Translate

sexta-feira, 16 de maio de 2014

DEUS SÁDICO?!

. a existência do mal, enquanto realidade antropológica ou religiosa.

. Deus responsável da tragédia, e Deus que em si mesmo “agrada-lhe” o sacrifício.


Podemos resumir: Deus sádico!


Poderei colocar de outro modo, como pode existir um Deus que não seja bom?

A opinião que vou dar é inteiramente pessoal, baseio-me na análise e na razão, vou também falar acerca do Cristianismo, e não de outras religiões, se bem que tem existido uma tentativa falhada de colocar tudo no mesmo “saco”, o que não está. Mesmo do ponto de vista filosófico todos deveremos refletir a moral com o cuidado que acarreta cada cultura, cada tempo, etc.


A.)  Sofrimento.

Quando o assunto é o sofrimento é necessário ter muito cuidado e acima de tudo muita humildade e sensatez. O sofrimento é mau, disso não pode jamais existir qualquer dúvida. O mal, nas suas diversas expressões, é desconcertante em toda a sua profundidade, chegando mesmo, em muitos casos, a escapar ao entendimento racional.
A maneira como hoje vivo a vida, como as coisas se vão maturando na consciência, a forma como vivo a fé, leva-me cada vez mais a compadecer com os outros, a olhar para a fé com a dor de todos os mal do mundo, e que muitas vezes são cometidos em nome do “mesmo” Deus em que acredito, no Deus que Jesus nos mostrou.

“Deus permitiu inconsistências na Bíblia, para nos mostrar que não nos devemos empenhar numa leitura literal da Escritura, mas que devemos procurar o seu significado mais profundo”.
Esta frase interessantíssima de Orígenes foi feita no séc. III, no entanto continua atual. Como se pode constatar este problema da literalidade na abordagem à Escritura não algo de novo tendo mesmo levado a que a teodiceia ganhasse forma. Esta disciplina aborda como reconciliar a existência do mal e do sofrimento no mundo com a fé num Deus bondoso e omnipotente. Obviamente que não pode fornecer respostas claras, no entanto o falhanço não está na teodiceia mas no “objeto” que analisa.
Mas surge também uma questão legítima,
será que o ateísmo dá as respostas certas, ou fica na especulação?

Será que não é mais fácil, perante a confrontação do mal e do sofrimento, chegarmos à conclusão que Deus não existe?

Nunca podemos esquecer que a teologia enquanto disciplina, não está confinada ao “dogma” da fé como tal, a teologia “vive da heresia”, necessita dela como opositora indispensável.

Perante o sofrimento, somos capazes das dissertações mais abrasadoras, todos gostamos de dar opiniões, mas antes de tudo em vez de arranjarmos teorias, temos que ter a humildade do silêncio. Eu não sei nada do que é o verdadeiro sofrimento, já contactei pessoas que atravessam pelo deserto da dor (que nem sempre é física), mas a palavra de pouco adianta. Fico completamente revoltado com algumas pregações acerca do sofrimento, que não cabem na cabeça de ninguém...

Imagina alguém que perdeu um filho criança com uma doença que a fez sofrer..., o que dizer a essa pessoa, “que deus assim quis, foi a sua vontade?!”, então que deus é este que se diz amor e que “quer” para satisfazer a sua “vontade”, a morte de uma criança. A dor humana, mesmo quando revestida da armadura do ateísmo militante, é algo que os cristãos devem tomar a sério e tratar com respeito, porque é “território sagrado”. Estar com quem sofre não é justificar o sofrimento, ou tentar justificar Deus perante o sofrimento, não é Deus que necessita de justificação, mas sim a quem sofre urge o alívio.

Muitos dos que vivem no sofrimento, querem por todas a vias ter a certeza da inexistência de Deus, porque se Ele existe faz dano. Para quem sofre deus é aquele que faz a vida enfadonha, mais complicada e mais pesada do que já é. Todos fazem a mesma pergunta, porquê eu? Porquê agora? Quando acabará?

Tive um amigo que foi atingido subitamente por um cancro fulminante, desde a descoberta da doença até à morte, esse meu amigo viveu pouco mais de dois meses numa completa decadência física e psicológica. Acreditava em Deus, no entanto não era cristão. Muitas vezes tentou arranjar justificações para o que lhe aconteceu, no entanto e com o passar do tempo, apenas ficou o silêncio. Ele não queria falar em nada apenas queria que eu estivesse ali presente... apenas a presença... já não havia lugar para palavras, discursos, dissertações, apenas a presença...
Daí que não vale a pena frases belas sobre o sofrimento, o importante é estar presente... a dor muda o temperamento, altera os pensamentos e as certezas da vida.

Uma outra forma de viver esta realidade (e atenção nada justifica o mal em si), estão em testemunhos que nos levam a uma dimensão em no interior do sofrimento, e através da fé em Jesus, é possível viver algo enormemente admirável. A tortura do sofrimento pessoal encontra-se com uma intimidade singular com Deus, e esta relação é absorvida pelo movimento, no qual o sofredor reúne a sua dor com a dor de todos, mesmo assim isto não tira jamais a constatação de que o sofrimento é mau. Etty Hillesum é um caso em que perante o horror e o sofrimento do holocausto, foi capaz de ter uma espiritualidade aterradora, de compaixão e amor a Deus.


São tempos de horror, meu Deus. Esta noite, pela primeira vez, fiquei acordada no escuro, os olhos ardentes, imagens de sofrimento humano desfilando sem parar à minha frente. Oh, meu Deus, vou prometer-te uma coisa, uma ninharia: vou proteger-te hoje, de tantos fardos, das angústias que o futuro me inspira; mas isto requer um certo tempo. Por agora, cada dia vale a pena. Vou ajudar-te, meu Deus, a não desvaneceres em mim, mas não posso garanti-lo à partida. Agora contudo, me aparece mais claro: não és Tu quem pode ajudar-nos, mas somos nós que te podemos ajudar – e, ao faze-lo, ajudamo-nos a nós próprios. É tudo o que o que podemos salvar neste momento e é também a única coisa que conta: um pouco de Ti em nós, meu Deus. Talvez possamos nós contribuir-Te para Te divulgar junto dos corações martirizados dos outros”
 
Etty Hillesum morreu em Novembro de 1943, em Auschwitz, tinha 29 anos.





Daí que repita, é necessário muita sensatez ao abordar o sofrimento, principalmente fazendo-o ressoar no ambiente da crença. Cuidado tanto as divagações fáceis em relação ao sofrimento enquanto acontecimento. Assim como critico algum tipo de crença pouco esclarecida, não tenho duvidas em notar em muitos ateus, que implícita ou inconscientemente manifestam raciocínios pseudoteológicos, que mais não passam do que elaborações baseadas em noções de religiões primitivas. Mas isto fica ao critério e ao bom senso de cada um.


B.)  Deus não é sádico.

Agora ao entrar mais na concepção cristã, continuo a referir que estas opiniões são pessoais, no entanto baseadas na leitura e análise das Escrituras (tanto canónicas, deuterocanónicas, apócrifas).
O sofrimento não tem exclusões, todos somos sujeitos a ele, não há imunes, atinge a todos: crentes ou não crentes.

De um ponto de vista de análise teológica, a tentativa de “desculpar” Deus pode ser visto em três linhas:

1.     O sofrimento como castigo.
Deus enviaria um castigo quando “perde a paciência”. Deus em toda a história compreende, socorre, acolhe, espera, perdoa. No entanto chegará a um determinado momento que Deus determina (perante a postura humana) o envio do castigo, do sofrimento.
Podemos constatar esta forma (bizarra) de conceber Deus, ainda muito presente. Já todos conhecemos a expressão: “o que fiz eu para merecer isto?!”
Também no Evangelho esta procura do pecado para justificar o mal está presente, mostrando o seu enraizamento na comunidade da altura.

“Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os seus discípulos perguntaram-lhe, então: “Rabi, quem foi que pecou para este homem ter nascido cego? Ele, ou os seus pais?” Jesus respondeu: “Nem pecou ele, nem seus pais, mas isto aconteceu para nele se manifestarem as obras de Deus. Temos de realizar as obras daquele que me enviou enquanto é dia. Vem aí a noite, em que ninguém pode atuar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”
(Jo 9,1-5) mas também em paralelos sinóticos (Mt 9,27-31; 20,29-34; Mc 8,22-26; 10,46-52; Lc 18,35-43)


2.     O sofrimento como purificador.
Esta noção baseia-se na imagem de um Deus que nos segue muito de perto enviando-nos algo que “prove” a nossa fé. Um Deus que necessita de provas, e estas serão dadas num quase estoicismo perante o sofrimento.

3.     O sofrimento como crescimento da pessoa em busca do bem.
Está muito próximo do ponto 2., no entanto existe uma plena consciência pessoal que o crescimento da fé está num estilo que vida austero, em que o sofrimento (muitas vezes carnal) é a resposta à soteriologia. O sofrimento seria uma graça que Deus exerce sobretudo aos que mais o querem. Neste ponto gostaria de salientar o seguinte, nada tenho contra a vida ascética, nem a um exercício pneumatológico que exerça uma austeridade a quem o realiza. O que não consigo entender é a colocação do sofrimento nessa busca..., não há nenhuma razão teológica para tal. Uma coisa é a vida contemplativa, por si mais dura, outra é o exercício e a busca do sacrifício carnal como se este se apresentasse como uma graça. Sou um grande admirador de Teresa d´Ávila, como de João da Cruz e outros místicos fundamentais, respeito as suas opções mas não posso de deixar de ficar impressionado com alguns excessos por estes cometidos. O místico entende, melhor do que ninguém, o significado integral da entrega total de si a Deus. O sentido da sua existência que já aponta para uma dimensão que não esta, na sua elevação espiritual abre-se totalmente ao próprio mundo. Uma vida doada totalmente a Deus trás consigo renúncias, elevando a humildade total de si mesmo perante a magnitude e beleza infinita de Deus.
João da Cruz por exemplo, após a ordenação sacerdotal a sua vida tornou-se ainda mais reforçada na profunda oração e contemplação, “submergindo em Deus” ao qual juntou uma rigorosa mortificação. Fazia jejuns severos, assim como usou durante catorze anos, debaixo da túnica, um cíclicio, o que com o movimento corporal lhe esfolava a pele.
Mais uma vez reforço sou um grande apaixonado pelos místicos, no entanto (e respeitando-os), humildemente confesso que não me revejo neste tipo que ações. “O que o corpo perde, a alma ganha; o que o corpo ganha, a alma perde.” frase de  Cura D´Ars é colocada no sentido de entrega e de desapego, não no sentido de autoflagelação.


Colocando a minha verdade, aquilo que me faz viver a fé, não me revejo em nenhum dos três. De uma forma simples: se somos feitos à imagem e semelhança de Deus (Gn 5,1), sempre que amo alguém o que nunca farei é faze-lo sofrer.
Podem vir justificações de vários lados e de vários fundamentos, no entanto é um perigo falar de um deus como aquele que dispõe, provoca e permite o sofrimento. Como abordarei na última parte, mesmo de um ponto de vista estritamente evangélico, não foi este o Deus que Jesus apresentou, e que inspirou o Cristianismo.

No dia de hoje morrem pessoas em acidentes, em confrontos (como na Síria), a cada cinco segundos morre uma criança de fome...! Agora façamos o exercício em pensar num deus, que para sua satisfação, está a enviar um castigo para aqui, outro para a Síria, outro para o Canadá, do estilo mitológico em que o deus de tronco nu e de barbas envia os seus “raios”. Um deus que agora vai colocar-me à prova, daqui a uns minutos vai colocar uma pessoa na Baixa-da-Banheira... só para alimentar a sua glória! Sejamos sensatos, é este o Deus de Jesus?
Será este um Deus viável?
Foi baseado nisto que Jesus procurou os desfavorecidos, os excluídos, que pregou a paz, que não levantou um dedo contra ninguém?
Claro que não, mesmo os não crentes ao falarem de Jesus não o vêm com esta estratégia maquiavélica, pela simples razão que não a teve. Daí que quando se fala de Cristianismo e se vê um Deus justiceiro, sedento de sangue, não é o Deus de Jesus, como tal, não é o Deus cristão. Talvez alguns O queiram assim, mas não é.

Também para clarificar ainda mais o que se fala de Deus, o problema não está restrito a um (im)possível sadismo, o que jamais poderemos falar é que Deus anda a manipular a dor e o sofrimento para conseguir a sua glória, justiça e lei.

Infelizmente por trás de tudo está, claramente uma determinada visão do pecado, que se veio formando na linguagem da cultura cristã, realizada principalmente na baixa Idade Média, e que marcou o rumo do cristianismo, alterando-o mesmo para cristandade, em que o ponto da justificação da guerra (santa), era acima de tudo um Deus Justiceiro, no sentido cruel da palavra. Isto como sabemos levou a consequências práticas enormes, e que ainda se fazem sentir na sociedade.


C.)  Não é o sofrimento que agrada a Deus, mas o sofrimento existe.

A soteriologia, é insistentemente passada dando a “crer” que tudo assenta na imagem final que o sacrifício é redentor, olhando para cruz parte-se para a dor como redenção. A partir desta deturpação, entramos na viagem (extasy) da análise psicológica de Deus em que Ele é moldado ao nosso interesse, tanto para bem como para mal.
A revelação de Deus, está assente em Jesus..., todos podemos inventar um “cristo” que nos agrade e que justifique as nossas ações, agora o que já é difícil confrontarmo-nos com o Jesus da história.
A colocação de uma matriz sacrificial como ação premeditada de Deus, leva por um lado, a que a liberdade (que tanto falamos) não exista. Por outro abre-se a possibilidade para o absurdo , ou seja, a de um deus que faz preferências tanto de género como de outros aspectos, em deus não ame a todos da mesma forma.
Tantas vezes me questiono, afinal que deus é este em que “acreditamos”? 



Não há na realidade motivos teológicos para conceber um Deus desta forma, o sofrimento humano não tem para Deus nenhum valor compensatório nem reparador, nem constitui para Ele qualquer prazer, nem experiência jurídica.


A crucifixão, ponto central em toda esta problemática, tem em si mal entendidos que tentarei expor.





O escândalo da morte de Jesus (cf. 1 Cor 1,23) é ainda algo presente entre nós, custa-nos falar da morte de Jesus. Jesus (que é para nós encarnação de Deus), não morreu de forma biologicamente natural, Jesus foi executado, Deus foi executado.
O amor gratuito de Deus, ou se quisermos o amor imerecido de Deus, dado totalmente em Jesus, aquilo a que é chamado  o “amor louco de Deus”.
Reparemos que enquanto cristãos dizemos “morte do Senhor” e evitamos dizer “execução do Senhor”, falamos da cruz e evitamos falar em crucifixão, no entanto é precisamente isso que existe no calvário.
Jesus não busca cruzes, nunca foi sua intenção quer sofrer. A crucifixão não é um ato suicida de Jesus, neste acontecimento não há um sacrifício para satisfação do Pai, é pois necessário separa o que tem que ser separado.

Muitos entendem a morte de Jesus na cruz, como uma espécie de negociação entre Deus Pai e seu Filho Jesus. Assim o Pai justamente ofendido pelos pecados dos homens exige para salvar a humanidade uma reparação impossível de lha darmos e desta forma o Seu filho entregou a vida por nós.

Pois bem aqui surge uma ideia medieval do reparação do mal. O sacrifício era medido não somente pelo crime em si, mas principalmente em relação a quem foi praticado. Desta forma sendo Deus infinito obrigaria uma punição infinita, no entanto o homem ao ser finito jamais o conseguiria pagar na vida, assim mesmo após a morte estaria para sempre condenado ao inferno, a salvação procedente da graça de Deus viria não como uma natureza de Deus, mas como um satisfação sacrificial perante Deus, em que Deus dava a graça devido a se satisfazer com o sacrifício da punição.

No entanto a visão de que Deus exige para a salvação uma reparação, é totalmente incompatível do ponto de vista teológico, não há (nem sequer nas parábolas) uma relação direta a esse deus que busca sacrifícios. Jesus não foi dado ao sacrifício, ele aceitou o sacrifício, não como razão de satisfação ao Pai, mas como exemplo para os homens, no exemplo de levar a sua verdade até ao extremo, sem levantar a revolta destrutiva de todos, mas enquanto prova que jamais a glória se atinge no uso da brutalidade da vingança. A ressurreição espelha isto mesmo, o sacrifício não está em expressões destrutivas, mas sim no acolher a palavra, o sacrifício está na prática concreta da palavra, o “logos” é assim assumido e vivido em plenitude pelo homem, um pouco como o conceito grego com a virtude, com a razão, com o “logos”.
A gratuidade de Deus, está na mesma aceitação da vontade humana, se tal não fosse Deus não seria o amor puro, mas o negocio perfeito, já que a salvação estava remetida a uma troca, a um saldar de divida. Se tal fosse assim onde está a Boa Nova?!

Não busquemos o cordeio expiatório, alguém que carrega o mal sozinho...
Esta mania de buscarmos sempre o culpado é algo que nos acompanha na vida e na história ... ao contrário do que muitos apregoam: não é Deus o sádico, não é o Pai do sofrimento, nem o tal que nada faz; somos nós que usamos o sadismo contra os outros, impondo o sofrimento aos inocentes, e no fim a culpa é de Deus. Nós matamos mas Deus é que é o culpado por não fazer nada, nós destruímos o nosso planeta, mas Deus é que é o culpado por não ter evitado o ciclone, nós é que estamos descansados em casa no nosso conforto em frente a um computador construído na Ásia por crianças, mas Deus é que é o culpado por não evitar o aproveitamento de uns sobre os outros.
Afinal temos um novo cordeiro, ou melhor o cordeiro é o mesmo, o “bode expiatório” não mudou, é Deus. Deus é o culpado dos excessos religiosos, no entanto se não existissem religiões os excesso viriam de outros quadrante, a religião é uma expressão humana da compreensão esta faz do divino (de Deus), daí que as religiões estão completamente ligadas às culturas e tradições (mesmo seculares) dos povos, mais até que o próprio exercício teológico? O homem é o mesmo, não é o facto de não existir Deus que nos iria mudar, inventariamos novas justificações para a implementação do sofrimento, ou será que a história também não mostrou e não mostra?!

Pontos de clarificação:

. na Carta aos Hebreus, quando Paulo aborda a crucifixão a partir do sacrifício, está a referir esta aceitação, é importante não inventar metafísica onde ela não encaixa.

. na literatura dos primeiros cristãos (literatura neotestamentária) o “Pai do Céu” nunca aparece como “alguém” que exige previamente o sacrifício, a destruição, o sangue, a vida, para sua honra para desta forma, depois de satisfeito, perdoar. É precisamente o contrário, o Pai amou tanto o mundo que enviou o Seu Filho abrindo-nos a compreensão plena de que a salvação é sempre a natureza de Deus.

. Jesus (o Filho) nunca aparece (na tradição sinóptica, João, etc.) a influenciar o Pai a partir do seu sofrimento. Jesus jamais negoceia o que quer que seja para obter uma atitude mais benévola. Jesus o que clama é amor, jamais coloca Deus contra a parede, o se coloca na posição de se dar em sacrifício para agradar aos caprichos do Pai.

Não vou entrar agora numa analise da cruz, no sentido de quem a quis e porquê...

Vou terminar abordando o ponto em que se pode questionar esta análise.



“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me.”
Mc 8,34


“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.”
Lc 9,23

“Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me”
Mt 16,24

O que é levar a Cruz?

A cruz não é a obrigação de seguir Jesus, ela é a consequência de o seguir em verdade, sem desvirtuar a mensagem, incorporando a palavra e fazendo dela ação.
O que Jesus quer dizer pode ser dito da seguinte forma: se me queres seguir, prepara-te já que nunca será fácil, porque como o mundo está vão encontrar a “crucifixão”.

. Nem toda a desgraça, nem todo o sofrimento (por si sempre negativo) é uma cruz. Existem aqueles sofrimentos que são originados e provocados pela nossa própria ação (pecado em sentido teológico), muitas vezes na maneira insana de viver. Estes não são castigos merecidos, mas consequências evitáveis. No fundo há todo um sofrimento inútil e supérfluo, esses deveríamos de uma forma racional e óbvia evitá-los. Nem qualquer desgraça, nem qualquer sofrimento é uma cruz.


. Na realidade cruz, crucifixão, é aquela dor e sofrimento (etc.) que chegou à nossa vida como consequência do nosso seguir a Jesus.

A cruz não é o mal e o destino penoso da vida, mas sim o sofrimento que resulta (ou pode resultar) unicamente pelo facto de estarmos vinculados a Jesus. Na realidade seguir a Jesus não é buscar cruzes ou sofrimentos, mas aceitar a “crucifixão” quando ela aparece.


Isto não se enquadra com uma pessoa que se vitimiza na existência, mas aquela que vai na vida na busca de Jesus exibindo o seu sofrimento enquanto parte integrante desta entrega.
Daí que é errado aquele jeito (aliás bem português), de se não estamos mal, não podemos estar bem.

Infelizmente muitos procuram a “mortificação”, as cruzes, como forma de expressar a sua fé. Tudo o que é ascética eu valorizo, agora buscar cruzes para estarmos mais próximos de Cristo, não. Jesus não quis o sofrimento para nada, os seus sinais são claros, ele veio para tirar o sofrimento de quem sofria, de dar justiça a quem estava relegado à exclusão, etc.
Tudo isto Jesus fez, não negando ao Pai “bateu-se” por implementar uma forma renovada de convivência (Reino de Deus), e com isto obteve as consequências, não fugindo delas. Não foi o sangue que nos salvou, mas o amor gratuito que se deu até ao sangue, não porque o quisesse mas porque nós quisemos.

E parece que ainda queremos!





Sem comentários:

Enviar um comentário