“Pessoas mais atentas e mais doutas descobriram que a Páscoa é uma
palavra hebraica, que não significa paixão, mas passagem. O Senhor passou, pela
paixão, da morta à vida, e fez-se caminho dos que creem na Sua Ressurreição, para
que também nós passemos da morte à vida. Não é coisa de grande vulto crer que
Cristo morreu. Isso também creem os pagãos, os Judeus e os ímpios; todos creem
que Cristo morreu. A fé dos cristãos consiste em crer na Ressurreição de
Cristo, é assim importante considerarmos coisa muito importante acreditar que
Cristo ressuscitou. Foi então quando passou, isto é, que Ele quis deixar-Se ver.
Quis que acreditássemos n´Ele quando passou, porque foi entregue por causa dos
nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação.
(S.
Agostinho, comentário ao salmo 120: AL3206)
Celebração
É na
Páscoa que toda a liturgia se encaminha e se centra, mas também é na Páscoa que
nos renovamos enquanto comunidade crente. Como os nossos antepassados, também
nós celebramos a primavera da liberdade, em que a vida se encontra com a
plenitude escatológica de Deus encarnado em Jesus de Nazaré.
Esta é
festa do Povo de Deus, em que todos e cada um procura, através da recolha e do
jejum, a nossa condição de sermos com Cristo e em Cristo, confirmados na
profundida da filiação divina, em que do passado se abraça o presente,
projetando o futuro.
Esta é
altura de alimentar a fé, que muitas vezes se perde por entre a agitação do
tempo e o secularismo arrogante do meio.
A Páscoa
tendo uma enorme carga comunitária, apresenta-se na sua excelência singular,
refletida na celebração dominical, nesse dia da ressurreição que desemboca no
oitavo dia. Na eucaristia fazemo-nos presentes no sacrifício do corpo e do
sangue de Jesus. Assim ao entrarmos verdadeiramente na Páscoa, ultrapassamos os
limites do tempo e do espaço, que cada momento é início da eternidade.
Sendo a
eucaristia “anamnese”, esta não se circunscreve a uma simples recordação do
passado, como também não é a repetição de um rito mais ou menos simplificado,
nem tão pouco a evocação de mais um gesto salvífico de Deus.
Celebrar a
eucaristia é tomar parte da doação de Jesus, fazendo parte integrante na
salvação de Deus, que se realiza no Filho. Jesus é o alimento do cristão, que
ao viver n’Ele entra na dimensão do cumprimento e tudo o que este compromisso
trás consigo. A união com o Senhor,
através do Unigénito reflete o amor “louco” de Deus pelo homem.
É pois
neste mistério eucarístico que nos entendemos enquanto filhos, e filhos no Pai.
Sendo Ele
a própria contestação à “ordem terrestre”, é também Aquele que quebra
definitivamente as barreiras sociais, ideológicas e culturais; não para
unificar a forma de se estar na vida, mas sim para mostrar o que realmente é
essencial à vida. Tudo o que aqui se celebra é feito por homens singulares e
livres, que ao se colocarem no caminho do Senhor, entram na construção de um
mundo que responda aos anseios de Cristo: “Reino de Deus”.
Viver a Páscoa
Desde o
início que os cristãos entenderam a dimensão existencial que se realiza na
Eucaristia. As primeiras comunidades usavam expressões como a usada em Corintio
– “Ceia do Senhor”-, ou como a de Jerusalém –“Fração do Pão”-; expressões que
acentuavam, em cada uma, um aspeto particular da própria celebração. Como se
nota, em Corinto o acento recaia sobre a verdade da comunidade entre pessoas de
diferentes classes, que se realizava pela presença do Senhor; já em Jerusalém o
acento apontava para a “partilha” de bens entre irmãos, dinamizados pela caridade
que a Eucaristia deveria conduzir.
Viver na
fé e o amor elevam o conceito de comunhão, essencial para uma existência em
Cristo.
É
importante referir que na frase “Fazei isto em memória de mim.” (cf. Lc
22,19b), não remete para uma repetição litúrgica, não se tratando, apenas
também, de um ato interior. Este memorial indica a ação como a via da sua
expressão concreta.
A
convergência da memória da Aliança mostra a todos o “projeto” de salvação,
assim esta memória não se esvai, nem desaparece a partir da Nova Aliança. Antes
pelo contrário, é a presença no passado que interpreta e entende a manifestação
no presente, abrindo assim as portas da esperança para um futuro com um Deus
que se vai manifestando na história.
Jesus não
fala de uma memória de um acontecimento, mas de “Mim”. Este é o acontecimento
por excelência que recorda o “Eu” de Jesus, abrangendo e recapitulando toda a
Sua existência terrena.
É Jesus
que toma sobre si a fidelidade absoluta pelo mundo, colocada num Deus que não
se controla, que nos estremece, que nos atinge profundamente no coração,
acordando-nos para a vida.
Na Páscoa,
Jesus estabelece uma comunidade de destino, representada totalmente inserida
Nele mesmo, assim celebramos (realmente) com Ele a Sua memória que se
estabelece na beleza da transubstanciação do Pão e do Vinho. Jesus não pode “apenas”
ser evocado em pensamento ou oração, Ele mesmo deixou os traços para o contacto
com o Seu Corpo e Sangue.
O convite
do agir no Senhor está em aceitarmos “o doar-se de Deus”, que se dá em alimento
chamando cada um de nós a sermos seus discípulos. Desta forma, a nós cristãos,
compete responder a Jesus (o cordeiro imolado) em ação e assim darmo-nos também
aos outros e assim a Deus (cf. Jo 15,9).
A Páscoa é
assim a passagem que se renova, que vai ao encontro da luz do Mundo, que se fez
homens com o homens, para mostrar ao homem que Deus o ama eternamente e que nem
a morte pode suster este amor desconcertante e de Deus.
Uma Santa
Paz para Todos.
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