A FÉ DE MARIA
A manifestação tem na pessoa humana o seu vínculo por excelência, desta
forma o homem tem que estar preparado para deixar que Deus se manifeste em si
(cf. Mc 13,33-37), devemos pois estar em alerta para
o Senhor.
Maria ao ser como nós tem em si
mesma uma fé básica, é nessa fé onde tudo começa, porque (e não sendo
obviamente o caso de Maria) Deus atinge-nos profundamente durante a vida mesmo
quando não O conhecemos, ou O negamos.
Assim através da maturidade de uma
existência alicerçada na fé, notaremos que a vida é uma relação permanente com
os outros e com Deus, a fé liga-se
claramente à marca da confiança.
Educar para a fé tem consigo a
transmissão, mostrando que viver na fé aponta sempre para um alvo: Jesus
Cristo. Transmitindo deste modo a beleza que existe em Deus mas também aquela
que existe em cada um de nós, já que ao sermos de Deus, temos em nós a marca da
beleza do Criador, que por amor extremo se fez igual a nós.
Estudos mostram que as pessoas que
tiveram uma infância e afeto dado pelos pais, são aquelas mais tarde mais
capacitadas irão estar para ver realmente o bem que existe nos outros. Daí que
a fé inicial requer esforço, dedicação e investimento, aliás sem ela jamais
existiria uma verdadeira fé religiosa, e Maria como religiosa que era teria esta
percepção bem presente na sua vida.
Ela ao nascer judia partilhava toda a tradição de fé, como
também todos os ritos e símbolos do seu povo. Neste sentido, Maria entende
perfeitamente que Deus se revela no seu povo (o povo eleito), através de um
verdadeiro amor preferencial. A sua fé acentua a consciência de que ela própria
é criatura amada por Jahvé, isto não lhe
surgiu espontaneamente, foi-lhe transmitido, fez parte da sua educação.
O Deus de Maria é o Senhor da Vida,
Aquele que dá o dom da paternidade e da maternidade. Todas as jovens judaicas,
de manhã, rezavam uma oração (Birkhot Hashahar):
“Bem dito tu Senhor que me criaste se segundo a tua vontade...”
Podemos verificar que na Anunciação
(Lc 1,26-38), Maria é aquela à qual Deus
dedica a Sua confiança e amor, não nos esqueçamos que estamos numa altura
histórica em que a mulher era considerada inferior ao homem.
“Alegra-te” diz o anjo, este
alegra-te (“Khaire”) que pode também
ser traduzido como Avé, é realmente mais que um convite à alegria, Maria deve
ter alegria porque ela já está na graça de Deus, Ela é a filha de Sião. Assim
Maria responde o SIM, fá-lo porque sabe que foi tocada por Deus, está pois
preparada para receber a graça. Esta é a grande experiência de fé de Maria, um
acontecimento profundamente espiritual, mas também baseado numa relação de uma
comunhão de liberdades. Ela adere obedientemente, mas fá-lo de forma livre,
Deus jamais a obriga a dizer SIM. Nesta passagem de Lucas, Deus “ajoelha-se” diante da jovem de Nazaré... e ela revestida
pela sua grande coragem e confiança responde afirmativamente, tornando-se
coberta pelo Espírito Santo.
É a fé de Maria que possibilita que Jesus viva, o encarnado nasce efectivamente da conjugação
da vontade de Deus e da resposta livre e humana de Maria, Deus procura o
“homem” para se manifestar, mas não nos impõe a sua vontade, dá-nos em
gratuidade para que o aceitemos.
Na Anunciação está presente uma
profunda experiência de fé, concretizada no SIM a Deus, e aqui está a
mais bela e plena realização da pessoa. Esta fé demonstrada em Maria é uma
caminhada, um processo que se vai aperfeiçoando, no entanto, parte de uma
pessoa que já tinha atrás de si um processo educativo para assimilar e entender
a vontade de Deus, o SIM de Maria não
parte de um descobrimento, mas de um encontro com algo que a tendo
perturbado (ninguém está totalmente preparado para receber tão grande graça)
não a fez fugir, antes pelo contrário, através da sua experiencia de fé, fez
que através dela se oferecesse a toda a humanidade a luz do mundo.
A fé não é em si mesma um conforto,
na fé temos que aprender que jamais é possível controlar o dom de Deus. Deus
chega sempre em gratuidade, atingindo-nos no mais íntimo e fundamental de nós
mesmos. Deus ao agir em nós, espera uma resposta, no entanto muitas vezes esta
não se faz ouvir, e se alguma vez a damos, infelizmente na maioria dos casos,
não é inequívoca, não nos faz comprometidos com Deus, não é um SIM, mas um
talvez. Relacionamo-nos com a gratuidade do amor de Deus, numa postura de “negócio”,
- eu faço se receber-... é triste mas é assim que muitas vezes todos nós nos
relacionamos com Deus.
Sendo que a fé (o crer) está contida
num contexto que nem sempre é fácil explicar, assim entendeu-se, neste mundo
secularista e materialista, colocar a sua reflexão num lugar longínquo,
remetido mesmo a locais próprios.
A fé pressupõe em depositarmos totalmente a nossa razão de existência em Deus, assente numa realidade em que só em amor fazemos esta conexão, numa relação que transborde para todos aqueles que estão à nossa volta.
A fé pressupõe em depositarmos totalmente a nossa razão de existência em Deus, assente numa realidade em que só em amor fazemos esta conexão, numa relação que transborde para todos aqueles que estão à nossa volta.
Claro que a fé liga-se à própria
elaboração cultural, como cristãos devemos ter isto bem assente na nossa
consciência, não deixemos de educar os nossos filhos para a fé, no entanto
surge aqui a questão óbvia:
como podemos apresentar este projecto diferente de vida como válido (e mesmo fundamental) sendo mesmo a estrutura da vida nos dias de hoje?
como podemos apresentar este projecto diferente de vida como válido (e mesmo fundamental) sendo mesmo a estrutura da vida nos dias de hoje?
“Não sejamos
projectos de desventuras”
(S. João
XXIII)
Claro que nem sempre se tem feito
esta apresentação pelo melhor caminho, mas de uma maneira sincera, ao olhar em
volta noto com alegria que esta realidade começa a alterar-se. Nestes últimos
anos grandes alterações estão a acontecer no mundo, é óbvio que estamos a chegar ao fim de uma época e uma
nova irá nascer, também estamos a viver uma alteração cultural do crer.
Este é também o tempo em que o Espírito Santo se manifesta, e Este nunca é
passivo. Toda a História da Salvação tendo as influências históricas de
diferentes épocas, tem no entanto algo que é imutável, todos somos chamados a
viver a nossa existência de modo renovado. Não nos tornemos passivos no tempo,
mas activos enquanto construtores do nosso futuro, este é dependente de todos e
de cada um, daí a necessidade da coragem, da firmeza, da verdade, assentes
sempre na promoção da dignidade de todos.
Ter a consciência que o crer está
colocado na própria cultura é algo muito importante.
“Sem a fé, não se é
capaz de elaborar cultura e qualquer coisa que insira elementos significativos
na existência”
(Evangelii Nuntiandi –
Papa Paulo VI)
“Devemos readquirir o
gosto por nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela
Igreja, e do Pão da vida, oferecidas como sustento quantos são nossos
discípulos (cf. Jo 6,51)”
(Papa Bento XVI - Porta
Fidei)
A
confiança originária, como referia E. Erikson, “prende-se com a família”, nunca
esperemos que a catequese na paróquia faça por nós aquilo que devemos a fazer.
O cultivo da fé começa na nossa casa, só desta forma os novos cristãos
entenderão de uma forma capaz e fortalecida, que a arte de viver centra-se na
nossa própria arte da autenticidade. Essa autenticidade que Deus já conhece, porque sendo fonte da vida,
tudo o que é da vida, Deus aí está por excelência, isto não faz com que nos
seja retirado o sofrimento e as amarguras, no entanto abre sempre novos
caminhos de esperança perante tantas dificuldades que nos surgem, na vida,
nunca, mas mesmo nunca seja permitido fechar a porta da esperança ao ser
humano.
“O amor é
tão poderoso que sabe tirar proveito de tudo, do bem e do mal que há em mim”
(Sta. Teresa
de Lisieux).
O
cristão deve ser aquele que “mergulha nas suas profundidade”, que investe em si
e nos outros, que se
renova, que não desiste de encontrar caminhos, mesmo que muitas vezes as portas
pareçam fechadas. Ao sermos atingidos pela liberdade concedida por Deus, que
sendo amor, jamais pode ligar-se ao medo do castigo (nós é que infelizmente nos
castigamos, e pior ainda, muitas vezes em nome de um suposto deus). O Deus de
Jesus não é aquele que procura a destruição, mas que é fonte da vida.
Ao termos a consciência envolta pela
fé, notamos facilmente que não basta “pertencer” a uma estrutura (ou mesmo
religião), a nossa vida não pode ser passiva; estamos presentes na diversidade
das coisas, em que tempo e da história não se esgotam na nossa existência
terrena. Somos rodeados pelo permanente movimento, em que nós sujeitos da
história não podemos ficar na imobilidade face ao mundo e tudo o que ele
acarreta de bom e de mau.
Ao referir que atravessamos um
período pós-cristão, significa que o cristianismo, não estando alheado do
ambiente cultural, no entanto muitas vezes movimenta-se apenas através de uma
conveniência interna, em que resiste em abrir-se à diversidade, confinando-se,
na maior parte dos casos, a um ambiente religioso. Parece difícil de entender
que é precisamente nesse ambiente em que se dá (ou deveria dar) um
aprofundamento da Palavra, levando à promoção e ao seu conhecimento,
abrindo-nos ao diálogo permanente com todos. Nesta abertura, sem dúvida, que a
cultura é um meio privilegiado, ele dinamiza o conhecimento, o entendimento e o
respeito tolerante perante a diferença.
“A cultura, segundo a “Gaudium et Spes” é “um estilo comum de
vida” que caracteriza um povo e compreende o conjunto dos valores que o animam
e dos antivalores que o enfraquecem. É “tudo aquilo, através do qual, o homem
apura e desenvolve suas inúmeras qualidades espirituais e corporais, procura
submeter o mundo material ao seu domínio pelo conhecimento e o trabalho, torna
mais humana a vida social, quer na família, quer na vida civil, e tudo pela via
do progresso nos hábitos e instituições.”
Meus caros, o Cristianismo não está
bloqueado, no entanto não o podemos “engavetar” nas “prateleiras” do mero
simbolismo, é necessário uma expressão da espiritualidade cada vez mais
afirmativa e brilhante no mundo.
Tal como Maria foi chamada a
cooperar com Deus, através de uma obediência totalmente livre, também nós
enquanto baptizados somos chamados a participar filialmente com Deus. A nossa
vida deve ser composta por uma existência que se diferencia da tendência atual,
isto (atenção) não nos faz melhores nem piores do que os outros, faz-nos sim
diferentes.
Jesus que se deu a conhecer na
história, fazendo parte integrante da história, não obedeceu jamais aos homens
mas sim a Deus, esta junção profunda faz com que Deus Pai se junte Nele nas
próprias consequências da Sua livre decisão. A perfeição não provém de uma
obediência em serviço, mas sim de uma obediência em amor que se revela no
serviço.
É neste amor que nos devemos focar
em toda a ação, é nesta acção de estar com o outro de uma forma totalmente
imbuída no Espírito de Verdade que nos faz diferentes.
Na realidade estamos perante
manifestações neo-pagãs na sociedade ocidental, o importante radica no ser pessoal,
em que os outros são os outros, aqueles que não conheço e que nem sequer estou
interessado nisso, desta forma Deus não entra na centralidade da vida das
pessoas.
Nesta atualidade o Cristianismo é
muitas vezes incapaz de estar presente nos símbolos ligados à própria
existência, as pessoas concebem um deus “prêt-à-porter”, mas não o Deus de
Jesus. Jesus mostra-nos a exigência e a responsabilidade perante o Pai e os
outros, no entanto só através de um Deus providente e próximo na existência, é
que o caminho se torna cada vez mais nítido. Deus que nos deu em amor o Seu Filho
Unigénito, realizou a maravilha de dar um rosto à Palavra, fazendo-Se escutar
no mundo e em cada um, numa Boa Nova, como um caminho de verdade e de vida para
toda a Pessoa. Não deixa de ser irónico que neste mundo cada vez comandado por
organizações sem rosto, Deus sendo Deus mostrou-se em rosto...!
Nesta dimensão tudo ganha um
significado diferente, Deus não quer o nosso sangue, mas apela-nos a seguir o
percurso a “knose”, e assim
assumirmos a efetiva responsabilidade histórica. Jesus Cristo enquanto forma de
“knose”, tem em si próprio a condição
humana.
É portanto no crer (fé) que agimos e
pensamos diferentemente a própria condição existencial. Viver a vida nesta
postura leva-nos a ter em Cristo, a meta do nosso percurso, ou seja, o caminho
que fazemos liga-se intrinsecamente com Aquele que anunciamos. Ao olhar para
esta realidade, leva a que todos tenhamos que conceber, segundo as nossas
capacidades o caminho, e aqui surge a questão, como o havemos de fazer?
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