Origem
“Moisés chamou os anciãos de Israel e disse-lhes:
“Escolhei e tomai um animal do rebanho, segundo os vossos clãs, e imolai a
Páscoa. Tomareis depois um ramo de hissopo, mergulhá-lo-eis no sangue
que estiver na bacia, e marcareis o dintel e as duas ombreiras da porta
com o sangue que estiver na bacia, e nenhum de vós sairá da porta da sua casa
até pela manhã. O Senhor passará para ferir o Egito, verá o sangue sobre o
dintel e sobre as duas ombreiras da porta, e o Senhor passará ao largo da porta e não
deixará que o Exterminador entre nas vossas casas para ferir.””
(Ex 12,21-23)
Esta
celebração estando ligada ao Êxodo, tem na sua gênese um rito ou festa nómada
das comunidades pastoris, anterior a este acontecimento bíblico, sendo que
estas práticas eram comuns noutros povos, não se circunscrevendo aos hebreus.
O ritual
consistia na imolação de um cordeiro, em que o seu sangue deveria aspergir as
entradas das tendas. O objetivo consistia em preservar a vida dos membros dos
clãs e dos seus animais de todos os perigos (“Exterminador”),
era portanto uma ação eminentemente comunitária voltada para a defesa e não
para o ataque ou agressão.
Era uma
prática acentuadamente nómada, em que a carne era assada ao fogo, o pão era
servido sem qualquer fermente (como ainda hoje acontece com os beduínos),
usavam-se as ervas amargas (as ervas do deserto), etc. Todo o rito tinha lugar
na primeira lua cheia da primavera, altura em que os pastores partiam com o
gado em busca de novas pastagens.
A vida como
que se renovava, uma vida que se tinha que confrontar com os perigos, estes
eram personificados no “exterminador”, sendo que ao aspergir as portas com o
sangue do cordeiro imolado contribuíram para sua sobrevivência. Este seria o
sacrifício em louvor a Deus no deserto que Moisés teria pedido ao faraó.
A Páscoa e o Êxodo
O rito de
preservação pastoril vai ser aquele que irá transformar-se para o Povo Eleito
como a festa mais importante do seu calendário, simbolizando a saída do Egito,
a passagem da prisão para a liberdade, a Páscoa.
Como se
deu esta transformação?
No entanto
esta noção obriga a uma atenção na leitura do texto; na realidade o que aparece
escrito não é uma crónica de acontecimentos, mas uma releitura posterior, numa
altura em que a Páscoa tinha adquirido uma importância central no culto de
Israel.
Segundo vários exegetas terá existido uma coincidência
temporal entre a celebração da Páscoa e o flagelo que terá vitimado os
egípcios. Esta coincidência, que possibilitou a saída dos hebreus, foi
determinante para a transformação do rito pascal. Assim a interpretação
colocou-se centrada na visão de que Javé “passou”, e esta passagem poupo-os do
flagelo da morte. Isto aconteceu porque o sangue do cordeiro assinalou as suas
casas (cf. Ex 12,24)
O
“exterminador” converteu-se no executante da praga (cf. Ex 12,33), as vestes de
pastores transformaram-se nas vestes de viajantes prontos a sair (cf. Ex
12,11); o pão sem fermento no símbolo da saída do Egito (cf. Ex 12,34-35)
A Páscoa
assume-se como a festa que comemora os acontecimentos que atualiza,
conservando-os para as gerações futuras.
A vítima
pascal, no seu sangue derramado, assume-se como a possibilidade da saída que
comemora, o imolado é aquele que liberta, que salva e que preserva a vida.
A
releitura não pode deixar de se ligar ao seu carácter significativo dos
acontecimentos. A Páscoa, sendo uma festa da primavera, assinala o início da
vida, o caminhar na busca de novos e revigorantes fontes de vida.
O Êxodo foi vivido da mesma forma, aqui se reflete a primavera do Povo de Deus enquanto o Povo Eleito de Deus. Na Páscoa inicia-se o caminhar para a terra prometida, a terra da felicidade e da liberdade, um percurso assente sempre na promessa e fidelidade a Javé.
Foi neste
contexto que se transformou um rito pastoril num rito de nova vida e de
renovada esperança.
Páscoa, Peregrinação a Jerusalém
A Páscoa
inicialmente celebrava-se ao nível familiar, no entanto, e com a alteração da
vida nómada ara vide sedentária, esta situação irá alterar-se. Sendo uma festa
eminentemente pastoril, vai perder parte da sua importância, ao contrário e paralelamente
a festa dos Ázimos, de características marcantemente agrícolas, vai ganhar
destaque, sendo que tanto uma como a outra celebravam os mesmos acontecimentos.
Mas com o
passar dos anos, e com as raízes
profundas no povo, a Páscoa assimilar a própria festa dos Ázimos, sendo as duas
celebradas na mesma altura - na primavera, no mês de Nizan -, vão agora
fundir-se numa só e com o seu nome definitivo: Páscoa. Agora, e com a
incorporação dos Ázimos, a festa das festas torna-se numa peregrinação aos santuários
centrais das diferentes tribos de Israel.
Claramente
que para um povo com raízes nómadas, a falta de centralização da festa da
Páscoa, trazia consigo grandes inconvenientes, sendo no entanto o fundamental
ligado ao risco da fragmentação e do enfraquecimento da noção de Povo Único. Na
grande campanha da unificação purificação do culto na cidade de Jerusalém, dois
reis tiveram uma importância decisiva: Ezequias (716-687) e um dos grandes reis
de Israel, Josias (640-609). A cidade Santa de Jerusalém torna-se agora o
centro da festa da Páscoa para todas as tribos.
“Guarda o mês de Abib e celebra a Páscoa em honra do Senhor, teu Deus,
porque foi no mês de Abib que o Senhor, teu Deus, te fez sair do Egito, durante
a noite. Imolarás ao Senhor, teu Deus, em sacrifício pascal, gado miúdo e
graúdo, no santuário que o Senhor tiver escolhido e ali estabelecer o ser nome.
Não comerás pão fermentado com essas vítimas. Durante sete dias, comerás com
elas ázimos, o pão da aflição, porque foi à pressa que saíste do Egito, para
assim te recordares durante a tua vida do dia da tua partida. Que não veja
fermento algum em todo o teu território durante sete dias. Que não fique para o
dia seguinte coisa alguma de carne imolada no sacrifício da tarde do primeiro
dia.
Não poderás imolar o cordeiro pascal em nenhuma das cidades que o
Senhor, teu Deus, te há-de dar, mas somente no santuário que o Senhor, teu Deus, tiver
escolhido para ali estabelecer o seu nome. Ali imolarás o sacrifício
pascal, ai cair da tarde, depois do pôr-do-sol, à hora em que saíste do Egito.
Cozê-lo-ás e comê-lo-ás no lugar que o Senhor ,teu Deus, tiver escolhido.
No dia seguinte poderás regressar à tua tenda. Durante seis dias, comerás
ázimos e no sétimo dia haverá uma liturgia solene em honra do Senhor, teu Deus.
Nesse dia não farás trabalho algum”.
(Dt 16,1-8)
Desta
forma a festa da Páscoa será também a grande festa comunitária, manifestando a
união entre todas as tribos perante o Deus Único.
“Do tempo dos Juízes e em todo o templo dos Reis de Israel e Judá, nunca se
havia celebrado uma Páscoa tão solene como aquela que se celebrava em
Jerusalém no ano 18 de Josias.”
(2 Rs 23,22-23)
Centralizado
no templo, o sacrifício da Páscoa torna-se num sacrifício cultual; o sangue do
cordeiro é derramado sobre o altar com a supervisão dos sacerdotes e levitas
(cf. 2 Cr 35,11,ss).”
Após o
exílio na Babilónia, a Páscoa foi retomada ligando-se fundamentalmente à
família, tendo o rito de sangue uma enorme carga de preservação, servindo deste
modo para a distinção entre Povo de Deus e os demais povos. A festa será cada
vez mais o centro do culto judeu, cuja omissão tinha consequências equiparadas
ao que consideramos excomunhão.
“Quem, estando puro e não andar em viagem, deixar de celebrar a Páscoa,
será
eliminado do meu povo, porque não apresentou a oferta ao Senhor no tempo
devido esse homem suportará as consequências do seu pecado.”
(Nm 9,13)
Visto como
um novo êxodo (cf. Is 67,7-64,11), o regresso o exílio, que ficara a dever-se
ao Servo de Javé, luz das nações (Cf. Is 53,7), vai unir as duas figuras
fundamentais: o Servo e o Cordeiro Pascal.
Também
aqui se liga a projeção do verdadeiro Messias do futuro, aquele que vem para
libertar e salvar.
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