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domingo, 8 de dezembro de 2013

A FÉ DE MARIA



 A manifestação tem na pessoa humana o seu vínculo por excelência, desta forma o homem tem que estar preparado para deixar que Deus se manifeste em si (cf. Mc 13,33-37), devemos pois estar em alerta para o Senhor.

Não posso deixar de debruçar-me um pouco sobre Maria, sobre o ponto de vista deste acolhimento, o seu SIM tem uma profundidade de fé que não podemos de deixar de refletir.
Maria ao ser como nós tem em si mesma uma fé básica e que é onde tudo começa, porque (e não sendo obviamente o caso de Maria) Deus atinge-nos profundamente durante a vida mesmo quando não O conhecemos, ou O negamos.
Assim através da maturidade de uma existência alicerçada na fé, notaremos que a vida é uma relação permanente com os outros e com Deus, a liga-se claramente à marca da confiança.

Educar para a fé tem consigo a transmissão de que viver na fé aponta-se para um alvo: Jesus Cristo. Transmitindo deste modo a beleza que existe em Deus mas também aquela que existe em cada um de nós, já que ao sermos de Deus, temos em nós a marca da beleza do Criador, que por amor extremo se fez igual a nós. Estudos mostram que as pessoas que tiveram uma infância e afeto dado pelos pais, são aquelas que são mais capacitadas de ver realmente o bem que existe nos outros. Daí que a fé inicial requer esforço, dedicação e investimento, aliás sem ela jamais existiria uma verdadeira fé religiosa, e Maria como religiosa que era teria esta percepção bem presente na sua vida.
Ela ao nascer judia partilhava toda a tradição de fé, como todos os ritos e símbolos do seu povo. Neste sentido, Maria entende perfeitamente que Deus se revela no seu povo (o povo eleito), através de um verdadeiro amor preferencial. A sua fé acentua a consciência de ela própria é criatura amada por Jahvé, isto não lhe surgiu, foi-lhe transmitido, fez parte da sua educação.
O Deus de Maria é o Senhor da Vida, Aquele que dá o dom da paternidade e da maternidade. Todas as jovens judaicas, de manhã, rezavam uma oração (Birkhot Hashahar):
“Bem dito tu Senhor que me criaste se segundo a tua vontade...”




Podemos verificar que na Anunciação (Lc 1,26-38), Maria é aquela à qual Deus dedica a Sua confiança e amor, não nos esqueçamos que estamos numa altura histórica em que a mulher era considerada inferior ao homem.
“Alegra-te” diz o anjo, este alegra-te (“Khaire”) que pode também ser traduzido como Avé, é realmente mais que um convite à alegria, Maria deve ter alegria porque ela já está na graça de Deus, Ela é a filha de Sião. Assim Maria reponde o SIM, fá-lo porque sabe que foi tocada por Deus, está pois preparada para receber a graça. Esta é a grande experiência de fé de Maria, profundamente espiritual, mas também baseada numa relação de uma comunhão de liberdades. Ela adere obedientemente, mas fá-lo de forma livre, Deus jamais a obriga a dizer SIM. Nesta passagem de Lucas, Deus “ajoelha-se” diante da jovem de Nazaré... e ela revestida pela sua grande coragem e confiança responde afirmativamente, tornando-se coberta pelo Espírito Santo.



É a fé de Maria que possibilita que Jesus viva, o encarnado nasce efectivamente da conjugação da vontade de Deus e da resposta livre e humana de Maria, Deus procura o “homem” para se manifestar, mas não nos impõe a sua vontade, dá-nos em gratuidade para que o aceitemos.
Na Anunciação está presente uma profunda experiência de fé. concretizada no SIM a Deus, e aqui está a mais bela e plena realização da pessoa. Esta fé demonstrada em Maria é uma caminhada, um processo que se vai aperfeiçoando, no entanto, parte de uma pessoa que já tinha si um processo educativo para assimilar e entender a vontade de Deus, o SIM de Maria não parte de um descobrimento, mas de um encontro com algo que a tendo perturbado (ninguém está totalmente preparado para receber tão grande graça) não a fez fugir mas, mas antes pelo contrario, através da sua experiencia de fé, fez com oferecesse a toda a humanidade a luz do mundo.

A fé não é em si mesma um conforto, na fé temos que aprender que jamais é possível controlar o dom de Deus. Deus chega sempre em gratuidade, atingindo-nos no mais íntimo e fundamental de nós mesmos. Deus ao agir em nós, espera uma resposta, no entanto esta não se faz ouvir, e se alguma vez a damos, infelizmente na maioria dos casos, não é inequívoca, não nos faz comprometidos com Deus, não é um SIM, mas um talvez. Relacionamo-nos com a gratuidade do amor de Deus, numa postura de “negocio”, eu faço se receber... é triste mas é assim que muitas vezes todos nós nos relacionamos com Deus.
Sendo que a fé (o crer) está contida num contexto que nem sempre é fácil explicar, entendeu-se, neste mundo secularista e materialista, colocar a sua reflexão numa lugar longínquo, remetido mesmo a locais próprios.

A fé pressupõe em depositarmos totalmente a nossa razão de existência em Deus, assente numa realidade em que só em amor fazemos esta conexão, numa relação que transborde para todos aqueles que estão à nossa volta.
Claro que a fé liga-se à própria elaboração cultural, como cristãos devemos ter isto bem assente na nossa consciência, não deixemos de educar os nossos filhos para a fé, no entanto surge aqui a questão óbvia:
como podemos apresentar este projecto diferente de vida, como válido (e mesmo fundamental) para a estrutura da vida nos dias de hoje?

“Não sejamos projectos de desventuras” (Papa João XXIII)

Claro que nem sempre se tem feito este apresentação pelo melhor caminho, mas de uma maneira sincera, ao olhar em volta noto com alegria que esta realidade começa a alterar-se. Nestes últimos anos grandes alterações estão a acontecer no mundo, é óbvio que estamos a chegar ao fim de uma época e uma nova irá nascer, também estamos a viver uma alteração cultural do crer. Este é também o tempo em que o Espírito Santo se manifesta, e Este nunca é passivo. Toda a História da Salvação tendo as influências históricas de diferentes épocas, tem no entanto algo que é imutável, todos somos chamados a viver a nossa existência de modo renovado. Não nos tornemos passivos no tempo, mas activos enquanto construtores do nosso futuro, este é dependente de todos e de cada um, daí a necessidade da coragem, da firmeza, da verdade, assentes sempre na promoção da dignidade de todos.

Ter a consciência que o crer está colocado na própria cultura é algo muito importante.

“Sem a fé, não se é capaz de elaborar cultura e qualquer coisa que insira elementos significativos na existência” (Evangelii Nuntiandi – Papa Paulo VI)

“Devemos readquirir o gosto por nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidas como sustento quantos são nossos discípulos (cf. Jo 6,51)” (Papa Bento XVI - Porta Fidei)

A confiança originária, como referia E. Erikson, “prende-se com a família”, nunca esperemos que a catequese na paroquia faça por nós aquilo que devemos ser nós a fazer. O cultivo da fé começa na nossa casa, só desta forma os novos cristão entenderão de uma forma capaz e fortalecida, que a arte de viver centra-se na nossa própria autenticidade. Essa autenticidade que Deus já conhece, porque sendo fonte da vida, tudo o que é da vida Deus aí está por excelência, isto não faz com que nos seja retirado o sofrimento e as amarguras, no entanto abre sempre novos caminhos de esperança perante tantas dificuldades que nos surgem, na vida, nunca, mas mesmo nunca seja permitido fechar a porta da esperança ao ser humano.


“O amor é tão poderoso que sabe tirar proveito de tudo, do bem e do mal que há em mim” (Sta. Teresa de Lisieux).

O cristão deve ser aquele que “mergulha nas suas profundidade”, que investe em si e nos outros, que se renova, que não desiste de encontrar caminhos, mesmo que muitas vezes as portas pareçam fechadas. Somos atingidos pela liberdade concedida por Deus, que sendo amor, jamais pode ser concebido no medo do castigo (nós é que infelizmente nos castigamos, e pior ainda, muitas vezes em nome de um suposto deus), o Deus de Jesus não é aquele que procura a destruição, mas que é fonte da vida. Assim sendo ter a consciência envolta pela fé, faz notar que não basta pertencer a uma estrutura (ou mesmo religião), em que a nossa participação na vida seja passiva, a diversidade das coisas, o tempo e da história não se esgotam, estão em pleno e permanente movimento, e nós enquanto sujeitos da história não podemos ficar na imobilidade face ao mundo,

Ao referir que atravessamos um período pós-cristão, significa que o cristianismo, não estando alheado do ambiente cultural, no entanto muitas vezes movimenta-se apenas através de uma conveniência interna, em que resiste em abrir-se à diversidade, confinando-se, na maior parte dos casos, a um ambiente religioso. Mas é precisamente nesse ambiente em que se dá (ou deveria dar) um aprofundamento da Palavra, levando à promoção e ao seu conhecimento, desta forma a abertura de portas ao dialogo cultural com a actualidade fica mais claro.

“A cultura, segundo a “Gaudium et Spes” é “um estilo comum de vida” que caracteriza um povo e compreende o conjunto dos valores que o animam e dos antivalores que o enfraquecem. É “tudo aquilo, através do qual, o homem apura e desenvolve suas inúmeras qualidades espirituais e corporais, procura submeter o mundo material ao seu domínio pelo conhecimento e o trabalho, torna mais humana a vida social, quer na família, quer na vida civil, e tudo pela via do progresso nos hábitos e instituições.” (22)

Meus caros, o Cristianismo não está bloqueado, no entanto não o podemos “engavetar” nas “prateleiras” do mero simbolismo, é necessário uma expressão da espiritualidade cada vez mais afirmativa. A nossa missão em nos abrirmos ao mundo e à sua realidade, faz com que tenhamos de ser testemunhas em palavras, mas essencialmente em ações.


Tal como Maria foi chamada a cooperar com Deus, através de uma obediência totalmente livre, também nós enquanto baptizados somos chamados a participar filialmente com Deus. A nossa vida deve ser composta por uma existência que se diferencia da tendência atual, isto (atenção) não nos faz melhores nem piores do que os outros, faz-nos sim diferentes.
Jesus que se deu a conhecer na história, fazendo parte integrante da história, não obedeceu jamais aos homens mas sim a Deus, esta junção profunda faz com que Deus Pai se enterlasse Nele nas próprias consequências da Sua livre decisão. A perfeição não provém de uma obediência em serviço, mas sim de uma obediência em amor.
É neste amor que nos devemos focar em toda a ação, é nesta acção de estar com o outro de uma forma totalmente imbuída no Espírito de Verdade, que nos faz diferentes.

Na realidade estamos perante manifestações neo-pagãs na sociedade ocidental, o importante radica no ser pessoal, em que os outros são os outros, aqueles que não conheço e que nem sequer estou interessado nisso, desta forma Deus não entra na centralidade da vida das pessoas.
Nesta atualidade o Cristianismo é, muitas vezes incapaz de estar presente nos símbolos ligados à própria existência, muitas vezes as pessoas concebem em deus, mas não o Deus de Jesus. Jesus mostra-nos a exigência e a responsabilidade perante o Pai e os outros, no entanto só através de um Deus providente, que se apresente próximo na própria existência, não nos fazendo prisioneiros, mas filhos livres, é que o caminho se torna cada vez mais nítido. Deus que nos deu em amor o Seu Unigénito, fazendo com que a Palavra ganhasse um rosto, fazendo-Se escutar no mundo e em cada um, numa Boa Nova, como um caminho de verdade e de vida para toda a Pessoa.
Nesta dimensão tudo ganha um significado diferente, Deus não quer o nosso sangue, mas apela-nos a seguir o percurso a “knose”, e assim assumirmos a efetiva responsabilidade histórica. Jesus Cristo enquanto forma de “knose”, tem em si próprio a condição humana.

É portanto no crer (fé) que agimos e pensamos diferentemente a própria condição existencial. Viver a vida nesta postura leva-nos a ter em Cristo a meta do nosso percurso, ou seja, o caminho que fazemos liga-se intrinsecamente com Aquele que anunciamos. Ao olhar para esta realidade, leva a que todos tenhamos que conceber, segundo as nossas capacidades o caminho, e aqui surge a questão, como o havemos de fazer?







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