Autoridade
dos que sofrem
“Porque tive fome deste-me de
comer,
tive sede e deste-me de beber,
era peregrino e recolheste-me,
estava nu e deste-me que
vestir,
adoeci e visitaste-me,
estive na prisão e foste ter
comigo.”
(Mt 25,35-36)
No
relato do juízo final ou juízo definitivo (Mt 25,31-46), constatamos que o que
vai decidir o “destino” não e a religião vivida por cada um, nem tão pouco a
fé, mas o que vai decidir será a prática solidária da compaixão por quem sofre,
a obediência à autoridade dos que sofrem.
Jesus
coloca esta autoridade como centralidade da mensagem profética a toda a
humanidade. O apelo divino não para de nos interpelar, refletido no desejo
profundo diante Palavra de Deus. Uma Palavra que me faz atrair para Aquele que
é a verdade (Cf Jo 14,6), é neste sentido que este “eros” se purifica em Deus, numa vida sempre levada
no estabelecer diálogo com toda a comunidade.
A soteriologia, é
insistentemente passada dando a “crer” que tudo assenta na imagem final que o
sacrifício é redentor, olhando para cruz parte-se para a dor como redenção. A
partir desta deturpação, entramos na viagem (de alucinação) da análise
psicológica de Deus em que Ele é moldado ao nosso interesse, tanto para bem
como para mal.
O
sentido comunitário é uma noção fundamental e que não podemos de deixar de
investir, o Cristianismo não pode ser feito para se viver sozinho, a sua
manifestação aponta para a plenitude da comunidade vocacionados, todos com
todos, exercitando a sua liberdade e singularidade no caminho em direção d´Aquele
que É (cf. Ex 3,14).
Tem-se
observado cada vez mais a busca, por
parte das pessoas, de um sentido mais espiritual para as suas vidas, aliás
basta entrarmos nas livrarias para notarmos a imensa quantidade de livros de
“auto-ajuda”. Sem me insurgir contra esta literatura (aliás quem sou eu para
tal...?!), contato no entanto que muitos vivem a relação “transcendente” de uma
perspectiva centrada apenas m si, levando-os a um “pseudo-gnosticismo” que mais
não é do que o alimento constante da tendência egocêntrica atual.
“A vontade de Deus para mim é o que eu desejo quanto me liberto do egoísmo, encaminhando-me para o Amor Maior”
(Cardeal
Newman)
A realidade difícil dos que injustamente sofrem é a centralidade prévia a toda a ação humana, esta é a principal exigência que nos é colocada de uma forma inequívoca por Jesus, aqui não há margens para discursos, venham donde venham, que coloquem esta exigência em causa. Seria bom que aqueles que comandam o mundo a tivessem como a inalterável prioridade das suas agendas.
Muitos
poderão colocar esta autoridade como uma fantasia, já que assenta naqueles que
são os mais fracos, então como teriam autoridade?! No entanto, a nossa cegueira
tem nos colocado cada vez mais restritos a uma visão estreita, vemos apenas o
que nos dizem para ver, estamos anestesiados pelos “poderosos” do mundo que nos
fazem acreditar que os fins justificam mesmo os meios... através de uma
profunda ausência de ética, e a busca do bem comum, fica para os ditos
“utópicos”.
É mesmo
necessário que a ética se enquadre e haja onde e como deve, a ausência da noção
de “Autoridade dos que Sofrem” faz com que nos encaminhemos para a construção
de um mundo que justifica o absurdo, em que chega a tolerar o inumano!
No
universo religioso, o não reconhecimento desta autoridade faz com que entremos
na própria contradição do sagrado, a riqueza de Deus ao assentar na vida, não o
faz apenas enquanto noção da existência sem mais, mas sim enquanto lugar de
dignidade, justiça, compreensão, compaixão, solidariedade e paz. Também a
“praxis” política ao não colocar esta noção como autoridade a ser obedecida,
entra num profundo e escuro caminho de risco. Fatalmente irá, mais cedo ou mais
tarde, ficar com as mãos manchadas de sangue perante a consequência que a
obrigará a silenciar perante crimes e percas de vidas, na omissão está retido o
pior do ser humano, somos na vida bem mais cobardes do que aquilo que dizemos...
basta pararmos, e no silêncio da reflexão olharmos sem mentira ou mascaras para
o nosso percurso de vida.
Na
oração do Anjo, que dizemos quando rezamos o Rosário:
Meu
Deus,
Eu
creio, adoro, espero e amo-Vos.
Peço-vos
perdão pelos que não creem, não adoram, não Vos esperam
Fica a
minha questão: para quem nós pedimos perdão?
...
“Não
vos acomodeis a este mundo.
Pelo
contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade,
Para
poderdes discernir qual é a vontade de Deus:
O que é
bom, que que lhe é agradável, o que é perfeito.”
(Rm
12,2)
Não
aprisionemos Deus, as nossas concepções
religiosas não são um fim mas um meio, não façamos da religião um lugar
completamente fechado e enfadonho, mas sim um lugar de convivência, de
acolhimento, de estar com, se ser Igreja. Só assim sentimos não o toque de
Jesus, mas o Seu pedido para o tocarmos (cf. Jo 20,27). É na interpelação que
Jesus no toca, é a prática da palavra, fazendo dela também a nossa carne, que
tocaremos em Jesus.
“O
Apóstolo diz:
A
letra mata, só o espírito dá vida (2 Cor 3,6)
A
letra mata os que se contentam com aprender palavras, para serem tidos entre os
outros por mais sábios, e poderem adquirir grandes riquezas e dá-las a parentes
e amigos.
A
letra mata também aqueles religiosos que, em vez de seguirem o espírito das
divinas Escrituras, só cuidam de lhes aprender as palavras para as ensinar aos
outros.
Pelo
contrário, o espírito das divinas Escrituras dá vida aos que nas letras que
sabem e desejam aprender, não procuram o proveito próprio, mas, pela palavra e
exemplo com elas prestam homenagem ao Altíssimo Senhor, a quem pertence todo o
bem.”
(S.
Francisco de Assis, Exortações VII)
“Uma
vez que temos um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus,
Jesus,
o Filho de Deus, conservemos firme a fé que professamos.
De
fato, não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas
fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós, exceto no pecado.
Aproximemo-nos,
então, com grande confiança, do trono da graça a fim,
De
alcançar misericórdia graça para uma ajuda oportuna”
(Heb
4,14-16)
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