Depois de Jesus Cristo, certamente só podemos dizer algo de
autêntico e concreto acerca de Deus, recorrendo sempre a “Emanuel”, a um Deus
que é connosco. Este ao fazer-se carne, assumiu de modo extraordinário a nossa
própria natureza.
É bom que não esqueçamos, que é este o Cristo que está nos
nossos sacrários, é este que a Igreja apresenta nos sacramentos como presença
efetiva. Um Deus encarnado através do SIM de Maria Santíssima, criado como
homem nos meio dos homens, mas sendo homem jamais perdeu a sua identidade
divina.
Uma teologia que não saiba exaltar o homem, não exalta a
Deus, porque só através da humanidade de Jesus encontramos a beleza da Sua
divindade.
O homem é realmente capaz de receber o amor infinito de
Deus, que é o próprio Deus. Saibamos pois estar preparados para esta graça,
para este sopro divino e assim acolhermos o verdadeiro milagre eterno do Amor
Maior.
Esta capacidade de Deus em se dar ao próprio amor pessoal,
entregando-se assim ao mundo, tem em si mesmo uma presença existencial e
permanente, que nos é dada através da pessoa humana, inserida na sua realidade
pessoal, comunitária e histórica.
Sendo o homem escolhido por Deus como Seu “interlocutor”,
tem também toda a capacidade em O receber enquanto dom. A sobrenaturalidade,
embora se possa pensar muitas vezes o contrário, não reside aqui, o que aqui
está é a existência e a permanência da própria natureza de Deus Trino, numa
dinâmica de criação que atua eternamente.
Assim e partindo de um conceito de Rahner – Teologia da
“Natureza” - chegamos à conclusão a nossa natureza reside neste dom permanente
doado de Deus em nós.
Desta forma, e partindo da liberdade, podemos ser também
capazes, através da ação contra a ordem natural das coisas, de nos desviar de Deus
e odiá-lo profundamente.
Tanto através da Palavra do Evangelho e própria ação do
Espírito Santo, o homem torna-se capaz de se abrir e entregar ao Amor de Deus.
O sobrenatural não vem do amor (per si), mas sim daquilo que
se origina através dele.
A nossa vivência, muitas vezes dolorosa e fatigada pela
monotonia dos dias, faz com que sejamos, não raramente, pessoas a aguardar pelo
dia da morte (!), tornando-nos estranhos e ausentes a beleza da existência.
Por mais que nos esforcemos, não podemos determinar a plenitude
da natureza (amorosa) de Deus. Obviamente que nos é dado a saber que Deus é
Amor, sendo que Nele age, Nele permanece e Nele nasce; no entanto toda a sua
amplitude e capacidade ultrapassa as nossas formas de medição e entendimento.
A transcendência, surge pois, a partir da ação do amor, ou
seja, naquilo que este Amor Maior é capaz de realizar e que se encontra além
das nossas capacidades...
Assim, e devido à liberdade criadora, em toda a sua
dimensão, não somos jamais impedidos de construir a nossa realidade e
experiencia pessoal através da total “independência” e mesmo ausência de
qualquer crença ou culto religioso. Aliás, e partindo da liberdade, podemos ser
também capazes, através da ação contra a ordem natural das coisas, de nos
desviar de Deus e odiá-lo profundamente.
Como ser humano muitas vezes me indigno profundamente com a
capacidade humana para realizar a crueldade, para se entregar ao caminho do
mal. Por natureza somos criados no bem e para o bem, no entanto o sadismo
diabólico revela-se assustadoramente no homem. Impressiona-me ainda mais quando
vejo nestas praticas destruidoras e implementadoras de sofrimento e medo, a mão
criminosa de homens que se consideram “tementes” a Deus e “seus” discípulos,
portanto não que não existam dúvidas: a barbaridade não tem uma morada definida
no mundo...
Fico também atónito com certos “arautos da verdade” que se
apegam mais à religião do que ao próprio Deus, apostando em fechar a crença em
grupos “certamente iluminados” em que não há, nem pode haver lugar à diferença.
Tantas vezes me vem ao intimo a primeira carta de João:
“Quem diz: “Eu conheço-o”, mas não guarda os seus
mandamentos é um mentiroso e a verdade não está nele...”
(1 Jo 2,4)
Na minha humilde opinião, a ausência de Deus em nós não
reside, tão somente, numa total falta e interesse em conhecer o Evangelho, nem
na não participação nos ritos da Igreja, nem mesmo no fato em não se acreditar
em Deus.
A ausência está no pecado, naquele ato que massacra e traz
dano, interior e exterior, a quem o comete, estendendo-se muitas vezes aos que
lhe são próximos e mesmo à própria comunidade em que se insere.
O pecado é desamor, e onde há desamor não há lugar para
Deus. A salvação de Deus dirige-se aos pecados, não se dirige à morte, à doença
ou ao sofrimento, já que estes, embora sejam difíceis de aceitar, não rompem a
relação com Deus; o que quebra a relação é o pecado.
Deus sendo Amor mostra que não é a liberdade que leva ao
amor, mas sim o amor é que se abre totalmente à liberdade.
Este dom do amor pode pois ser acolhido por qualquer pessoa,
crente ou não crente, que viva a vida de uma forma verdadeiramente digna e
justa, é nesta vida concreta e fecunda que se apresentam os que realmente
“obedecem ao Senhor e andam nos seus caminhos”, é nesta retidão que o salmista
vê os que terão paz (cf. Sl 128).
Claro que a missão evangelizadora da Igreja, apresenta a
todos a alegria da Boa Nova, o Cristo que está vivo e que vive em nós (cf. Gl
2,20). Ele que sendo o caminho (cf. Jo 14,6), percorre-o connosco (cf. Lc 24),
fazendo com que abandonemos o orgulho egocêntrico, a cegueira da soberba e a
indecência da exclusão.
Vivamos, enquanto crentes, firmes na fé, centrados no dom da
vida, no sinal que cada um é para o outro, e saibamos retirar da existência a
luz da alegria e da paz para todos.
Olhemos com os olhos de ver, olhemos como “heôraka” (cf. Jo 20,18), um
olhar que permanece vendo, e que vendo testemunha o que vê. Sejamos
inspiradores para o mundo em que vivemos, sejamos como sinais não alheios, mas presentes
no mundo, porque o “Logos” ao
encarnar não se ausentou do mundo, mas fez-se história dentro da história,
mostrando à história que uma nova história pode nascer: o Reino de Deus.
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