Os
primórdios das comunidades cristãs foram sempre muito sensíveis ao conceito de
resgatar todos os seres humanos, no entanto hoje, somos levados a constatar que
a Igreja não conseguiu introduzir no mundo o princípio da compaixão, como a
grande herança deixada por Jesus.
A
Igreja, enquanto Corpo de Cristo, deverá apresentar-se como lugar de
antecipação de um futuro renovado, que não faça exceções a ninguém, trazendo
consigo a para todos os que vivem no escuro da desesperança.
Não podemos
fazer ouvidos surdos a teólogos como Metz e outros, que apostam numa “praxis”
mais ativa por parte de todos na busca de um futuro melhor, sendo que a
eclesiologia tem que concentrar a sua reflexão, de uma forma mais vincada, na
ação de Jesus.
Esta
opção mais pratica não retira de forma alguma o sentido transcendental e
místico que o encontro com Cristo desencadeia, uma completa a outra. Rahner e
Metz não se desligam, não há cristianismo sem misticismo, mas também não há cristianismo sem “praxis”, estes
dois elementos completam-se mutuamente.
Concordo
com Metz quando refere que a doutrina cristã relativizou a própria questão do
sofrimento, focando-se, talvez em exagero, na problemática da culpa (do
pecado).
Aquilo
que a sociedade global nos apresenta, é uma enorme surdez perante casos
concretos, como por exemplo, a morte atroz de crianças devido a guerras, a
doenças (perfeitamente curáveis no mundo ocidental), daquelas que são sujeitas
à escravatura, trabalhando muitas vezes para marcas de prestigio!
Temos
que nos levantar contra esta mentalidade embriagada de livros de autoajuda,
repetitivos e pouco abertos à ajuda ao outro, somos os eucaliptos da história,
vivemos centrados em nós, sobre os nossos problemas e angústias. É habitual
escutarmos dizer “que o importante é o ser
em vez do ter”, sendo no este ser é
colocado no eu e os outros e não no eu
com os outros.
Mesmo
no ambiente religioso, gostamos de fazer pelos outros, mas adoramos o reconhecimento
pessoal da ajuda, assim na na mínima contrariedade entregamos “em bandeja” a
fatura da “ajuda”, é um ser que se
engana a si próprio, já que somos para os
outros com a ambição pessoal de vir a ter. Somos, quer queiramos ou não,
avessos à ideia de caridade enquanto expressão de um amor gratuito, de um dar sem
esperar retorno.
Somos
influenciados por um secularismo que se coloca sempre como limpo e puro, como
eticamente mais elevado, um secularismo que tresanda de sobranceria. O mundo ao
caminhar de “braço dado” com o neoliberalismo, faz com que a própria democracia
desapareça, já que o poder verdadeiro provém de um rosto anónimo que tudo
comanda, que tudo influencia, que tudo faz, mas que não sabemos quem é e quem
são. Esta espécie de força anónima, sem rosto humano, é o presente do
secularismo atual, que se acha que acima de tudo e todos, agindo no tempo e com
o tempo, esperando que este se encarregue de fazer esquecer... Tudo se tornou
relativo, até mesmo realidades como o sofrimento e a vida entraram na
abrangência do relativismo, a vida tornou-se relativa (!), tudo depende da
conveniência da altura.
Nós
cristãos, inseridos nesta realidade, estamos alheados da compaixão, vivendo
numa ilusão religiosa de que somos os inocentes. Fugimos do “olhar” compassivo
de Deus, preferindo o negocio, alimentado pelo culto de circunstância.
Esquecemos que a “economia da Salvação” não é regido por regras de mercado (cf Mt
20,1-16).
Peço a Deus que o “olhar para o
Crucificado” não se feche dentro do nosso egoísmo, cegando-nos perante os
crucificados de hoje.
A Igreja não pode ser memória de Jesus
ignorando as vítimas, temos de ser Igreja enquanto realidade vocacionada
permanentemente.
Em vez de “abraçarmos” complacência casemos
com a nostalgia de um mundo mais humano.
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