawls e sua Aplicabilidade a Portugal num tempo de Crise 






A Católica Porto Business School irá realizar , no próximo dia 17 de julho, às 18h30, no Edifício Américo Amorim,  o seminário "O Pensamento de Rawls e sua Aplicabilidade a Portugal num tempo de Crise", no âmbito da apresentação do livro "A Reescrita Rawlsiana da Filosofia Politíca de Kant".

J.A. Seabra Figueiredo (Docente da Católica Porto Business School)
Maria João Tomé (Docente da Faculdade de Direito da UCP)
Luis Miguel Novais (Advogado e Docente Universitário)
António Martins da Costa (Autor do livro e Docente Universitário)




Notícias - Retiro - "A Alegria de Evangelizar"


De 20 a 25 de Julho, decorrerá o retiro anual, no Centro Bíblico dos Capuchinhos - Fátima,  sobre o documento do papa Francisco: "A Alegria de Evangelizar".

O retiro terá como principal dinamizador: Frei Herculano Alves


Herculano Alves,franciscano capuchinho, natural de Serafão, concelho de Fafe, tem exercido as mais variadas actividades bíblicas, a nível académico e pastoral:
foi coordenador geral da BÍBLIA da Difusora Bíblica, coordenador do Novo Testamento e tradutor de alguns dos livros; presidente do Movimento de Dinamização Bíblica dos Franciscanos Capuchinhos durante vinte anos; ocupou o cargo de director da revista Bíblica, e delegado para a federação bíblica internacional (FEBICA).
Em 1972, frequentou a Universidade de Coimbra, onde se Licenciou em FILOLOGIA ROMÂNICA, na Faculdade de Letras.
Em Outubro de 1981 iniciou os seus estudos no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, onde se Licenciou em CIÊNCIAS BÍBLICAS, em Fevereiro de 1984, com a tese: “El Evangelio de Tomás y los Sinópticos”.
Em 1986 iniciou a sua carreira de professor na UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA (Faculdade de Teologia, Centros do Porto e de Braga), onde tem leccionado várias Cadeiras de Ciências Bíblicas, até ao presente: Evangelhos Sinópticos, Pentateuco, Actos e Epístolas Católicas, Novo Testamento I, Novo Testamento II, Bíblia e Educação da Fé, Semiótica e Leitura de textos Bíblicos, A Aliança na Bíblia. Desde 1986, é professor de Sagrada Escritura na Universidade Católica (Porto).
Em 26 de Abril de 2005 obteve o DOUTORAMENTO EM TEOLOGIA BÍBLICA pela Universidade Pontifícia de Salamanca, com a tese: A Bíblia de João Ferreira Annes d’Almeida. Trata-se da primeira tradução portuguesa da Bíblia, que é também a obra em língua portuguesa mais editada e mais lida.
É autor de várias dezenas de artigos de carácter científico, publicados em várias revistas.




domingo, 6 de julho de 2014

“EMANUEL”, UM DEUS QUE É CONNOSCO.


Depois de Jesus Cristo, certamente só podemos dizer algo de autêntico e concreto acerca de Deus, recorrendo sempre a “Emanuel”, a um Deus que é connosco. Este ao fazer-se carne, assumiu de modo extraordinário a nossa própria natureza.
É bom que não esqueçamos, que é este o Cristo que está nos nossos sacrários, é este que a Igreja apresenta nos sacramentos como presença efetiva. Um Deus encarnado através do SIM de Maria Santíssima, criado como homem nos meio dos homens, mas sendo homem jamais perdeu a sua identidade divina.

Uma teologia que não saiba exaltar o homem, não exalta a Deus, porque só através da humanidade de Jesus encontramos a beleza da Sua divindade.

O homem é realmente capaz de receber o amor infinito de Deus, que é o próprio Deus. Saibamos pois estar preparados para esta graça, para este sopro divino e assim acolhermos o verdadeiro milagre eterno do Amor Maior.

Esta capacidade de Deus em se dar ao próprio amor pessoal, entregando-se assim ao mundo, tem em si mesmo uma presença existencial e permanente, que nos é dada através da pessoa humana, inserida na sua realidade pessoal, comunitária e histórica.

Sendo o homem escolhido por Deus como Seu “interlocutor”, tem também toda a capacidade em O receber enquanto dom. A sobrenaturalidade, embora se possa pensar muitas vezes o contrário, não reside aqui, o que aqui está é a existência e a permanência da própria natureza de Deus Trino, numa dinâmica de criação que atua eternamente.
Assim e partindo de um conceito de Rahner – Teologia da “Natureza” - chegamos à conclusão a nossa natureza reside neste dom permanente doado de Deus em nós.

Desta forma, e partindo da liberdade, podemos ser também capazes, através da ação contra a ordem natural das coisas, de nos desviar de Deus e odiá-lo profundamente.

Tanto através da Palavra do Evangelho e própria ação do Espírito Santo, o homem torna-se capaz de se abrir e entregar ao Amor de Deus.
O sobrenatural não vem do amor (per si), mas sim daquilo que se origina através dele.

A nossa vivência, muitas vezes dolorosa e fatigada pela monotonia dos dias, faz com que sejamos, não raramente, pessoas a aguardar pelo dia da morte (!), tornando-nos estranhos e ausentes a beleza da existência.

 Por mais que nos esforcemos, não podemos determinar a plenitude da natureza (amorosa) de Deus. Obviamente que nos é dado a saber que Deus é Amor, sendo que Nele age, Nele permanece e Nele nasce; no entanto toda a sua amplitude e capacidade ultrapassa as nossas formas de medição e entendimento.
A transcendência, surge pois, a partir da ação do amor, ou seja, naquilo que este Amor Maior é capaz de realizar e que se encontra além das nossas capacidades... 


Assim, e devido à liberdade criadora, em toda a sua dimensão, não somos jamais impedidos de construir a nossa realidade e experiencia pessoal através da total “independência” e mesmo ausência de qualquer crença ou culto religioso. Aliás, e partindo da liberdade, podemos ser também capazes, através da ação contra a ordem natural das coisas, de nos desviar de Deus e odiá-lo profundamente.


Como ser humano muitas vezes me indigno profundamente com a capacidade humana para realizar a crueldade, para se entregar ao caminho do mal. Por natureza somos criados no bem e para o bem, no entanto o sadismo diabólico revela-se assustadoramente no homem. Impressiona-me ainda mais quando vejo nestas praticas destruidoras e implementadoras de sofrimento e medo, a mão criminosa de homens que se consideram “tementes” a Deus e “seus” discípulos, portanto não que não existam dúvidas: a barbaridade não tem uma morada definida no mundo...
Fico também atónito com certos “arautos da verdade” que se apegam mais à religião do que ao próprio Deus, apostando em fechar a crença em grupos “certamente iluminados” em que não há, nem pode haver lugar à diferença. Tantas vezes me vem ao intimo a primeira carta de João:

“Quem diz: “Eu conheço-o”, mas não guarda os seus mandamentos é um mentiroso e a verdade não está nele...”
(1 Jo 2,4)

Na minha humilde opinião, a ausência de Deus em nós não reside, tão somente, numa total falta e interesse em conhecer o Evangelho, nem na não participação nos ritos da Igreja, nem mesmo no fato em não se acreditar em Deus.
A ausência está no pecado, naquele ato que massacra e traz dano, interior e exterior, a quem o comete, estendendo-se muitas vezes aos que lhe são próximos e mesmo à própria comunidade em que se insere.
O pecado é desamor, e onde há desamor não há lugar para Deus. A salvação de Deus dirige-se aos pecados, não se dirige à morte, à doença ou ao sofrimento, já que estes, embora sejam difíceis de aceitar, não rompem a relação com Deus; o que quebra a relação é o pecado.

Deus sendo Amor mostra que não é a liberdade que leva ao amor, mas sim o amor é que se abre totalmente à liberdade.

Este dom do amor pode pois ser acolhido por qualquer pessoa, crente ou não crente, que viva a vida de uma forma verdadeiramente digna e justa, é nesta vida concreta e fecunda que se apresentam os que realmente “obedecem ao Senhor e andam nos seus caminhos”, é nesta retidão que o salmista vê os que terão paz (cf. Sl 128).
Claro que a missão evangelizadora da Igreja, apresenta a todos a alegria da Boa Nova, o Cristo que está vivo e que vive em nós (cf. Gl 2,20). Ele que sendo o caminho (cf. Jo 14,6), percorre-o connosco (cf. Lc 24), fazendo com que abandonemos o orgulho egocêntrico, a cegueira da soberba e a indecência da exclusão.

Vivamos, enquanto crentes, firmes na fé, centrados no dom da vida, no sinal que cada um é para o outro, e saibamos retirar da existência a luz da alegria e da paz para todos.  Olhemos com os olhos de ver, olhemos como “heôraka” (cf. Jo 20,18), um olhar que permanece vendo, e que vendo testemunha o que vê. Sejamos inspiradores para o mundo em que vivemos,  sejamos como sinais não alheios, mas presentes no mundo, porque o “Logos” ao encarnar não se ausentou do mundo, mas fez-se história dentro da história, mostrando à história que uma nova história pode nascer: o Reino de Deus.