Ainda
hoje há um certo problema em debater o impacto profético de Jesus, Deus não
encarnou nas elites (religiosas ou políticas), Ele não pertenceu ao “sábios” do
templo nem aos mestres da lei mosaica. Jesus não veio grande, a sua chegada
veio na humildade e pobreza da Galileia, composto por um povo sofrido com a
ocupação romana e a conivência de Herodes.
“Responderam-lhe eles: “Também tu és da
Galileia? Investiga e verás que da Galileia não sairá nenhum profeta””.
(Jo 7,52)
Nesta
frase do evangelista João notamos que a Galileia não tinha qualquer relevância
para os importantes, o próprio templo também os esqueceu. Jesus faz ouvir a sua
voz absorvido totalmente pelo espírito profético, juntamente com uma grande
astúcia e inteligência. Na realidade ao não fazer parte quer do sistema
religioso, nem da estrutura política, Jesus não teria qualquer “autoridade”, no
entanto a sua mensagem foi profunda e incisiva.
A
“pax” romana do imperador Tibério era algo de inquestionável, o império impunha
uma tributação implacável ao povo galileu. Assim, e com o silêncio de Herodes
Antipas, estavam entregues à sua sorte, ninguém os defendia. Foi neste contexto
difícil que Jesus surge, é ali e naquele jovem que Deus se revela. Submetendo-se
à vontade do Pai, assume sobre Ele a invocação e a ação com o objetivo de
instaurar o Reino de Deus.
A
Sua vida pública é iniciada perante os últimos, aqueles excluídos e esquecidos
quer do império quer da própria religião. Aquela gente estava condenada a viver
na pobreza, em que a escuridão da vida lhes aniquilou a esperança de um “mundo
novo”.
Tal
como hoje, os que estavam fora do esquema do poder não tinham qualquer garantia
senão a sua própria sorte.
Os
próprios “senhores” da lei e do culto do templo estavam mais focados nas suas
atividades rituais, do que na proteção e aproximação do seu povo.
“Quem
se põe a caminho para praticar o bem, já se aproxima de Deus, já está
sustentado pela Sua ajuda, porque é próprio da dinâmica da luz divina iluminar
os nossos olhos, quando caminhamos para a plenitude do amor”
(Lumen
Fidei, 35)
É
precisamente no escuro daquela realidade histórica que Jesus trouxe a sua
novidade profética, a luz que abre o caminho por entre o túnel da incerteza, da
angústia e do medo. Como Nele, é esta audácia da verdade, a coragem contra a
injustiça que nos deve inspirar a todos nós, cristãos de coração, nesta altura
de profunda dificuldade e abandono.
É
essencial notar que Jesus não vem com a intenção de condenar os pecados, mas sim
para humanizar a vida e assim a própria história. No assumir a vontade do Pai, na
Sua dimensão de “logos” encarnado, é que
O faz connosco (cf. Jo 14,6), nele transpira a dinâmica da força criadora de
justiça de Deus, refletida no Amor pela criatura amada, enquanto promotor de
uma vida plena, e não uma vida ferida pelo sofrimento, uma vida-não-vida.
Sem
entrar na questão das experiencias religiosas de Jesus, podemos constatar que é
a Sua condição profundamente humana que marca toda a ação, Ele na Sua humanidade
é o paradigma de uma experiência intima com Deus, abrindo-nos a todos a
possibilidade de a fazer possível nas nossas vidas concretas e singulares.
Infelizmente
muitas vezes transmite-se uma noção de Jesus enquanto juiz castigador, no
entanto Jesus não nos é dado para condenar e castigar, mas sim para ir ao
encontro de todos, colocando como prioridade os que sofrem, os excluídos da
história, os últimos.
Jesus
não se conforma com a injustiça, mostra de uma forma clara que esta é
totalmente contra Deus, Ele é aquele que aposta como ninguém na valorização da
vida, mas não apenas como existência, a sua aposta é numa vida digna em que os
últimos são os primeiros (cf. Mt 19,30. 20,16; Mc 10 31; Lc 13,30), em que
jamais um se deve sobrepor ao outro, porque o outro é igual aos “olhos de
Deus”. O Reino de Deus que Jesus tanto busca, é do que o clímax da humanização
da vida.
Jesus
enquanto encarnação de Deus, vai na sua vida apercebendo-se da Sua condição,
abrindo deste modo o horizonte para uma alternativa de convivência, seguindo a
Deus, não num estilo como o que era feito no templo, mas como experiencia de
Deus, que a todos atrai, para deste modo sermos os agentes na construção de um
mundo mais justo e portanto mais humano. O Reino de Deus é uma forma nova de
entender a vida, não é um lugar, mas uma condição de se entender e viver em Deus
(cf. Gl 2,20), que no entanto se distanciava e ainda se distancia do conceito
comum, do denominado “normal”. Não é Jesus que buscava uma utopia, somos sim
nós que vivemos totalmente à margem do que deveria ser normal, somos nós que em
vez de nos aproximarmos da “suavidade” da vida, vivemos na tormenta da
existência.
“Jesus
disse: “Porque me chamas de bom? Ninguém é bom senão um só: Deus.””
(Mc
10,18)
Ele não
apresenta uma mensagem enquadrada nos interesses tanto do império romano, como do
templo, ele caminha na margem, com os da margem, são neles que Jesus coloca a
sua prioridade de ação, é com eles que quer seguir na sua missão.
Aquela
gente descartada e sofrida, que nada valia, é onde Deus se revela à humanidade,
abrindo-lhes o horizonte para um novo futuro, não “olhando para trás”, mas
avançando para a realização plena do Reino de Deus.
A Boa
Nova está assente na dinâmica em que todos caminhem para a santidade (cf. 1 Pe
1,16), a “luz da fé é capaz de valorizar a riqueza das relações humanas, a sua
capacidade de perdurarem, serem fiáveis, enriquecerem a vida comum”. E fé não
nos torna ausentes do mundo, leva-nos sim a entrarmos nas “suas entranhas”,
vivemos e deveremos viver a atualidade sempre confiantes na ação interpelativa
e renovadora de Cristo.
Seguir
Jesus, o Deus encarnado, é assumir em plenitude a incansável missão para a
construção de uma vida comunitária mais justa e mais humana.
Perante
realidade concreta com que estamos confrontados, não podemos ficar parados, a
inação diante da injustiça, justificada com absurdas justificações
(pseudo-caridosas) para a justificação do sofrimento e humilhação das pessoas,
não se idêntica com a “praxis” concreta de Jesus, antes pelo contrário, Jesus é
mesmo o paradigma da ação; assim e perante um sistema injusto, à custa
principalmente dos que não têm voz, dos mais fracos, dos últimos, teremos de
ser nós, enquanto cristãos, a dar voz a quem não tem, em fazer do seu grito o
nosso grito, em desprendermo-nos do nosso “casulo religioso” e colocarmo-nos ao
lado deles, já que eles são a prioridade de Jesus, e quanto a isto não pode
jamais existir qualquer dúvida. Na inação, aí sim, reside o pecado porque aí
ausentamo-nos da vontade de Deus.
Muitas
vezes discutirmos, questões menores (como por exemplo a ideologia política do
Papa) enquanto ao nosso lado pessoas não têm como colocar comida na casa...!
Não
tenhamos dúvidas:
a maior oração ao Senhor, está na pratica
da verdadeira caridade com os que mais necessitam, esta é a atitude mais
incisiva e concreta para a implementação do Reino de Deus.
Consciência
~ Compaixão ~ Humanidade
A
ciência não tem consciência
a
economia não tem nem sabe o que é compaixão,
os
dogmas do capitalismo neo-liberal são inumanos.
Jamais
a realização do Reino de Deus é possível sem termos bem presente as três
palavras (consciência, compaixão, humanidade) como prioridades em todas as
ações por nós realizadas. Não fiquemos passivos à espera de uma intervenção
divina, sejamos testemunho e imagem de Deus na construção e promoção de uma
nova convivência pacifica mundial, assente no valor da pessoa como o tesouro a
ser promovido. Neste compromisso Deus jamais nos abandonará, porque nós não o
abandonamos (cf. Mt 28,20).
Nada é
irremediável, os fatalismos não têm qualquer razão de ser perante o sofrimento
injusto, o que é verdadeiramente impossível é tudo aquilo leva ao sofrimento, à
exclusão e à humilhação das pessoas. Enquanto crentes, a atração marcante de
Deus tem que levar a que a palavra “irmãos” nos faça aperto no coração. Nas
nossas paróquias não fiquemos entretidos na vida religiosa, e surdos perante o
grito e o clamor daqueles que sofrem, não podemos jamais abandonar à sorte
todos aqueles que desesperam por justiça, sejamos testemunhas comprometidas com
Jesus, sentinelas ativas na concretização do bem comum. Não podemos deixar que
outros escrevam a nossa história, sejamos nós os protagonistas da história, a
“fé é una, porque se dirige ao único senhor, à vida de Jesus, à história
concreta que Ele partilha connosco” (nº ... Lumen Fidei, nº 47).
Assim é
essencial termos presente na nossa consciência a raiz verdadeira da crise que
nos atinge. Pensar que tudo se resolverá com o tempo é um erro, já que as bases
do império capitalista neo-liberal continuam bem vivas e ativas, e estas são
completamente antagónicas com aquilo que Jesus denomina como Reino de Deus
(mais à frente abordaremos novamente este assunto).
Não nos
tornemos pessoas apenas viradas para o aspecto religioso convencional, não
desprezemos a dimensão do problema que hoje enfrentamos, não fiquemos remetidos
a uma filantropia de ocasião, mas façamos da mensagem profética de Jesus a
concretização de um caminho renovado de esperança para todos.
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