O
sacrifício será de certo um dos termos que mais equívocos provoca. Existe quase
que um consenso generalizado que o sacrifício está ligado à “destruição de algo”,
ou seja, que se trata da transferência para Deus de uma realidade preciosa para
o homem.
“ Aprender o que significa: prefiro a
misericórdia ao sacrifício” (Mt. 9, 13)
Na
realidade podemos considerar que a partir desta frase assenta verdadeiramente a
noção de sacrifício para Jesus Cristo.
A
necessidade de o sacrifício estar ligado à destruição é, para muitos
fundamental, já que desta forma, fica demonstrada a superioridade de Deus em
relação a tudo. No entanto a glorificação de Deus não está definitivamente
nesta concepção de sacrifício.
Em Deus
nada de prende com a destruição, nem com a “não existência”, mas sim com um
modo de ser, ou seja, o essencial reside na capacidade de sairmos de um estado
de separação, da aparente autonomia, do existir para si próprio.
O
grande sacrifício do homem está realmente na sua capacidade de viver em
prefeita comunhão com os outros. A humanidade deverá tender para uma “Civitas
Dei”, em que exista a transformação das atitudes no permanente olhar para o
outro, para as suas angústias, sofrimentos, dificuldades… É nesta
disponibilidade total para os outros que reside essencialmente o grande
sacrifício e também o próprio culto.
Esta
noção é para mim a grande chave da salvação para a humanidade. Perante a crise
civilizacional que hoje somos confrontados, criou-se uma nova classe social: os
excluídos. Aqueles que estão à margem de tudo, que são remetidos a uma
indiferença hipócrita e cínica. Existe como uma “justificação” generalizada e
inqualificável, de que pouco ou nada podemos fazer, a velha frase – que mostra
a crueldade do se humano - : “é penoso olhar para eles, mas muitos nem sequer
querem ser ajudados…”, no entanto quantos já lhes perguntaram se querem ajuda,
e quantos mesmo em silêncio já os ajudaram? No entanto queixamo-nos que as
cidades ficam “com mau aspectos ao terem indigentes nas ruas”, como fossem
algo, um objecto a ser limpo das nossas ruas, não temos nada com isso mas não os queremos na rua, não fazemos
nada para mudar a situação (ou então ainda pior, dizemos que não vale a pena)
mas não os queremos nas nossas ruas, vagueando, perdidos de todo e de si mesmo.
Esta é a sociedade do sec. XXI, a sociedade que tem uma ciência desenvolvida,
que se diz sociedade da inteligência e do progresso, mas que progresso é este?...
Como
cristãos deveremos ser aqueles a dar o exemplo, mostrando que não é esta a
sociedade que queremos, e que só através da caridade, na comunhão e no
sacrifício pelos outros é que podemos aspirar a obtermos uma sociedade mais
justa. Esta é a grande mensagem de Deus, que através do Seu Filho Jesus Cristo,
ganhou forma extrema, chegando ao ponto de dar a Sua própria vida por todos
nós, e mesmo assim nada aprendemos.
O que é
mais difícil: ir a Fátima a pé, ou cumprirmos as “Bem-aventuranças”?
A resposta
é óbvia…
Eu
mesmo que já fui várias vezes a Fátima a pé, noto que por mais que me custe,
custa muito mais respondermos a uma pequena parte daquilo que Jesus nos pede.
Os sacrifícios são aqueles que vêm do coração, e que resultam numa atitude
concreta perante o nosso irmão. A história do Bom Samaritano (Lc 10,25-37)
mostra que muitas vezes aqueles que se dizem religiosos, estão bem mais longe
de Cristo do que aqueles que nem sequer o conhecem!
Sinceramente
não encontro outro rumo para a civilização que não comporte a prática concreta
e verdadeira da palavra de Jesus Cristo, só desta forma se poderá atingir a
união universal no amor e na paz.
É nesta
análise que encontramos dentro do próprio “Cosmos” o histórico, ele é movimento
com princípio e fim. Poderíamos analisar de uma forma mais aprofundada estas
noções, como por exemplo Teilhard de Chardin, que no plano moderno da ideologia
evolutiva, descreveu o cosmos como um processo de evolução, um caminho de
uniões, na sua análise o novo significado do culto cristão prende-se com o
facto de a hóstia transformada ser a antecipação do significado real do
Universo. Para ele, a Eucaristia indica quase a direcção do motivo cósmico; ela
pressupõe o seu objectivo, sendo simultaneamente o seu impulso.
É importante salientar o seguinte, na visão cristã, os círculos
pequenos que contêm as vidas individuais, contêm dentro de si o grande ritmo do
Todo. Neste ponto pode-se em certo ponto abordar a questão do corpo e da alma.
A alma individual é única e universal.
Este conceito dos círculos, leva à conclusão
que ao somarem-se leva a que reflectem o grande círculo, ambos são dependentes
um do outro e chegam mesmo a entrelaçarem-se. Ora também o culto tem a ver com
as três dimensões desses movimentos circulares: pessoal, social e universal.
No
culto caminha-se para que Deus aconteça em nós, e este caminho leva à salvação
e à libertação final, a nossa vida agora está ligada com a nossa presença corporal.
O culto olha realmente para o filho que está perdido, e ao mesmo tempo para a
origem de todas coisas.
É
interessante salientar o seguinte, durante muito tempo considerava-se que só os
filósofos de espírito elevado é que teriam a percepção do caminho – havendo
como uma analogia com a doutrina espiritista -. Só eles teriam aptidão para a
ascensão, para a plena divinização, que é a salvação e a libertação do finito.
Este pensamento de que só as “almas preparadas” é que atingiriam de forma
definitiva o “paraíso”, leva-nos em certo modo a essa ligação com a doutrina
espírita.
Nesta
forma de pensar considerava-se que as “almas mais simples” só encontrariam uma
certa salvação através de diversas liturgias específicas, no entanto mesmo
assim nunca atingiriam a verdadeira divindade.
Designa-se
por “Gnosis” filosofias e religiões
que se caracterizam pela percepção (=gnosis), que o verdadeiro poder da
salvação liga-se na forma mais elevada que está realizada na futura união com a
divindade. Para o Cristianismo em processo de evolução, o confronto com a Gnosis (percepção) está expressa na
“luta” pela verdade e definitiva identidade, a verdadeira identidade do
Cristianismo.
Actualmente
a Gnosis está novamente em voga.
Notamos que nas religiões do Extremo Oriente contêm o mesmo modelo base. Os
exercícios de relaxamento e de contemplação mental, surgem como pontos de
acesso para a libertação, eles antecipam por uns momentos a libertação do
finito e possuem por isso uma grande força para um equilíbrio interior.
Na
visão cristã o acto livre da criação precedente a tudo é uma resposta
profunda de liberdade e de amor. Embora a criação tenha factor de acção de
Deus, nem toda a natureza é Deus. Daí que o existir não divino não é, em si,
algo negativo, antes pelo contrário, ele é fruto positivo da bondade divina e
da liberdade concedida, não só ao ser humano, mas à própria natureza enquanto
tal.
O acto
de existir é portanto um acto pleno de liberdade, o amor profundo não tem religião. Como tal mesmo os homens desprovidos
de fé podem, como é óbvio obter a salvação, porque a bondade (que para nós está
também ligada ao “sacrifício” pelos outros) pode realmente ter várias
entidades. Desta forma o acto de livre da criação de Deus corresponde, desta
forma, a uma via em busca da unidade (traço originário) e que esta só tem
sentido através do Amor. Esta é uma das grandes virtudes do Cristianismo. Deus
criou-nos por amor e fez-nos livres, todos (sem excepção) somos filhos do mesmo
Pai. No entanto o nosso verdadeiro sentido de vida está na sua busca, e esta é
alimentada através da oração e adoração.
É nesta
liberdade e no amor que “tudo” assenta, mesmo os não crentes, ao praticarem o
amor e a caridade a quem necessita, estão a adorá-lo e a glorificá-lo. Estes
terão a salvação, e ela acontece (no já agora), portanto buscar Deus é buscar
também a nossa alegria através do amor.
Este “reditus” é no fundo o “retorno a casa”,
que não se dissolve na sua criação, mas na sua plenitude é eterna. Nisto
assenta uma noção que, para nós cristãos, é um acontecimento marcante: “Deus está no meio de nós”. É também,
neste seguimento, que a vida eterna fica clara – conceito essencial para o
Cristianismo.
Nesta
visão mais profunda, à luz do Cristianismo, existem dois “pilares” essenciais
para que toda a realidade cristã aconteça: o amor e a fé. Como cristãos
deveremos olhar para a civilização como forma para a prática diária do bem,
porque se não existir amor não existe liberdade e tudo se inverte.
Desta
forma fica esclarecida a natureza do culto e do sacrifício como processo
simultâneos, em que o amor é a única forma de os sustentar, caminhando de uma
forma livre, mas para o bem de todos, para o bem comum.
A
salvação neste contexto necessita de um Salvador. Ele que é visto como o “Bom
Pastor”, aquele que leva a ovelha perdida para “casa”. Nele vemos o "logos", a palavra interna, o
eterno sentido do universo inerente ao Filho de Deus, que agora se põe no nosso
caminho, adoptando a forma humana (igual a nós) leva, não ovelha, mas o Homem
no seu regresso a casa. O sacrifício opta a forma da cruz de Cristo, do amor
que se oferece vida através da morte, sem relação com destruição, mas sim como
um renascer; como um acto novo de criação. Agora o culto já não está no
Sabbath, mas na Pascoa (“Pasha”) do Senhor, na sua “transição” do divino para o
humano. Por isso é que a Antiga Aliança se transforma na Nova Aliança que é
Comunhão.
Irmãos, o nosso sacrifício não está em acto
externos efémeros, mas sim na prática concreta da Palavra do Senhor, o
nosso maior sacrifício está, por incrível que pareça, no amor total a Deus e
aos outros. Assim através do nosso desprendimento do supérfluo e “mundano”,
seremos capazes de olhar para o outro como para nós mesmos. Só assim o sentido
de sacrifício ganha significado para Deus. Em vez de castigar o corpo deveremos
limpar o nosso interior, deixando que a pureza do Espírito Santo se torne acção
em nós e através de nós.
“Quando
for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32)
Como já
vimos, tanto no Géneses como no Êxodo inicia-se a própria “história do culto”,
ficando bem presente tudo o que está inerente à questão entre substituição e
representação. É importante relembrar que em muitas religiões mundiais,
inclusivamente o judaísmo original, a noção fundamental do culto encontra-se
não na representação mas sim na substituição, facto que não acontece no
Cristianismo.
Na
realidade existe um sacrifício por parte de Abraão. Ele na sua imensa
obediência acede à palavra de Deus, e leva o seu único filho – Isaac – para ser
sacrificado. Ao oferecê-lo Abraão iria perder tudo, o seu único filho e a sua
descendência. Portanto desta forma e através deste sacrifício tudo aquilo que
lhe fora prometido deixaria de ter qualquer sentido. Mas mesmo assim Abraão não
excitou e levou Isaac para o sacrifício capital.
No
entanto, e quando tudo parecia destinado, Deus impede-o de sacrificar Isaac, e
em vez disso, ele recebe um carneiro – um cordeiro – que pode oferecer a Deus
em substituição do seu próprio filho.
Este
cordeiro que aqui aparece, é realmente associado à figura de Jesus Cristo,
aparecendo como a premonição daquilo que iria acontecer, também Deus mostra que
a sua acção é sempre imprevisível, e visa sempre a figura do homem como ser
escolhido. O sacrifício é justificado pela própria prescrição de Deus; é Deus
que lhe dá o carneiro e Abraão mais tarde restitui-Lhe.
Já com
João Baptista vemos Cristo chamado de “cordeiro” oferecido por Deus; no
Apocalipse é descrita a “sacrificação do cordeiro”.
Também
é importante notar que no Êxodo o cordeiro, através do seu sangue, surge como a
salvação dos primogénitos. No entanto aqui existe um carácter repreensível, já
que Deus reclama o primogénito: “todo o ser que sai primeiro do ventre materno,
seja homem ou animal, pertence-me” (Ex. 13,2). Visto desta forma notamos a
relevância dada por Deus à figura do primogénito. Jesus Cristo era o “primogénito”. Também nas cartas de S. Paulo no
cativeiro vemos este ponto bem realçado quando Jesus é designado por:
“primogénito da criação”, e no qual a santificação dos primogénitos envolve-nos
a todos.
Já no
Antigo Testamento notamos que os ritos sacrificiais são postos em causa.
“A obediência vale mais do que os
sacrifícios e a submissão vale mais do que a gordura dos carneiros” – Samuel.
“A fidelidade à Aliança é-me mais cara do
que as imolações, o conhecimento de Deus é mais caro do que o holocausto” –
Osieias.
Na boca
de Jesus esta palavra torna-se mais nítida e cristalina:
“Prefiro a misericórdia ao sacrifício” (Mt 21,7)
O
sacrifício está em nós e a partir de nós, e nunca na substituição de nós e de
nós mesmos por algo que nos é externo.
Já o
primeiro mártir do Cristianismo – Estevão – expôs num discurso radical ao
templo, que marca sem dúvida a pureza da fé cristã: “Eu aborreço e rejeito as
vossas festas; elas desgostam-me, e não sinto nenhum gosto nos vossos cultos.
Se ofereceis os vossos holocaustos e as vossas ofertas, não aceito, nem ponho
os meus olhos nos sacrifícios das vossas cevadas vítimas. Afastai o ruído dos
vossos cânticos, não quero ouvir mais a música das vossas harpas…”
Este
discurso reforça a sua frase em que disse: “Jesus de Nazaré destruirá este
lugar (templo) e alterará os costumes propagados por Moisés”. Portanto os
animais imolados são realmente uma enorme deformação da adoração a Deus.
Estas
palavras vêm dar mais ênfase às palavras de Cristo: “Demolirei este templo
construído pelas mãos dos homens e em três dias edificarei outro que não será
feito pelas mãos dos homens” (Mc. 14, 18). Jesus mostra antecipadamente a sua
própria paixão e ressurreição, a divindade de Deus ultrapassa as paredes do
templo e torna-se definitivamente universal. Aqui o factor não era a real
destruição do templo, mas sim a sua função. Muitos acham que também nas
palavras de Cristo estava uma premonição da efectiva destruição do templo em
Jerusalém - que mais tarde aconteceria (ano 70) - , no entanto, as suas
palavras visam a razão do culto, e da acção dos homens perante Deus, como aliás
foi sempre patente nas suas palavras, do que qualquer premonição de uma destruição.
Para
nós cristãos, esta destruição do templo surge como a concretização do novo
culto proposto por Jesus.
A “palavra” é o sacrifício, ela penetra nos
homens envolvendo todo o sentido da existência, fazendo com que a nossa
essência seja a “palavra” (“logos”).O homem que se transforma em “logos” e se
torna “logos” através da fé. Este é o verdadeiro sacrifício, e só através dele
se realiza a glória de Deus no Mundo.
A
palavra leva-nos ao Senhor e é no cumprimento da palavra que se encontra o
sacrifício, porque só através da prática da palavra encontraremos Deus. Esta é
uma das grandes essências da Religião Cristã. Mais uma vez refiro, o
Cristianismo é um encontro, um encontro com Jesus Cristo, e só O encontraremos
praticando a Sua palavra, tendo sempre na fé o ponto fundamental para a
sustentação de toda a nossa estrutura. É nesta realidade que se comprova que
palavra inerente a Jesus é a Verdade e a Vida, alimentando-se da hóstia feita
amor em Cristo.
Como
dizia o Papa João Paulo II: “Não tenhais medo…”
Para o
Cristianismo de “logos incomatus”
aparece nesta concretização em que a palavra só se realiza quando é realmente
cumprida, quando ela se transforma em carne, atraindo “toda a carne” para a
glória de Deus.
A
“palavra” une-se, através da entrega de Jesus à cruz, em pleno ato de amor, levando consigo toda a realidade do
sofrimento humano. Agora o culto não é substituição, é representação de Jesus
que nos acolhe e nos conduz a Deus Pai que, ao tornar-se Amor, é a verdadeira
adoração a Deus.
O
templo Novo já existe e com ele o novo sacrifício: a humanidade de Cristo,
aberta através da cruz e da ressurreição, a oração em Jesus é uma oração da
Trindade, ou seja, o diálogo do amor eterno.
Realmente
é esta a noção que torna o Cristianismo Universal, ele é o culto a céu aberto.
Não faz parte apenas de uma comunidade local, através da eucaristia a
glorificação de Deus abrange o céu e a terra, e nunca apenas um determinado
local.
O
caminhar da humanidade, rumo a Cristo, é o caminhar de Cristo rumo aos homens.
A sua vontade é o unir toda a humanidade e gerar uma única Igreja, uma única
reunião entre Deus e os homens. Cristo quer abraçar-nos, mas ainda falta muito
caminho a ser percorrido, no fundo “só agora começou”…
A
liturgia cristã é a liturgia do caminho, a liturgia da peregrinação (noção bem vincada
no Concílio Vaticano II) que busca um mundo novo, e que se concluirá quando:
“Deus tudo em nós”.
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