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terça-feira, 15 de julho de 2014

DEUS / DINHEIRO



O sistema neoliberal a que estamos sujeitos, assume cada vez mais o comando dos desígnios do mundo, condicionando profundamente a convivência da humanidade. Estamos perante uma realidade que já não busca somente a produção em massa de bens e serviços, mas centra-se cada vez mais num objetivo bem preciso: a acumulação obsessiva de riqueza material, a busca do dinheiro enquanto objetivo absoluto da existência. O neoliberalismo luta por atingir sempre o topo, através de uma competitividade desmedida, assistimos a nova “seleção natural” em que apenas os “fortes” podem sobreviver (sendo estes os que melhor se adaptam à realidade), esta ação vem mesmo a colocar em causa as estratégias de cooperação solidárias ao nível mundial.
O interesse não reside no desenvolvimento, mas inteiramente no lucro, no ganho e em tudo o que este proporciona. O próprio sistema de produção entra neste “joga”, assim e através de campanhas extremamente agressivas leva a que as pessoas entrem na obsessão do consumismo, não pela necessidade real de um determinado produto/serviço mas pelo “status” que alcançam e obtê-lo. Isto leva-as a entrar num caminho que finaliza n o precipício da dívida, hipotecando os seus futuros a sistemas que vivem precisamente do alimento da máquina neoliberal completamente fora de controlo.

Não estamos, somente, perante uma crise económico-financeira, a crise é da própria humanidade.

O dinheiro sempre influenciou a civilização, a história é extremamente influenciada pela relação homem/dinheiro, assim, e através de um mundo globalizado, esta realidade aparece com uma força única, o dinheiro converteu-se definitivamente no maior ídolo da nova humanidade.

Muitas vezes se questiona, o porquê de as pessoas extremamente ricas, não perderem a ganância da busca por mais, a resposta é o medo.
O dinheiro é visto como a “porta de salvação”, a garantia da própria existência e convivência num meio completamente conquistado pelo “aroma” do luxo e da estravagância desmedidos, uma realidade em que os afetos são confundidos com o interesse. É medo de sair deste “circo” que faz que não consigam conter a ganância, chegando ao ponto de viverem uma vida remetida a emoções momentâneas, alucinados por palcos e meios deslumbrantes (e que muitos almejam). As pessoas já não vivem nem usufruem da plena liberdade, a vida é inteiramente entregue ao “culto” do dinheiro, tornam-se elas próprias imagem da especulação, já que personificam em si mesmas a troca da verdade pela mentira perante a possibilidade de ganhar mais.

O dinheiro deixou de ser um meio, passando a ser o próprio fim absoluto, não há mais nada além dele.

Não deixa de ser irónico verificar numa instituição bancária, o facto de muitas pessoas fazerem um certo silêncio, preferindo mesmo falar num tom mais baixo do que o normal, como se estivessem num “templo”.

Este culto ao dinheiro impõe a perca da liberdade, a pessoa fica refém da sua ganância, até mesmo o valor da existência.
Famílias desunem-se, pessoas cometem crimes, seres humanos são explorados, recursos naturais são destruídos, guerras são feitas, países são colocados em total humilhação e sujeição perante o grande “senhor do mundo”.
Muitos daqueles que apoiam este sistema (neo)liberal, refutam as criticas alegando que este sistema tirou (como nunca) uma grande parte da população mundial da pobreza; sim isso é certo e não nego tal facto, no entanto questiono, seria esta a única via para tirar a população da pobreza?
Também não será este sistema extremamente volátil e ilusório, será que tem sido um meio sustentadamente justo?
Será que também o mesmo sistema não é causa para a miséria extrema em vários lugares?
Com o progresso tecnológico magnífico não somos no entanto capazes de erradicar a fome do mundo, será que este sistema não tem nenhuma relação com isto?
Até que ponto a concorrência desenfreada, em vez de nos apelar à competência como ação para a humanidade, nos esta a tornar cada vez mais hedonistas, e centrados no nosso sucesso refletido em dinheiro?
Será que este sistema nos fez mais solidários?
Será que não há outros caminhos alternativos?

Ao lermos o Evangelho somos confrontados com um Jesus que não seixa de ser extremamente crítico perante um acumular de dinheiro egoísta, que não vê os outros. Este “jogo” do dinheiro tem acima de tudo uma componente psicológica que se sobrepõe à própria lógica racional, a inteligibilidade exata é trocada pela legibilidade pouco racional e totalmente obcecada. Existe uma enorme distância, do ponto de vista racional no que se refere à relação homem/dinheiro; o essencial reside unicamente no ganho sem limites, em que o tão apregoado mérito é trocado pela esperteza em que os limites éticos são colocados num plano distante, senão mesmo irreconhecíveis.

Claro que o dinheiro não é em si mesmo um mal, através dele é-nos proporcionado atingir um bem-estar e uma segurança indispensáveis para a vida. O problema centra-se no uso que fazemos do dinheiro, e aí muitas vezes a relação pessoal com ele entra nos meandros do possessivo, em que a sua obtenção torna-se no “clímax” da existência. Isto reflete-se na sensação de prazer que provoca em muitos daqueles que se entregam ao “jogo” da especulação, em que o ser humano fica preso ao “ícone sagrado” refletido no extrato da conta bancária.
Um prazer que se alcança na total entrega ao “ídolo”, que corrompe o homem tornando-o num animal faminto e voraz pelo ganho, e aí, não tenhamos duvidas, não existem limites ao uso de recursos para o obter. É importante ter bem presente a seguinte frase:

O mesmo dinheiro que promete bem-estar e qualidade de vida, causa de igual modo uma enormidade quantidade de sofrimento, pobreza e a desumanização.

O valor da pessoa assenta naquilo que tem em vez daquilo que é, fala-se muito em mérito, mas o que realmente o que conta é o que se tem, é o ser rico. Para um rico, se assim for necessário, inventam-se méritos.

O Magnificat, uma dos mais belos textos bíblicos, não é refletido, apenas ficamos com a beleza das palavras de Nossa Senhora, mais nada...

“Maria disse, então:
«A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.
Porque pôs os olhos na humanidade da sua serva.
De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
O Todo-poderoso fez em mim maravilhas.
Santo o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.
Manifestou o poder do seu braço e dispensou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abrão e à sua descendência para sempre”.
(Lc 1,46-55)

A lógica do dinheiro rege-se no imperialismo dominador, ele não dá espaço a que os direitos estejam fora do seu controlo. A crise está longe de ser momentânea, a crise reside nos critérios sobre os quais se está a construir a globalização. A competitividade aparece como aquilo ao qual as relações se devem estabelecer, trocamos solidariedade por competitividade. Ao colocar-se o dinheiro no topo da pirâmide, introduziu-se uma fratura social global que se tem vindo a extremar! Seguir este ídolo obriga a descartar o pensamento ligado ao bem comum, os tais mercados não só ditam as suas imposições aos países (às pessoas), como também destroem a própria instituição democrática. Isto resulta num alheamento da classe dirigente, sujeita à pressão dos poderosos, e ausente das realidades concretas dos necessitados. Neste neoliberalismo o ser humano não é o valor mais importante, a humanidade está a colocar-se como um meio para alimentar o ídolo dinheiro.


“Ninguém pode servir a dois senhores: ou se gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um desprezar o outro.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro
(Mt 6,24)

“Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro
(Lc 16,13)




Nestas passagens (fonte “Q”, não aparecem em Mc) temos que prestar a atenção para o facto de termo – dinheiro – aparecer como o termo – “mamôn”-. Segundo estudiosos este termo liga-se ao verbo “Hemin”, de se liga a aceitação e a crer, aliás será mesmo a partir de “Hemin” que chegamos à expressão tão usada por nós: Amen. Nas mesmas passagens este aspecto é ainda reforçado com o “servir”, que na tradição bíblica prende-se a uma “praxis” cultual.
Esta relação cultual com o dinheiro é incompatível com a relação com Deus, é impossível prestar culto a Deus e ao dinheiro, não há como compatibilizar estas duas realidades. Aliás, e segundo os mesmos estudiosos, o uso da palavra “mamôn” é colocada no texto numa posição similar a Deus, ficando patente (e acertadamente) que o ser humano ao entregar-se ao dinheiro, fá-lo numa atitude de total entrega e até submissão, sendo este o valor mais importante da existência humana. Não deixa de ser incrível que passados dois mil anos esta realidade continua não somente igual, mas reforçada!

Deus não encarnou no meio da riqueza, Deus encarnou na humildade da pobreza, recusado antes de nascer foi a persistência humana a encontrar guarida para o menino que vinha (cf. Lc 2,7). É nesta profunda humildade que Deus se revela para resgatar o homem das trevas e apresentar-lhe o caminho da luz salvífica. Mas o projeto do Reino de Deus resultar requere a adesão de todos. Este é o Reino de Deus que caminha para a comunhão com a criatura enquanto relação de amor e vida (cf. Mt 13,31-32; Mt 4,30-32; Lc 13,18-19), aqui reside a vontade do Pai refletida na forma como tratamos o outro (cf. Jo 15,17), porque a riqueza de Deus não é o dinheiro, mas sim a criação e a valorização da vida. Olhar e seguir o Deus Trinitário é incompatível com a busca da riqueza. Deus ao tocar no nosso coração, somos tomados pelo fogo da sua presença (cf. Lc 24,32) levando-nos a que olhemos para a existência como uma dádiva recebida. É este dom que nos leva à resposta em doação, ao vivermos desprendidos do exagero materialista, porque o que importante é a dignificação do dom, fazer da vida fonte de felicidade compartilhada, porque o que é verdadeiramente caro é a vida plena de todos, não no querer egoísta mas na caridade empenhada e verdadeira.
Com isto não se menospreza o mérito, nem a possibilidade de se alcançar mais, mas sim a forma como colocamos os méritos; não enquanto serviço para o bem comum, mas fechados no objetivo do acumular riqueza de uma forma cega, em que a idolatração do dinheiro apareça com a letra maiúscula, em que o “d” passe a “D”, tornando-se igual ou até maior do que o “D” de Deus.
Não é possível agradar a Deus e ao dinheiro...

Mais uma vez refiro, o problema não reside em ter dinheiro, meritória e justamente, o problema surge na forma como o usamos e para quê o usamos, e aí, não sejamos ingénuos, perante o materialismo secular a que assistimos, alimentado por um consumismo extremo, em que se quer sempre mais e mais e mais..., poucos são aqueles que encaram a vida de uma forma desprendida e livre.

“... a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias de mercado. Para estas, se absolutalizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana. Neste sentido animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: “Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos”
(S. João Crisóstomo, In Lazarum II, 6: Pg 48, 992D)
...
O dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promove-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano”  
(Evangelii gaudium, 57,58).



“Satisfaçam-se, antes demais, as exigências da justiça e não se ofereça como dom da caridade aquilo que é devido a titulo de justiça”
 (CV II, Apostolicam actuositatem, 8; A AS 58 (1966) 845)

“Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não lhes ofertamos o que é nosso, limitamos a restituir o que lhes pertence. Mais do que praticar uma obra de misericórdia, cumprimos um dever de justiça”
(S. Gregório Magno, Regula pastoralis, 3, 21, 45: SC, 382, 394 (PL 77,87)




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