“Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo que tinha chegado a sua hora
da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no
mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo.”
(Jo 13,1)
“Se tem algum valor uma exortação em nome de Cristo, ou um conforto
afetuoso, ou uma solidariedade no Espírito, ou algum afeto e compaixão, então
fazei com que seja completa a minha alegria: procurei ter os mesmos
sentimentos, assumindo o mesmo amor, unidos numa só alma, tendo um só
sentimento, nada façais por ambição, nem por vaidade; mas com humildade,
considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em vista os
próprios interesses, mas todos e cada um exatamente os interesses dos outros.
Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus:
Ele, que é condição divina,
não considerou como uma usurpação ser
igual a Deus;
no entanto esvaziou-se a si mesmo,
tomando a condição de servo.
Tornando-se semelhante aos homens
e sendo, ao manifestar-se, identificado
como homem,
rebaixou-se a si mesmo,
tornando-se obediente até à morte e
morte de cruz.”
(Fl 2,1-8)
A “Kenose”
de Jesus não O faz deixar a condição divina, no entanto é precisamente neste
mistério que se apresenta “a nu” o amor de Deus por toda a humanidade. É nesta
entendimento que sempre digo: “não foi o sangue de Cristo que nos salvou, mas
sim o Seu amor que se deu até ao sangue”. Assim a Sua morte, cujo significado
transmitiu na última ceia, culmina no ápice enquanto o próprio sacramento do
Seu calvário.
Foi na
Páscoa que Jesus se mostrará como o crucificado, agora é Ele o novo Templo,
Nele encontramos a nossa identidade e coesão enquanto povo crente, que
contempla o mais belo tesouro que nos abre a profundidade e proximidade mística
entre nós e o divino... entre nós e Deus.
Foi na
Páscoa que Jesus partiu e repartiu o pão, nessa repartição que se multiplicou
pela multidão faminta (cf. Jo 6,4), realizando ali mesmo a antecipação da Nova
Páscoa. Jesus homem com os homens, preparou os seus discípulos para o grande
dia, para esse dia que se fez cordeiro, é Ele o cordeiro que Deus, esse que se
apresenta a Abraão para se dar por Isaac (cf. Gn 22,10-14), é Ele o que sempre
está e sempre esteve, é Ele o que realiza a presença eterna do criador com a
criatura, é Ele que se fazendo homem, faz do homem reflexo dos seus olhos
misericordiosos, é Ele que nos diz que amar o próximo é amar a Ele mesmo, é Ele
que dando a tudo à vida apresenta-a como valor absoluto sobre tudo, é Ele o
Verdadeiro cordeiro pascal, o cordeiro libertador e doador da vida definitiva,
absoluta, inviolável e eterna.
A Última Ceia
Nessa
caminhada livre e consciente para a morte, Jesus surge na última ceia
antecipando-a e sacramentando-a através das palavras e dos gestos sobre o pão e
o cálice.
Num
contexto histórico, esta ceia vem na sequência de outras que muito preocupavam
os seus opositores. Naquela altura, facto de “sentar-se” à mesa com alguém era
encarado como um sinal de criação de uma comunidade de vida, comer o mesmo
alimento era interpretado como comunhão e reconciliação. Sem dúvida que a
partir da confissão de Césareia, a participação na refeição com Jesus aparecia
como participação nos bens messiânicos, com Ele a salvação era oferecida a
todos, sem existir distinções, porque na mesa do Senhor (como na mesa de casa
de uma mãe) há sempre lugar para mais um.
A ceia foi
assim vivida em ambiente, há mesmo que veja nesta ceia a própria ceia pascal de
Jesus com os seus discípulos. Desta forma, e na linha da tradição judaica, o
rito pascal era celebrado tendo em vista a libertação (cf. Ex 12,26; 14,8)
“Purificai-vos
do velho fermento, para serdes nova massa,
á que sois pães ázimos, Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado.”
(1 Cor 5,7)
Mas algo
de novo acontece nesta ceia, ela será o banquete definitivo até ao banquete
final no Reino de Deus.
Quando
Jesus pega o pão e abençoa, parte e reparte, aquele que é Seu corpo (que será
entre até à morte), em seguida pega no cálice abençoa e diz que aquele é o Seu
sangue (que será derramado). Jesus apresenta de uma forma penetrante a Sua
morte, enquanto sacrifício pascal, do qual ele é o novo cordeiro, em que
assenta a escatologia humana. A morte do Senhor remete para a aliança brutal
que se tinha realizado no Sinai (cf. Ex 24,8).
Segundo o
ritual judaico, a participação no pão partido e repartido e no vinho abençoado
pelo pai de família, faz que todos se sentissem recebidos na família. A
realidade sacramental atinge toda a sua dramatização no calvário.
Os
discípulos tinham agora que viver enquanto atores de resposta ao apelo de
Jesus. A sua existência terá a sua expressão ao longo dos tempos, assumido no
sacrifício que torna Jesus presente: a
Eucaristia.
A
Eucaristia será a ligação da Igreja com o Seu Mestre, que renova sempre a
Páscoa, na repartição de tarefas, sempre em anamnese. Jesus aceita o
sacrifício, cuja morte são apontados em Is 53, como o “dom dos inocentes” (v9),
suportados pelos inocentes e com as ciências (v8), voluntariamente (v10),
queridos por Deus (v16).
Ele é a
nossa Páscoa, a libertação do nosso povo com o pecado e da própria morte.
Conclusão
Jesus
personifica a Palavra e a revelação definitiva de Deus, esta incorporação eleva
a “hora” suprema da Sua vida, realizando plenamente o desígnio salvífico de
Deus. A Páscoa judaica, que realiza a recordação e fomenta a esperança é agora
compreendida no expoente da singularidade divina.
Tornando-se
na nova Páscoa, derramando o seu próprio sangue, Jesus leva consigo toda a
humanidade cujos pecados irá assumir sobre Si mesmo. Jesus é o Sião, Nele está
em oração toda a comunidade santa, que agora se levanta do pecado.
O sangue
de Jesus personaliza a entrega e fidelidade que Deus dá ao seu povo, que agora
se assume sem fazer distinções a ninguém. O sangue de
Jesus simbolizado no cordeiro imolado, realiza definitivamente a Nova Aliança, inscrita na paz.
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