“Assim como o Pai me tem amor,
assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. Se guardares os meus mandamentos,
permaneceis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do
Pai, também permaneço no seu amor. Manifestei-vos estas coisas, para que esteja
em vós a minha alegria, e a alegria seja completa.
É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos
amei. Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos amigos. Vós sois
meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. Já não vos chamo de servos, visto
que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas vós chamei-vos
amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai.
Não fostes vós que me
escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e
fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo
concederá. É isto o que vos mando: que vos amais uns aos outros.
(Jo 15,9-17)
Passar
de mim mesmo para o outro, através de uma postura aberta e fraterna ao mundo,
encontra-me com sabor da liberdade, aprimora o autoconhecimento e clareia o
espírito, fazendo da vida lugar em que Deus não esteja remetido num pensamento,
mas na razão efetiva da vida. Cada vez mais estou convencido que é no dar-me
que melhor me conheço…
Desta
forma o amor ultrapassa o afeto, mostrando que a tal “felicidade suprema” que
tanto se busca, só tem uma morada: Deus.
O papel
da família é assim essencial, uma criança (como já abordamos) vê esta ligação
ao absoluto de uma forma natural, ela deseja ser tocada pelo conhecimento, mas
também (e em maior intensidade) pelo amor. Ao apresentarmos Jesus a uma criança
é abrir-lhe a mente para o transcendente.
Desta a
tarefa catequética é fundamental, só com persistência em abrirmos ao jovem o
exercício espiritual teremos adultos apaixonados pela espiritualidade, em que o
acolhimento de Deus se apresente como um desfrute do próprio espírito (cf. 1
Cor 2,4; 1 Ts 2,13).
A
obediência, infelizmente ainda hoje tão mal entendida, está na nossa acção em
relação a Deus através dos outros, este é o próprio cumprimento da palavra de
Deus, como o texto de S. João refere no início deste capítulo.
Olhar
para o homem na sua totalidade, implica respeitar as suas singularidades,
porque é no desrespeito pelo outro que se rompe a possibilidade para a
realização de uma moral que seja verdadeiramente válida. Noto com tristeza que
muitos que se dizem cristãos, são bem mais corajosos na crítica do que na
caridade.
“Se alguém causou tristeza, não
foi a mim, mas, de certo modo – não quero exagerar – a todos vós. Basta a esse
homem a censura que a comunidade lhe infligiu. Agora, porém, é melhor que lhe
perdoeis e o consoleis para que não sucumba ao peso de demasiada tristeza.
Peço-vos, pois, que tenhais caridade com ele”
(2 Cor 2,5-8)
Com
Jesus são-nos abertos sinais que ultrapassam barreiras, Ele aponta para um
caminho de unidade, em que somos “compatriotas” uns dos outros, o universalismo
da mensagem cristã não pode ser reduzida a grupos restritos. Mais do que
modelos filosóficos que busquem a obtenção do sentido último das coisas,
necessitamos, neste início de milénio, de uma filosofia que se centre
totalmente no ideal do bem comum, numa razão que se enquadre na visão não do eu, mas no eu com os outros, sem qualquer tipo soberba, e sim na humildade
sincera em relação a cada um, à beleza de cada um. É nesta humildade que
encontraremos a própria beleza de Deus – “Felizes os pobres em espírito, porque
deles é o Reino do Céu” (Mt 5,3) - que muitas vezes está na escolha de uma vida
em dádiva.
Nesta
abertura de espírito são-nos colocados diante no nosso horizonte os valores
assentes na verdade e no amor.
Deus
como fonte do próprio amor admite-nos na Sua eterna misericórdia, daí que a
comunhão de todos, na realidade histórica, só é possível a partir do chamamento
que nos é externo e nunca a partir das nossas capacidades limitadas, é Deus que
actua no “eu” fazendo agir, vendo assim tudo de uma forma límpida e renovada.
Tal como S. Paulo na viagem a Damasco (cf. Act 9,1-18), necessitamos muitas
vezes de abrir a visão ao “coração”, a observar que realmente o caminho não é
aquele que estamos a percorrer, mas outro que Deus nos indica (e muitas vezes
sempre indicou) mas que por ser muitas vezes mais “exigente”, passamos a vida a
recusá-lo.
Aceitar
Deus como Deus é fundamental…
Reparemos
que muitos que têm uma ideia firme de Deus, compreendendo mesmo a sua vida
neste núcleo centrado a partir d´Ele, muitas vezes vivem numa angústia
permanente, não aceitando a naturalidade das coisas, colocando-se mesmo na
incompreensão (senão mesmo acusando Deus) da existência de manifestações
naturais em desfavor do homem. Este facto acontece porque muitas vezes não
aceitamos Deus como Ele é, mas sim como gostaríamos que fosse. Deus sendo Amor
é também relação da abertura à liberdade.
Pessoalmente
sou incapaz de compreender a totalidade de Deus porque, e como dizia S.
Anselmo, “está além do pensável”, mas de uma coisa estou certo:
ao encontramos Amor de Deus na nossa vida,
leva a que a abertura de espírito ao silêncio, à oração e à contemplação seja
fundamental. Mesmo nos momentos mais difíceis, ou naqueles em que mais longe
Dele estou, Deus sempre se faz presente…
Na
actualidade tem-se notado que tanto o relativismo como o positivismo não
conseguem responder, de uma forma capaz, aos anseios da humanidade. Uma
corrente de pensamento que não contemple a globalidade da pessoa (em todas as
suas dimensões) nunca poderá ser caminho a ser percorrido. Uma forma
individualista, em que o modelo esteja somente limitado ao “eu”, ao “eu” que
decide conforme as circunstâncias ou que em circunstâncias idênticas reaja de maneira
diferente é colaborar ativamente para o caos, assim como a busca somente do
cientificamente comprovável torna a vida estranha, envolta num sistema em que
não passaremos de um número ligado a estatísticas.
“É com
o nosso egoísmo que se constroem barreiras com que nos isolamos e excluímos
aqueles que nos são diferentes. (…) Seria, por exemplo, um contra-senso
querermos estar unidos a Jesus e, ao mesmo tempo estarmos divididos entre nós,
comportando-nos de uma forma individualista, indo cada um por sua conta,
julgando-nos ou até excluindo-nos uns dos outros”
Chiara Lubich
(9)
“Nenhum
homem é uma ilha”, somos seres em relação, sendo que esta
permanência não se faz somente com os outros, mas também com o próprio Deus -
Ele próprio é relação -. Na interiorização desta noção sentimo-nos ligados ao
mistério pascal de Jesus, em que Deus atinge o Seu ápice culminando na própria
compreensão de toda a Palavra que se revela na própria Pessoa de Jesus, como “Logos” encarnado, que ao cumpri-La dá a
Sua vida por todos (1 Ts 5,9-10), apontando para a criatura amada o Amor do
Pai.
Assim
a dignidade humana é para o cristianismo um valor incontornável, ao qual não
podemos jamais viver ausentes desta missão. A defesa dos direitos humanos é
parte integrante da própria doutrina cristã, no entanto, no mundo ocidental
criou-se “anti-corpos incompreensíveis” partindo da própria laicidade dos
estados, não enquanto local de convivência, mas em lugar de permanente oposição
à religião, em particular ao catolicismo. Desta forma a ética, e em particular
ligada aos direitos humanos, têm sido também enquadrados dentro do positivismo.
Claro que o positivismo tem ligado a si muitíssimos pontos fundamentais para o
progresso da sociedade, no entanto não
são as constituições, só por si, que criam a ética/moralidade. A moral tem
raízes bem mais profundas, portanto enquadra-las somente dentro dos meandros
positivistas leva a que a sua regulação fique extremamente estreita.
Claro,
que visto neste prisma, o relativismo poderia aparecer aqui como uma solução
viável, já que ao apelar à tolerância, poderia facilitar as coexistências
culturais, reconhecendo assim os valores uns dos outros. No entanto o problema
surge quando o relativismo, contra a sua própria natureza, se assume como
“solução absoluta”, retirando fatalmente valores fundamentais da esfera ética e
estruturante do ser humano. Numa acção deste tipo, somente o calculável e
demonstrável, assumia-se como única noção valida, no entanto existem questões
vitais, que nesta conceção, seriam colocadas num universo subjetivo, sendo
mesmo questionadas e postas em causa no discurso relativista. Se somente aquilo
que tem validade científica é dado como válido, e portanto factor estrutural
ético, tudo o que não está dentro deste discurso entra na esfera do relativo.
Assim dentro desta subjectividade colocar-se-ão questões fundamentais para o
ser humano como: as decisões sobre a vida, a família e tantas outras.
Para
Hans Jonas a responsabilidade social liga-se à tomada de consciência para uma
nova reflexão sobre os princípios da ética. A responsabilidade tem de se
centrar, não somente no âmbito da nossa acção na busca de respostas, mas também
num conhecimento enquanto elemento integral e vital na acção individual. No
entanto esta acção não pode somente visar o indivíduo (na sua condição
puramente individual), mas sim enquadrada num contexto que vise a utilidade
global. Uma acção que esteja atenta, batendo-se contra possíveis fatores que
potenciem as injustiças e malefícios para o mundo, é uma ação realmente
responsável na construção de um caminho de coesão e integração social.
Ter
uma consciência cristã da realidade concreta da vida, não trás consigo
facilitismos, quem assim achar está enganado, a exigência que nos é pedida por
Cristo é muitas vezes envolta em renúncias e em entramos muitas vezes em
caminhos difíceis, mas no que entanto são nestas renuncias e caminhos que
encontraremos as verdades para uma sociedade nova, onde o seu fim aponte para a
felicidade comum.
Já
no Génesis com Adão e Eva, notamos que o homem tenta sempre ultrapassar Deus. O
fato de sermos à “semelhança de Deus” (cf. Gn 5,1), não nos faz deuses, faz-nos
capazes de relacionarmos com Ele, é o nosso espírito e também a inteligência
que nos faz capazes de Deus.
Em
Cristo esta relação, esta Aliança renova-se e torna-se Comunhão, uma comunhão
baseada no amor e na misericórdia eterna. É impossível separar a Sua existência
da Sua Palavra, Ele nunca deixou de se fazer presente na vida comum, na missão
por revelar a verdade realizou-o num prefeito contexto histórico. Este mistério
de Deus, que nos acompanha na história, eleva-nos a criatura amada.
Esta
presença permanente de Deus sempre me tocou profundamente, não tendo mesmo
palavras para explicar esta tão grande maravilha, no entanto a Sua proximidade
é sentida profundamente. Deus jamais nos abandona, a Sua acção faz-se
continuamente na história, o Seu Espírito está sempre actuando e
interpelando-nos a Ele, porque só Nele nos completaremos e veremos tudo de uma
forma completa:
levanta-se
de entre os mortos,
e
Cristo brilhará em ti»”
(Ef
5,14)
Na realidade noto que muitos buscam na sua acção cultual uma relação extremamente egocêntrica, em que todo vá ao encontro apenas dos seus desejos, deixando de parte o compromisso da comunhão. Tudo se concentra em desejos pessoais, muitas vezes imediatistas, levando, perigosamente, a própria religiosidade para uma dispersão, aparecendo, deste modo, como uma “fuga” pseudo-contemplativa da realidade, concentrando tudo em si e muito pouco nos outros. É necessário buscar Deus como aspiração à comunhão, assim ao sermos passivos à entrada d´Aquele que nos interpela e nos “ilumina” (Cf. Jo 14,6), a comunhão orienta-se numa entrega total para Deus. Amar Deus é deixarmo-nos entregar nos Seus “braços”, em que a nossa vida terrena seja uma permanente busca pelo Senhor, que é a fonte da própria virtude.
Nesta
vida atual alheamo-nos muito de Deus, buscando apenas a satisfação pessoal
(muitas vezes materialista), como sentido de vida, em que tudo se remete aos
anseios momentâneos comandados por tendências pouco interessadas na verdade,
mas na pura satisfação de desejos, e muito pouco da consciência. Isto paralisa
o homem, e com ele a própria sociedade, já que deixa de pensar o futuro de uma
forma construtiva, remetendo-se apenas em responder ao momento, muitas vezes
com pouca reflexão e aprofundamento consciente das coisas.
Assim
no contexto da crença, nunca deveremos estar em antagonismo com as verdades da
razão, da filosofia, da ciência, da história e da própria ética. O racionalismo
é sempre um caminho ao qual se deve estar atento, no entanto este facto muitas
vezes leva a que se retire o “coração” nesta busca da verdade das coisas. A
relação com Deus tem sempre consigo um mistério, uma atracção que se fortalece
na fé e que nos faz contemplar. A fé ilumina a razão, no entanto ela reside no
Senhor, nesse “fogo” que nos atinge no coração (cf. Lc 24,32) e que nos leva a
fazer caminho colocando-nos nos “braços de Deus”. Não nos deixemos somente
levar por um caminho em que tudo tem que ser comprovado, deixemo-nos ser
tocados pelo Senhor. Uma visão somente voltada para o resultado, para a prova
de tudo, leva ao empobrecimento da natureza das coisas, a razão não está
somente com o positivismo, remetermos todas as realidades neste nível podemos
sem dúvida aumentar o saber, mas não a nossa sabedoria.
A
negação da necessidade do transcendental fez com que o homem se achasse mais
autónomo, no entanto, ao contrário do que seria expectável não trouxe a sua
realização suprema, colocando-o num estado de permanente angústia. A noção
cristã insere o homem na sua mais plena liberdade, em que a vivência se torne
fecunda. Fazer do culto cristão uma burocracia ou mesmo um ritualismo sem a
adesão espiritual, é liquidarmos a beleza da boa nova, dada por Cristo, o “logos” encarnado, Aquele que nos
mostrou o alcance da Palavra. Embora não partindo da mesma substancia de Deus,
somos criatura amada por Deus, criados “à Sua imagem e semelhança” (cf. Gn
1,27; 9,7). O homem necessita de Deus, Ele é a razão da existência, esta
necessidade provoca a resposta, sendo que esta tem que se enquadrar sempre no
amor, porque é no amor que Deus que se revela; assim e através desta relação a “pneuma” abre-se, levando a que a
concretização da resposta seja total - “Não tenhais medo! Abri as Portas a
Cristo” (11)
-
sem receios mas como a causa última e fundamental da nossa existência, numa
relação que se concretiza da própria história individual e coletiva.
“A unicidade absoluta de Deus, que se une à humanidade de Jesus, para aparecer, serve-se da relativa unicidade dada pelo fato de esta personalidade histórica ser homem (…) É-se, pois, forçado a dizer que, porque Jesus é verdadeiro homem e valor universal e abstrato das leis fundadas na natureza humana participa nele na sua assunção na união com a pessoa do Verbo divino”
A contemplação de Deus contempla toda a criação, criando-se assim uma atracção (“Eros”) que caminha em direcção ao amor (“Ágape”), só no amor encontramos Deus, porque Deus é isso mesmo: Amor (Cf. 1 Jo 4,8). Daí que a caridade seja realmente uma questão essencial e fundamental de todo o cristianismo, não devendo somente estar nos meandros da retórica, mas como forma central de toda a vivência Cristã.
Toda a
Sagrada Escritura visa a salvação pelo amor, Cristo não foi crucificado por
capricho de Deus Pai, na paixão aparece-nos Jesus a demonstrar de uma forma
extrema o amor de Deus.
A
divinização de realidades imanentes ao mundo tem colocado o homem na constante
perca da sua liberdade, ficando escravizado pela própria realidade… Aceitar
Deus como realidade transcendente e diferente do mundo, faz com que nos
libertemos das realidades mundanas e nos elevemos em direcção da verdade, que
anima a vida e lhe dá um sentido de beleza ao qual não nos podemos alhear. Só
num “olhar” para Deus como Deus é que nos leva (aqui sim) a relativizar a nossa
própria realidade, e tenham a certeza: passamos muito mais tempo no redor de
futilidades do que na entrega à busca daquilo que é essencial.
Mesmo
aqueles que rejeitam o sentido de Deus, ou mesmo negam a sua existência, não
deixam notar que o futuro da humanidade está ligado a uma responsabilidade
“superior” assumida pelo sujeito resultando assim no equilíbrio da de toda a
existência. A responsabilidade ética deverá assentar na promoção de princípios
coerentes como a preocupação centrada numa
praxis (social, económica e política) com a experiência do serviço
inserida, não como voluntariado (esporádico), mas sim numa posição apostólica
em relação a todas realidades. Todo o serviço deverá ser realizado através de
uma orientação intelectual, moral e emocional, em que o foco resida sempre no
outro. A “purificação” através do encontro com a ética resulta “num deixar ir”
com responsabilidade, numa postura de abertura sem que no entanto percamos a nossa
racionalidade humana, exaltando uma expressão assente na promoção da justiça e
fraternidade entre todos.
Neste
sentido aparece a conversão, sendo que para muitos será mesmo mudar de forma
radical a sua forma como encara a realidade, contribuindo assim para uma
mudança do mundo, desistir desta postura é “cair” na ignorância, medo e
desespero.
Não
tenhamos dúvidas que o homem contemporâneo nega a existência de verdades
absolutas. É pois urgente superar este racionalismo unilateral e encontrar a
razão da vida, numa concepção mais ampla da consciência, buscando mais a
sabedoria humana do que o saber restrito a uma realidade concreta.
A razão
sustentada pela fé é a base da natureza moral cristã, no entanto, aqueles que
não têm fé ao apoiarem-se na natureza humana provida de razão como indicativa
para um comportamento ético é importante e positivo, porque neste contexto a
posição da Pessoa aparece claramente
dignificada. Assim o caminho entre crentes e não crentes no desenvolvimento de
uma civilização viável deve assentar na fundamentalmente na dignificação da
liberdade do individuo como Pessoa,
respeitando todas as suas dimensões.
Esta
relação com o outro talvez nos torne mais exigentes, já que na visão cristã o “logos” mostra-nos claramente o conceito
de justiça enquanto ato supremo da misericórdia divina pela humanidade. A moral
assenta no Senhor, fonte de vida eterna (cf. Jo 4,13-14), que através do Seu
testemunho chama-nos a esta moral em todas a realidades do mundo.
Hoje em
dias somos confrontados com realidades especulativas nas mais diversas
realidade, reparemos que as especulações dos mercados financeiros não estão
somente nesta oposição à moral cristã, como também na própria numa contraposição
de conceitos éticos que visem a dignidade total, já que a ela está subjacente
na maior partes das vezes algo ao qual não faz parte da nossa forma de estar no
mundo: a mentira, e onde esta se encontra NUNCA se encontra Deus.
Muitas
vezes testemunho certas manifestações de uma suposta “moral cristã” que mais
não são do que a exposição de sentimentos egoístas (em relação a Deus e ao
mundo) e mesmo recriminatórios, em que o olhar para o outra é realizado de uma
forma fria e inserida em anseios pessoais, em que na realidade pouco ou nada
apontam para o Senhor, centrando-se num moralismo exclusivista e perigoso, já
que entra nos meandros do maniqueísmo o que retira beleza e abrangência à
mensagem de Cristo descrita nos Evangelhos. O fato de buscarmos o outro, não
nos leva à relativização de valores, mas sim partindo das noções básicas
cristãs saibamos encontrar a força para sermos testemunhas de novos caminhos,
numa postura de exemplo – Cristo não se remeteu à retórica, Cristo disse e fez
-. Quem vai com uma fé esclarecida e de coração aberto encontrará sempre as
respostas para as situações a que a vida nos vai colocando, quem sustenta a sua
fé em “areia” fecha-se no seu mundo, em que apenas entrarão os que lhe
agradarem. Estes caminhos na busca de supostas “purezas” sempre estiveram
presentes na história da Igreja, retirando-lhe a sua função essencial: Servir.
“Quem diz: «Eu conheço a Deus», mas não
guarda os Seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele” (1 Jo 2,4).
A ligação primária à lei natural, aceite por muitos não crentes, é realmente o ponto de partida para um diálogo que urge cada vez mais, já que não se fica somente nos meandros positivistas, sendo que notoriamente há a noção da existência de algo mais profundo e mais orientado ao homem do que uma posição encerrada no interior do comprovável. Reparemos que um Estado, só por si, não dá todos os direitos, nós temos direitos “transcendentes” anteriores à “imanência” do Estado. O direito natural tem pois uma posição mais elevada do que os próprios direitos humanos, sendo que estes devem servir para que possamos ter a legitimidade de nos opor às injustiças, assim a própria formação das constituições tem de se apoiar neste direito natural.
Ao
contrário do que muitos pensam, “Deus não se impõe, Deus propõe-se e interpela
o nosso coração e o coração de todos os homens”. Deus ao manifestar-se em nós
leva-nos a transbordar para fora o Seu amor doado, não só na manifestação de
amor que Lhe prestamos, mas também no amor revelado e concretizado em relação ao
próximo, elevando assim a humanização do mundo. Fazer do encontro com o outro
lugar central para o encontro com o próprio Deus é fundamental, daí que a
disponibilidade ao serviço a quem precisa é fator identificador de todo o
cristão.
Infelizmente,
e como afirma Groys, “vivemos numa regra democrático-individualista, em que
cada pessoa é, em si mesma, um «estado totalitário»”, este é pois a
descaracterização da pessoa, colocando-nos no puro egoísmo. A moral ausenta-se
da sua profundidade, já que todo é confinado à própria noção individual da
realidade, legitimando deste modo todas as tomadas de posição, não visando
valores absolutos, mas sim interesses pessoais contidos dentro de um espaço
temporal ínfimo, do estilo: “é bom enquanto durar e me satisfazer, porque assim
que deixar de me interessar descarto”. Esta noção egocêntrica do mundo leva a
que as próprias relações interpessoais também se relativizem, não apostando em
compromissos mas em satisfação pessoal, não existindo espaço para o perdão e
para o sacrifício (num sentido renovador e nunca de holocausto), já que
“sacrificar-se pelo noutro será visto como um absurdo”…
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