Felicidade no acolhimento de Deus
No
percurso de vida, a afetividade abre a possibilidade ao percurso a ser
percorrido em direção do Amor Maior. Embora a afetividade, enquanto conceito,
possa ter variações interpretativas, é claramente um elemento imprescindível à
própria singularidade da pessoa. Na afetividade o principio psicológico e
espiritual interligam-se, conferindo assim não um sentido dual mas a unidade
preponderante através de cada um.
Não
há que ter hesitação, viver num sentido de acolhimento faz parte do roteiro
para uma felicidade profunda, em que o alimento dado pela a afetividade oferece
a possibilidade para o conhecimento e para o amor, só se ama com afeto e só se
pode amar o que se conhece.
Não
podemos condenar a vida às lágrimas, a vida sendo o dom dos dons é ela própria
a celebração da existência, do fruto da
criação e labor de Deus.
Perante
a situação difícil que atravessamos, é essencial promover a alteridade,
valorizando assim o gesto afetivo capaz de valorizar a existência de todos,
crentes e não crentes, porque enquanto abraçados pela suavidade de Deus, emerge
em cada um a força para que o sentimento de confiança se renove.
Mais
do que falar com o meu vizinho, é importante abrir-lhe a porta, para que se
sinta sempre acompanhado na vida, só nós podemos destruir a solidão, só a nós
nos cabe ser presença...
Gilles
Lipovetsky acerca da felicidade referiu que a “ciência e a democracia têm o
poder de aumentar a qualidade de vida objetiva, da nossa vida concreta, mas não
fazem nada pela qualidade interior. O nosso poder sobre as coisas cresce imenso,
tendo a consciência no hoje e no amanhã”. Perante a consciência das limitações
humanas, é necessário exaltar na vida a fraternidade, a fim de tornarmos a
nossa realidade mais bela, harmoniosa e respeitadora do mundo, por outras
palavras, na construção ineterrupta do Reino de Deus.
Todos,
ao entrarmos numa qualquer livraria, somos confrontados com prateleiras
repletas de títulos em que se apresentam processos pelos quais “atingiremos” a
felicidade suprema! Não que tenha nada contra tais livros (já que pouco os
conheço), no entanto a minha atenção vai na direção daqueles que procuram estas
“auto ajudas”, já que procuram, com toda a legitimidade, “respostas” para as
suas amarguras e inquietações.
A vida não é fácil, muitas vezes nos trás
amarguras para as quais nos sentimos incapazes de resistir e superar. O peso da
dor e do sofrimento marca profundamente a história tanto individual como
coletiva, isto leva a que os valores da dignidade da pessoa bem como noções de
fraternidade, não passem muitas vezes, mesmo entre os cristãos, como aspetos
meramente semânticos, mas ausentes do da vida comum.
O desprezo
do divino, daquilo que nos transcende, leva a que nos achemos totalmente
autónomos e senhores totais do nosso destino, não permitindo deste modo que a
redenção se coloque numa posição de destaque em relação à emancipação.
A relação
entre Deus e o homem não lhe retira a responsabilidade individual, em Deus o
homem não é um “fantoche” que Ele comanda, mas Nele o homem encontra-se com a
sua própria razão de existência, essa substância da vida à qual a Páscoa de
Jesus nos torna nítida. Realmente somos responsáveis pelos atos que vamos
traçando para o no presente e futuro, no entanto ao “atirarmos” Deus para uma
realidade secundária da vida, leva à óbvia constatação (redutora) que a
emancipação do homem pelo homem é claramente passageira. É pois na absorção do “Logos” encarnado (que nos é dado nos
Evangelhos) que obtemos a luz para uma existência que busque a Sua Beleza
Eterna e deste modo a própria Felicidade da existência.
“No passado cometi o
maior pecado que o homem pode cometer: não fui feliz”
(J. L. Borges)
Ao
atravessar momentos difíceis na vida, muitas vezes me sinto perdido deixando-me
levar pelo negativo, no entanto, quando paro e busco o silêncio, “porque o
silêncio é também o maestro do amor” (20), numa profunda reflexão, noto que nas mais
adversas situações existe um sentido positivo no qual a vida se renova. Muitas
vezes nesta busca do silêncio “descobrimos” verdades ocultadas pela azafama dos
dias e pelo poder mediático das situação, levando-nos ao fatalismo e ao
inconsolável desespero, é neste sentido que as palavras de Sta. Teresa D´Ávila
ganham um sentido profundo:
“Nada te perturbe.
Nada te espante.
Tudo passa.
A paciência tudo alcança.
Nada me perturbe.
Nada me espante.
A quem tem Deus nada falta.
Só Deus basta”
Nada te espante.
Tudo passa.
A paciência tudo alcança.
Nada me perturbe.
Nada me espante.
A quem tem Deus nada falta.
Só Deus basta”
Deus não
está somente no êxito, Ele está também presente connosco no fracasso, na
melancolia, na tristeza e na dor.
A beleza
suprema é a luz (cf. Jo 8,20) que aquece os sentimentos levando-nos à
participação ativa do oitavo dia,
essa sempre nova realidade a que a Páscoa de Cristo nos trouxe e que vive
connosco há mais de dois mil anos, a beleza que se fez história.
Para Hans
Von Balthazar o alheamento do sentido da Beleza (que nos transporta para a
felicidade) leva a que o homem se questione de uma forma compulsiva, chegando a
confundir o bem e o mal. É pois necessário resgatar a nobreza da vida
quotidiana, através de uma postura em que se aspire ao absoluto, desprezando a
mentira e caminhando com a coragem cristã para uma vida plena.
A vida
não é somente feita de grandes decisões, é também, e fundamentalmente, percurso
de vida, um caminho para Emaús (cf. Lc 24,13-35) em que o Senhor se faz
presente e caminha ao nosso lado.
Na Paixão
é-nos colocado, de uma forma nítida, que o caminho está contido numa
peregrinação em direção a Deus, em que Aquele que mostra o caminho (sendo Ele
mesmo o próprio caminho) não só acolhe, como dá sentido s Deus, conferindo
assim perante o absurdo, o vazio e tudo o que é desprovido de sentido, a
loucura do Amor de Deus sendo que em amor se manifesta, porque quem ama
verdadeiramente não espera nada em troca.
Obviamente
que uma atitude causal e restrita no tempo pode exprimir amor, no entanto esta
causalidade singular não se compara ao ato permanente de um amor que se dá como
razão principal de vida, fonte de água vida (cf. Jo 4,14) e alimento
fundamental para a felicidade humana.
Noto com alguma inquietação, que muitos remetem a felicidade para
o futuro (para o depois da morte), fazendo da peregrinação de vida terrena como
algo alheado por uma busca incessante da felicidade. Esta visão pessimista é
muitas vezes realçada na própria vivência religiosa de muitos crentes, que se
manifestam muitas vezes prioritariamente em sacrifícios, do que numa atitude
concreta na busca e concretização da felicidade, sem muitas vezes se darem
conta que é na luz de Cristo que realmente se encontra o caminho para a tão
almejada felicidade.
“A religião pura e sem mácula diante
daquele que é Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”.
(Tg 1,27)
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