O momento atual
que atravessamos tem que ser encarado de frente e coragem, a crise não pode
deixar de assumir uma posição de destaque nas causas cívicas de todos, todas as
opiniões são validas, todas as reflexões não podem deixar de ser escutadas,
mesmo que estas coloquem em causa ideias e dogmas pré estabelecidos, é que a
realidade a que estamos confrontados provoca sofrimentos, muitas vezes irreparáveis,
para a atualidade humana, para a pessoa enquanto inserido numa sociedade, mas
também na sua condição individual.
A atualidade é
comandada pela incerteza e até medo do futuro, a economia (neo)liberal tem
colocado a exclusão e o desespero como um fato para o qual jamais podemos ficar
indiferentes e “centrados” unicamente nos problemas individuais. Chega a ser
assustador a indiferença com que vivemos perante o aumento da exclusão,
esquecendo que esta não é um problema de um grupo em especial, mas de todos enquanto
cidadãos. Muitas vezes quando alguém não se vê excluído age como um
“sobrevivente” que facilmente “aprende” a conviver com “justificações” (que não
passam de ilusões) em relação ao que lhe rodeia, as “justificações” pessoais,
em que buscamos culpados que não nós mesmos, chegam, no meu ponto de vista, a
ridicularizar o sofrimento dos outros, através de uma pseudo-ética que mais não
é do que a manifestação da cobardia perante as nossas reais incapacidades de
resistir à tentação do egoísmo narcisista de cada um.
A economia está
cada vez mais reduzida à sua expressão financeira em substituição do
fundamental que se centra na economia real. Para complicar ainda mais esta
situação, a economia financeira está complemente descontrolada e extramente
pouco normalizada a nível global.
“Ninguém pode servir a dois senhores: ou se gostará de um deles e estimará o
outro, ou se dedicará a um desprezar o outro.
Não
podeis servir a Deus e ao dinheiro”
(Mt
6,24)
“Nenhum
servo pode servir a dois senhores;
ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro.
Não
podeis servir a Deus e ao dinheiro”
(Lc
16,13)
Nestas passagens (fonte “Q”, não aparecem em Mc) temos que
prestar a atenção para o facto de que o termo – dinheiro – aparecer como o termo – “mamôn”-. Segundo estudiosos este termo liga-se ao verbo “Hemin”, que se liga a aceitação e a crer, aliás será mesmo a partir de “Hemin” que chegamos à expressão tão
usada por nós: Amen. Nas mesmas
passagens este aspecto é ainda reforçado com o “servir”, que na tradição bíblica prende-se a uma “praxis” cultual.
O
dinheiro tronou-se na realidade a que toda a economia se converte, ele
tornou-se na grande razão da felicidade humana, no entanto, nesta “felicidade”
estão também conjugadas as maiores injustiças e os mais brutais sacrifícios.
O
dinheiro em si mesmo não tem vida, no entanto à volta desta realidade inanimada
se tem construído toda a realidade imanente. A velha questão – “o dinheiro
tronou-se no fim e não no meio para atingir um fim – está bem presente, ele é
quase o elemento fundamental e escatológico da vida humana, sobre ele recaem os
sucessos e insucessos das relações interpessoais, da própria autoestima
individual e até mesmo do próprio conceito de felicidade. Embora muitos digam o
contrário, na verdade sobre o dinheiro assentam ideais e formas de viver em
sociedade, o dinheiro é, que queiramos quer não, o grande e central objetivo da
pessoa.
Nós cristãos, do “alto” da
nossa moral, esquecemos com extrema facilidade de que Deus não encarnou no meio
da riqueza, Deus encarnou na humildade da pobreza, mesmo antes de nascer era
recusado, mas mesmo assim encontraram guarida para o menino que vinha (cf. Lc,
2,7). É nesta profunda humildade que Deus se revela para resgatar o homem do
sofrimento e apresentar-lhe o caminho da Salvação. Mas este projeto do Reino de
Deus, requere a adesão de todos, em empenhamento no cumprimento da mensagem de
Jesus. Um Reino de Deus que caminha para a comunhão enquanto realidade de vida
(cf. Mt 13,31-32; Mt 4,30-32; Lc 13,18-19), aqui reside a vontade do Pai
refletida na forma como tratamos o outro (cf. Jo 15,17), porque a
riqueza de Deus não é o dinheiro, mas sim a criação e a valorização da vida. Olhar
e seguir o Deus Trinitário é incompatível com a busca da riqueza, enquanto a
grande causa da existência humana. Deus ao tocar-nos, faz com que o nosso
coração seja tomado pelo fogo da Sua presença (cf.Lc, 24,32) levando-nos a que
olhemos para a existência como uma dádiva recebida; e enquanto dom leva-nos à
resposta da doação, de vivermos desprendidos do exagero materialista, porque o
que importante é a dignificação do dom, fazer da vida fonte de felicidade
compartilhada, em que aquilo que é verdadeiramente caro é a vida do outro, não
no querer egoísta mas na caridade empenhada e verdadeira.
Com isto não se menospreza o
mérito, nem a possibilidade de se alcançar mais, mas sim a forma nos colocamos nos
méritos, não enquanto serviço para o bem comum, mas fechados no objetivo do
acumular riqueza de uma forma cega, em que o ídolo dinheiro apareça com a letra
maiúscula, em que o “d” passe a “D”, tornando-se igual ou até maior do que o
“D” de Deus.
Não é possível agradar a Deus e
ao dinheiro...
Colocar o dinheiro na
prioridade da nossa ação, fazemos dele um falso deus, e isto, mesmo na tradição
bíblica é totalmente incompatível com Deus, vejamos como o profeta Elias se
bateu contra os falsos deuses.
Daí que
a minha opinião, valendo o que vale, é a forma como vejo o que me rodeia e
perante o qual não posso estar em silêncio...
É
importante salientar que as finanças em si mesmos não criam nem a morte nem a
usura, no entanto ao não funcionarem para o que lhes está destinado
(financiamento de projetos , empresas,
etc.) elas podem trazer consigo essas duas terríveis noções. As finanças ao
“jogarem” com o tempo, apontam para um futuro, originam uma espectativa. O
mercado financeiro através da especialização em conjugação com o exagerado numero de produtos ganhou uma
vida própria; assim quem investe quase sempre não sabe realmente onde está a
investir, sendo mesmo que quem vende também não tem conhecimento total da
complexidade do que está por trás desse produto, a informação é cada vez mais
vasta e especializada. Assim sendo criou-se um terreno fértil para a
especulação, criam-se expectativas (muitas vezes infundadas), com resultados
seguros (ilusões), a isto se soma o fato que que quem nos informação (vendedor),
ao contrário do que acreditamos, muitas vezes não tem conhecimento da
complexidade do que está a propor...
Ao
colocarmos dinheiro numa aplicação financeira num qualquer banco, não sabemos
(comprador e vendedor) onde é realmente aplicado o nosso dinheiro (poupança), e
com isso o risco torna-se algo de incerto, confiamos na mais valia possível,
mas desconhecemos a possível perda associada.
Os
mercados, os tão “conhecidos” mercados, baseados em práticas especulativas não
são “monstros desconhecidos”, os mercados são financiados por todos nós, os
mercados somos todos nós.
Quem
investe o seu dinheiro numa aplicação, faz o investimento tendo na expectativa
um retorno que muitas vezes lhe é dado a conhecer, no entanto o risco é
omitido... assim ao entramos neste tipo de mercado, passamos uma “carta branca”
para que exista um trabalho (nem que seja especulativo) para que se obtenha o
maior retorno possível.
O
problema é que os ativos financeiros se desdobram noutros ativos financeiros.
Estes ativos (derivados) entram numa teia cada vez mais complexa e nem sempre
controlável, já que a globalização faz com que se dispersem em cadeia... Temos
de ter a consciência de que não temos nunca como saber onde todo o capital está
aplicado, nem muito menos em que economia real ele se reflete. Investimos na
pura lógica da especulação financeira, numa realidade abstrata e complexa, em
que só olhamos para o resultado final do ganho e mais nada (!), partido do
pressuposto de que quem aplica por nós tenha ética e uma postura correta na
negociação.
Esta
assimetria de informação, se usada de forma abusiva, leva à criação artificial
de valor, o que infelizmente tem vindo a acontecer muitas vezes.
Não
tenhamos duvidas: os mercados somos nós mesmos. Desta forma só nós podemos
alterar a realidade onde estamos inseridos e nunca o contrário. Financiar um
modelo que tem levado ao desespero de uns e à riqueza extrema de outros, não
pode deixar de nos inquietar.
Toda a
economia é baseada na ideia da escassez, no entanto não se reflete de uma forma
clara para o problema da distribuição do excedente. Na economia moderna, é
quase um pecado falar de excedente. Daí que a escassez faça de sentimentos como
castigo, expiação e sacrifício como fatalidades dos tempos atuais. Talvez não
seja negativo olharmos para o excedente e a forma como este se reparte pela
sociedade (pelas pessoas).
“Olhai,
guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância,
a sua vida não depende dos seus bens”
(Lc
12,15)
Gostaria
de vos deixar com esta passagem:
“Ao
desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com
ela corou os seus enfermos. Ao entardecer os discípulos aproximaram-se dele e
disseram-lhe:
“Este
sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que
possa ir às aldeias comprar alimento.”
Mas
Jesus disse-lhes:
“Não é
preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer”
Responderam:
“Não
temos aqui senão cinco pães e dois peixes.”
“Trazei-mos
cá.” – disse Ele.
E
depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os
dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu,
depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela
multidão. Todos comeram e ficaram saciados; e,
com o que sobejou, encheram doze cestos. Ora,
os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças”
(Mt
14,14-21)