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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Nós e a política




A acção de um cristão através da sua disponibilidade em ser testemunha de Cristo, torna-O vivo dentro de cada um. Nunca um cristão poderá estar “sossegado” enquanto as injustiças estiverem presentes no seu quotidiano. Viver em caridade é viver na disponibilidade não só para o outro, mas para o mundo inteiro. Temos pois a obrigação de agir diariamente com justiça e fraternidade, em que a bondade não seja apenas uma palavra (utópica), mas sim acção concreta. Obviamente que este é um desafio difícil, mas ser cristão não se prende a uma noção de facilidade, antes pelo contrário, está sempre inserida a imagem do sacrifício do reencarnado que se mostra a nós e que nos pede para sermos com Ele.

Quando abraçamos a Liturgia da Palavra e a concretizamos em acção concreta, esta pode também levar, em certos casos, a um desvirtuamento da própria essência litúrgica o que é sempre um risco e mesmo um perigo. As injustiças e os fanatismos em nada se enquadram na imagem de Jesus Cristo.
Verificamos na actualidade que “em nome de Deus” se praticam os actos mais magníficos, como também os mais cruéis. É incrível como a palavra de Deus - em pleno séc. XXI - justifica os conflitos mais absurdos e injustos. Em “nome de Deus” se fazem guerras, em “nome de Deus” se cometem crimes, enfim a linha entre o bem e o mal, embora esteja bem visível, está sempre a ser “calcada” e nós cristãos muitas vezes nada fazemos, chegando mesmo a apoiar e a justificar o absurdo da violência.
A citação de Ghandi – “Eu seria cristão, sem dúvida, se os Cristãos o fossem vinte e quatro horas por dia” – é sem dúvida uma verificação de em facto incontornável, o Cristianismo é uma opção, não só de atitude de adoração, mas de postura de vida concretizada na verdade, em que a expressão se reflecte no próximo, porque lá está Cristo:

“Vinde, benditos do meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e deste-me de comer; tive sede, e deste-me de beber; era estrangeiro, e hospedaste-me;
Estava nu, e vestiste-me; adoeci, e visitaste-me; estava na prisão, e foste ver-me”
(cf. Mt. 25, 34-36)


O amor de Cristo está dentro de nós através do Espírito Santo, ao interiorizarmos esta noção poderemos então mudar o rumo da civilização. Tal como necessitamos da presença de Deus para a vida, também Ele necessita da nossa acção para que, através de nós, Ele se realize verdadeiramente entre todos. As manifestações divinas acontecem maioritariamente no nosso interior através da acção do Espírito Santo do que no surgimento de fenómenos sobrenaturais (cf. Lc. 8, 48). Claro que a manifestação de Deus será sempre independente da nossa acção, para Ele os impossíveis não existem, no entanto o grande desafio é pessoal (íntimo) e prende-se com a nossa própria acção na fé. Olhar para Jesus é olhar o caminho, é com Ele que encontraremos a glória eterna, sendo que este caminhar assenta sempre no termo estruturante de tudo: o Amor.
Nunca “em nome de Deus” poderemos justificar a guerra e a violência, a justiça está na demonstração concreta da nossa acção à luz da Palavra. Infelizmente esta coragem começa a escassear já que a realidade que nos é apresentada remete-nos para a crueldade pura do egoísmo, em que o que interessa é que “eu esteja bem”… 

“Para que esta mudança possa ser operada, ela tem que ser realizada, muitas vezes, dentro da esfera política, como tal a praxis política tem todo o sentido dentro da Liturgia”.

A Igreja tem de ser vista pelo mundo como uma entidade que “combate” por uma sociedade mais justa, em que a consciência colectiva – mesmo apesar das suas diferenças culturais e religiosas – tenha aqui local de esperança para uma definitiva solidariedade humana. Como nos mostra o Evangelho, os caminhos estão abertos, Ele não responde somente por si. O Evangelho necessita de ser “alimentado” pela nossa fé, para que se encontre as respostas adequadas às situações que a cada momento nos vão surgindo. Mais do que em sociedade temos que viver em perfeita comunidade, este é o grande “Projecto da Existência”.

O Cristianismo nunca deverá estar associado à busca de poder, ele está na sugestão de valores que estruturem o bem comum. Só com uma fé forte, baseada na verdadeira adoração de Deus, conseguiremos alcançar o Amor Comum. A oração nunca poderá ser o “esvaziamento em algo”, antes pelo contrário, a oração e a contemplação assentam numa relação interpessoal. Embora muitas vezes oremos sozinhos, não oramos em solidão, porque a ela remete-nos para o Senhor, para a sua ressurreição e para o Todo. Daí que esta noção pressupõe, à luz dos “valores actuais” (em que o materialismo ganha um relevo extremo), um esforço e persistência grandes. Aqui surge o sacrifício da opção, em abdicarmos de satisfações instantâneas e egoístas, para a basearmos a nossa vida no serviço. Viver, tendo em linha de conta o bem comum, é tarefa cristã.  



Uma das frases de Cristo que mais assume um carácter de sacrifício está em “amar os nossos inimigos”. Esta é uma concepção difícil para o ser humano; e, reforçado pelo contexto político actual, surge mesmo como inconcebível. Pois é por esta razão que a acção cristã, embora tenha sentido numa actuação dentro do universo político, ela na realidade nunca poderá estar ligada a uma ideologia política pré-concebida. O carácter de liberdade no culto ao verdadeiro Deus exprime a sua origem. A função de um Cristão deverá ser sempre independente, a sua ligação deverá focar no alcance de Deus entre os homens, e no Seu projecto de amor como projecto de civilização, é para lá que devemos tomar o nosso caminho e encontrar a nossa inspiração cívica e mesmo acção de argumentação política.

Não me revejo propriamente em nenhuma ideologia, porque em todas vejo pontos nos quais aos quais apoio, como também em todas vejo pontos em que nada faz sentido perante os meus olhos.

A acção cristã está precisamente na negação do poder, expressando-se sempre em favor da dignidade do homem, em todas as suas vertentes. Muitos dos problemas actuais necessitam de resolução urgente, daí que o cristão através da sua fé, deverá ser pessoa presente, no aqui e no agora – afinal o “oitavo dia” já começou -.

Também a praxis política deverá estar virada para a cruz, para a ideia do crucificado que morreu por nós para nos libertar do pecado. A ideia de um mundo fraterno e justo não é pura utopia – é Verdade. No entanto o fim do caminho ainda está longe, daí que ao desviarmo-nos do caminho estamos a adiar a salvação plena do mundo. O mundo ocidental, com o seu sistema neo-liberal (quase incontrolável), desviou o homem para um plano secundário. Infelizmente notamos que os problemas sociais em vez de terem uma resolução digna, vêm agravando-se, podendo levar a um colapso civilizacional.
É urgente que os ricos e poderosos entendam que os pobres e fracos são iguais nos direitos e deveres, sendo sempre também iguais aos “olhos” de Deus. Sem ajustarmos estas discrepâncias, cada vez mais notórias, o mundo vai-se “asfixiando”.
A necessidade de olharmos para o Senhor é realmente uma necessidade fulcral, porque só Nele e com Ele encontraremos as respostas. Sendo que elas estão inseridas dentro da Palavra do Evangelho, no “logos” encarnado que se fez presença de amor eterno e manifestação divina da verdade entre nós. Com Ele o “Céu desceu à Terra”, mostrando que o sentido da origem da criação de todas as coisas assenta verdadeiramente na Vida e na sua dignificação.








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