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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

AGIR EM COMPAIXÃO (2/2)


Autoridade dos que sofrem


“Porque tive fome deste-me de comer,
tive sede e deste-me de beber,
era peregrino e recolheste-me,
estava nu e deste-me que vestir,
adoeci e visitaste-me,
estive na prisão e foste ter comigo.”
(Mt 25,35-36)


No relato do juízo final ou juízo definitivo (Mt 25,31-46), constatamos que o que vai decidir o “destino” não e a religião vivida por cada um, nem tão pouco a fé, mas o que vai decidir será a prática solidária da compaixão por quem sofre, a obediência à autoridade dos que sofrem.
Jesus coloca esta autoridade como centralidade da mensagem profética a toda a humanidade. O apelo divino não para de nos interpelar, refletido no desejo profundo diante Palavra de Deus. Uma Palavra que me faz atrair para Aquele que é a verdade (Cf Jo 14,6), é neste sentido que este “eros”  se purifica em Deus, numa vida sempre levada no estabelecer diálogo com toda a comunidade.

A soteriologia, é insistentemente passada dando a “crer” que tudo assenta na imagem final que o sacrifício é redentor, olhando para cruz parte-se para a dor como redenção. A partir desta deturpação, entramos na viagem (de alucinação) da análise psicológica de Deus em que Ele é moldado ao nosso interesse, tanto para bem como para mal.

O sentido comunitário é uma noção fundamental e que não podemos de deixar de investir, o Cristianismo não pode ser feito para se viver sozinho, a sua manifestação aponta para a plenitude da comunidade vocacionados, todos com todos, exercitando a sua liberdade e singularidade no caminho em direção d´Aquele que É (cf. Ex 3,14).
Tem-se observado  cada vez mais a busca, por parte das pessoas, de um sentido mais espiritual para as suas vidas, aliás basta entrarmos nas livrarias para notarmos a imensa quantidade de livros de “auto-ajuda”. Sem me insurgir contra esta literatura (aliás quem sou eu para tal...?!), contato no entanto que muitos vivem a relação “transcendente” de uma perspectiva centrada apenas m si, levando-os a um “pseudo-gnosticismo” que mais não é do que o alimento constante da tendência egocêntrica atual.




“A vontade de Deus para mim é o que eu desejo quanto me liberto do egoísmo, encaminhando-me para o Amor Maior”
(Cardeal Newman)




A realidade difícil dos que injustamente sofrem é a centralidade prévia a toda a ação humana, esta é a principal exigência que nos é colocada de uma forma inequívoca por Jesus, aqui não há margens para discursos, venham donde venham, que coloquem esta exigência em causa. Seria bom que aqueles que comandam o mundo a tivessem como a inalterável prioridade das suas agendas.
Muitos poderão colocar esta autoridade como uma fantasia, já que assenta naqueles que são os mais fracos, então como teriam autoridade?! No entanto, a nossa cegueira tem nos colocado cada vez mais restritos a uma visão estreita, vemos apenas o que nos dizem para ver, estamos anestesiados pelos “poderosos” do mundo que nos fazem acreditar que os fins justificam mesmo os meios... através de uma profunda ausência de ética, e a busca do bem comum, fica para os ditos “utópicos”.
É mesmo necessário que a ética se enquadre e haja onde e como deve, a ausência da noção de “Autoridade dos que Sofrem” faz com que nos encaminhemos para a construção de um mundo que justifica o absurdo, em que chega a tolerar o inumano!

No universo religioso, o não reconhecimento desta autoridade faz com que entremos na própria contradição do sagrado, a riqueza de Deus ao assentar na vida, não o faz apenas enquanto noção da existência sem mais, mas sim enquanto lugar de dignidade, justiça, compreensão, compaixão, solidariedade e paz. Também a “praxis” política ao não colocar esta noção como autoridade a ser obedecida, entra num profundo e escuro caminho de risco. Fatalmente irá, mais cedo ou mais tarde, ficar com as mãos manchadas de sangue perante a consequência que a obrigará a silenciar perante crimes e percas de vidas, na omissão está retido o pior do ser humano, somos na vida bem mais cobardes do que aquilo que dizemos... basta pararmos, e no silêncio da reflexão olharmos sem mentira ou mascaras para o nosso percurso de vida.

Na oração do Anjo, que dizemos quando rezamos o Rosário:

Meu Deus,
Eu creio, adoro, espero e amo-Vos.
Peço-vos perdão pelos que não creem, não adoram, não Vos esperam

Fica a minha questão: para quem nós pedimos perdão?
...

“Não vos acomodeis a este mundo.
Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade,
Para poderdes discernir qual é a vontade de Deus:
O que é bom, que que lhe é agradável, o que é perfeito.”
(Rm 12,2)

Não aprisionemos Deus, as nossas concepções religiosas não são um fim mas um meio, não façamos da religião um lugar completamente fechado e enfadonho, mas sim um lugar de convivência, de acolhimento, de estar com, se ser Igreja. Só assim sentimos não o toque de Jesus, mas o Seu pedido para o tocarmos (cf. Jo 20,27). É na interpelação que Jesus no toca, é a prática da palavra, fazendo dela também a nossa carne, que tocaremos em Jesus.

“O Apóstolo diz:
A letra mata, só o espírito dá vida (2 Cor 3,6)
A letra mata os que se contentam com aprender palavras, para serem tidos entre os outros por mais sábios, e poderem adquirir grandes riquezas e dá-las a parentes e amigos.
A letra mata também aqueles religiosos que, em vez de seguirem o espírito das divinas Escrituras, só cuidam de lhes aprender as palavras para as ensinar aos outros.
Pelo contrário, o espírito das divinas Escrituras dá vida aos que nas letras que sabem e desejam aprender, não procuram o proveito próprio, mas, pela palavra e exemplo com elas prestam homenagem ao Altíssimo Senhor, a quem pertence todo o bem.”
(S. Francisco de Assis, Exortações VII)



“Uma vez que temos um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus,
Jesus, o Filho de Deus, conservemos firme a fé que professamos.
De fato, não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós, exceto no pecado.
Aproximemo-nos, então, com grande confiança, do trono da graça a fim,
De alcançar misericórdia graça para uma ajuda oportuna”
(Heb 4,14-16)




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