O
sistema neoliberal a que estamos sujeitos, assume cada vez mais o comando dos
desígnios do mundo, condicionando profundamente a convivência da humanidade.
Estamos perante uma realidade que já não busca somente a produção em massa de
bens e serviços, mas centra-se cada vez mais num objetivo bem preciso: a
acumulação obsessiva de riqueza material, a busca do dinheiro enquanto objetivo
absoluto da existência. O neoliberalismo luta por atingir sempre o topo,
através de uma competitividade desmedida, assistimos a nova “seleção natural”
em que apenas os “fortes” podem sobreviver (sendo estes os que melhor se
adaptam à realidade), esta ação vem mesmo a colocar em causa as estratégias de
cooperação solidárias ao nível mundial.
O
interesse não reside no desenvolvimento, mas inteiramente no lucro, no ganho e
em tudo o que este proporciona. O próprio sistema de produção entra neste
“joga”, assim e através de campanhas extremamente agressivas leva a que as
pessoas entrem na obsessão do consumismo, não pela necessidade real de um
determinado produto/serviço mas pelo “status”
que alcançam e obtê-lo. Isto leva-as a entrar num caminho que finaliza n o
precipício da dívida, hipotecando os seus futuros a sistemas que vivem
precisamente do alimento da máquina neoliberal completamente fora de controlo.
Não estamos, somente, perante uma crise económico-financeira,
a crise é da própria humanidade.
O
dinheiro sempre influenciou a civilização, a história é extremamente
influenciada pela relação homem/dinheiro, assim, e através de um mundo
globalizado, esta realidade aparece com uma força única, o dinheiro
converteu-se definitivamente no maior ídolo da nova humanidade.
Muitas
vezes se questiona, o porquê de as pessoas extremamente ricas, não perderem a
ganância da busca por mais, a resposta é o medo.
O dinheiro é visto como a
“porta de salvação”, a garantia da própria existência e convivência num meio
completamente conquistado pelo “aroma” do luxo e da estravagância desmedidos,
uma realidade em que os afetos são confundidos com o interesse. É medo de sair
deste “circo” que faz que não consigam conter a ganância, chegando ao ponto de
viverem uma vida remetida a emoções momentâneas, alucinados por palcos e meios
deslumbrantes (e que muitos almejam). As pessoas já não vivem nem usufruem da
plena liberdade, a vida é inteiramente entregue ao “culto” do dinheiro,
tornam-se elas próprias imagem da especulação, já que personificam em si mesmas
a troca da verdade pela mentira perante a possibilidade de ganhar mais.
O
dinheiro deixou de ser um meio, passando a ser o próprio fim absoluto, não há
mais nada além dele.
Não deixa de ser irónico
verificar numa instituição bancária, o facto de muitas pessoas fazerem um certo
silêncio, preferindo mesmo falar num tom mais baixo do que o normal, como se
estivessem num “templo”.
Este culto ao dinheiro impõe a
perca da liberdade, a pessoa fica refém da sua ganância, até mesmo o valor da
existência.
Famílias desunem-se, pessoas cometem crimes, seres humanos são explorados,
recursos naturais são destruídos, guerras são feitas, países são colocados em
total humilhação e sujeição perante o grande “senhor do mundo”.
Muitos daqueles que apoiam este
sistema (neo)liberal, refutam as criticas alegando que este sistema tirou (como
nunca) uma grande parte da população mundial da pobreza; sim isso é certo e não
nego tal facto, no entanto questiono, seria esta a única via para tirar a
população da pobreza?
Também não será este sistema
extremamente volátil e ilusório, será que tem sido um meio sustentadamente
justo?
Será que também o mesmo sistema
não é causa para a miséria extrema em vários lugares?
Com o progresso tecnológico magnífico não somos no entanto capazes de erradicar
a fome do mundo, será que este sistema não tem nenhuma relação com isto?
Até que ponto a concorrência
desenfreada, em vez de nos apelar à competência como ação para a humanidade,
nos esta a tornar cada vez mais hedonistas, e centrados no nosso sucesso
refletido em dinheiro?
Será que este sistema nos fez
mais solidários?
Será que não há outros caminhos
alternativos?
Ao lermos o Evangelho somos
confrontados com um Jesus que não seixa de ser extremamente crítico perante um
acumular de dinheiro egoísta, que não vê os outros. Este “jogo” do dinheiro tem
acima de tudo uma componente psicológica que se sobrepõe à própria lógica
racional, a inteligibilidade exata é trocada pela legibilidade pouco racional e
totalmente obcecada. Existe uma enorme distância, do ponto de vista racional no
que se refere à relação homem/dinheiro; o essencial reside unicamente no ganho
sem limites, em que o tão apregoado mérito é trocado pela esperteza em que os
limites éticos são colocados num plano distante, senão mesmo irreconhecíveis.
Claro que o dinheiro não é em
si mesmo um mal, através dele é-nos proporcionado atingir um bem-estar e uma
segurança indispensáveis para a vida. O problema centra-se no uso que fazemos
do dinheiro, e aí muitas vezes a relação pessoal com ele entra nos meandros do
possessivo, em que a sua obtenção torna-se no “clímax” da existência. Isto
reflete-se na sensação de prazer que provoca em muitos daqueles que se entregam
ao “jogo” da especulação, em que o ser humano fica preso ao “ícone sagrado”
refletido no extrato da conta bancária.
Um prazer que se alcança na
total entrega ao “ídolo”, que corrompe o homem tornando-o num animal faminto e
voraz pelo ganho, e aí, não tenhamos duvidas, não existem limites ao uso de
recursos para o obter. É importante ter bem presente a seguinte frase:
O mesmo dinheiro que promete
bem-estar e qualidade de vida, causa de igual modo uma enormidade quantidade de
sofrimento, pobreza e a desumanização.
O valor da pessoa assenta
naquilo que tem em vez daquilo que é, fala-se muito em mérito, mas o que
realmente o que conta é o que se tem, é o ser rico. Para um rico, se assim for
necessário, inventam-se méritos.
O Magnificat, uma dos mais
belos textos bíblicos, não é refletido, apenas ficamos com a beleza das
palavras de Nossa Senhora, mais nada...
“Maria
disse, então:
«A
minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.
Porque
pôs os olhos na humanidade da sua serva.
De hoje
em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
O
Todo-poderoso fez em mim maravilhas.
Santo o
seu nome.
A sua
misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.
Manifestou
o poder do seu braço e dispensou os soberbos.
Derrubou
os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Aos
famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu
a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a
nossos pais, a Abrão e à sua descendência para sempre”.
(Lc
1,46-55)
A lógica do dinheiro rege-se no
imperialismo dominador, ele não dá espaço a que os direitos estejam fora do seu
controlo. A crise está longe de ser momentânea, a crise reside nos critérios
sobre os quais se está a construir a globalização. A competitividade aparece
como aquilo ao qual as relações se devem estabelecer, trocamos solidariedade
por competitividade. Ao colocar-se o dinheiro no topo da pirâmide,
introduziu-se uma fratura social global que se tem vindo a extremar! Seguir
este ídolo obriga a descartar o pensamento ligado ao bem comum, os tais
mercados não só ditam as suas imposições aos países (às pessoas), como também
destroem a própria instituição democrática. Isto resulta num alheamento da
classe dirigente, sujeita à pressão dos poderosos, e ausente das realidades
concretas dos necessitados. Neste neoliberalismo o ser humano não é o valor
mais importante, a humanidade está a colocar-se como um meio para alimentar o
ídolo dinheiro.
“Ninguém
pode servir a dois senhores: ou se
gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um desprezar o outro.
Não
podeis servir a Deus e ao dinheiro”
(Mt
6,24)
“Nenhum
servo pode servir a dois senhores;
ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro.
Não
podeis servir a Deus e ao dinheiro”
(Lc
16,13)
Nestas passagens (fonte “Q”, não aparecem em Mc) temos que
prestar a atenção para o facto de termo – dinheiro
– aparecer como o termo – “mamôn”-.
Segundo estudiosos este termo liga-se ao verbo “Hemin”, de se liga a aceitação e a crer, aliás será mesmo a partir
de “Hemin” que chegamos à expressão
tão usada por nós: Amen. Nas mesmas
passagens este aspecto é ainda reforçado com o “servir”, que na tradição bíblica prende-se a uma “praxis” cultual.
Esta relação cultual com o
dinheiro é incompatível com a relação com Deus, é impossível prestar culto a
Deus e ao dinheiro, não há como compatibilizar estas duas realidades. Aliás, e
segundo os mesmos estudiosos, o uso da palavra “mamôn” é colocada no texto numa posição similar a Deus, ficando
patente (e acertadamente) que o ser humano ao entregar-se ao dinheiro, fá-lo
numa atitude de total entrega e até submissão, sendo este o valor mais
importante da existência humana. Não deixa de ser incrível que passados dois
mil anos esta realidade continua não somente igual, mas reforçada!
Deus não encarnou no meio da
riqueza, Deus encarnou na humildade da pobreza, recusado antes de nascer foi a
persistência humana a encontrar guarida para o menino que vinha (cf. Lc 2,7). É
nesta profunda humildade que Deus se revela para resgatar o homem das trevas e
apresentar-lhe o caminho da luz salvífica. Mas o projeto do Reino de Deus
resultar requere a adesão de todos. Este é o Reino de Deus que caminha para a
comunhão com a criatura enquanto relação de amor e vida (cf. Mt 13,31-32; Mt
4,30-32; Lc 13,18-19), aqui reside a vontade do Pai refletida na forma como
tratamos o outro (cf. Jo 15,17), porque a riqueza de Deus não é o dinheiro, mas
sim a criação e a valorização da vida. Olhar e seguir o Deus Trinitário é
incompatível com a busca da riqueza. Deus ao tocar no nosso coração, somos tomados
pelo fogo da sua presença (cf. Lc 24,32) levando-nos a que olhemos para a
existência como uma dádiva recebida. É este dom que nos leva à resposta em
doação, ao vivermos desprendidos do exagero materialista, porque o que
importante é a dignificação do dom, fazer da vida fonte de felicidade
compartilhada, porque o que é
verdadeiramente caro é a vida plena de todos, não no querer egoísta mas na
caridade empenhada e verdadeira.
Com isto não se menospreza o
mérito, nem a possibilidade de se alcançar mais, mas sim a forma como colocamos
os méritos; não enquanto serviço para o bem comum, mas fechados no objetivo do
acumular riqueza de uma forma cega, em que a idolatração do dinheiro apareça
com a letra maiúscula, em que o “d” passe a “D”, tornando-se igual ou até maior
do que o “D” de Deus.
Não é possível agradar a Deus e
ao dinheiro...
Mais uma vez refiro, o problema
não reside em ter dinheiro, meritória e justamente, o problema surge na forma
como o usamos e para quê o usamos, e aí, não sejamos ingénuos, perante o
materialismo secular a que assistimos, alimentado por um consumismo extremo, em
que se quer sempre mais e mais e mais..., poucos são aqueles que encaram a vida
de uma forma desprendida e livre.
“... a ética leva a Deus
que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias de mercado.
Para estas, se absolutalizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até
perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à
independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não
ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana.
Neste sentido animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a
considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: “Não fazer os pobres
participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são
nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos”
(S. João Crisóstomo, In
Lazarum II, 6: Pg 48, 992D)
...
O dinheiro deve servir,
e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em
nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e
promove-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e e a um regresso da
economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano”
(Evangelii gaudium, 57,58).
“Satisfaçam-se, antes
demais, as exigências da justiça e não se ofereça como dom da caridade aquilo
que é devido a titulo de justiça”
(CV II, Apostolicam actuositatem, 8; A AS 58
(1966) 845)
“Quando damos aos
indigentes o que lhes é necessário, não lhes ofertamos o que é nosso, limitamos
a restituir o que lhes pertence. Mais do que praticar uma obra de misericórdia,
cumprimos um dever de justiça”
(S. Gregório Magno, Regula pastoralis, 3, 21, 45: SC, 382, 394 (PL
77,87)