“De
facto, a ira de Deus, vinda do céu, revela-se contra toda a impiedade e
injustiça dos homens, que com a injustiça, reprimem a verdade.”
(Rm
1,19)
Os
homens têm vindo a aprisionar a verdade, e assim libertar a injustiça. Estamos
perante quadros que na sua génese, e através de uma estratégia mediática, são
meios de propaganda mentirosa e hipócrita. A medida da ética, tão apregoada por
muitos, tem vindo a ficar remetida para o plano meramente conceptual, sem
qualquer expressão pratica na vida ocidental, o desejo ávido de poder tem
aniquilado valores essenciais para a convivência humana. Através da ocultação
da verdade abrimos as perigosas portas da mentira, chegando ao paradoxo
absurdo, em que apesar das enormes fontes de informação facilmente disponíveis
nos dias de hoje, estamos colocados num novo “limbo”, envolvidos pela
influencia do engano em que a nossa ignorância é a segurança para toda a
iniquidade.
Daí que
enquanto cristãos empenhados, devemos manter-nos corretamente informados, escutando
distintas opiniões validas, para desta forma, e sem entrarmos em “achismos”
meramente impulsivos, possamos realmente ser “a voz daqueles que não têm voz
contra aqueles que têm demasiada voz”. Tenho notado, em particular no mundo da
internet, a várias discussões, em que para defender um ponto de vista
particular, se apresentam “fontes” e “estudos” para reforçar a posição, no
entanto não raras vezes estes “estudos”, se não inventados, aparecem não se
sabe bem donde, desconhecendo-se como formam foram realizados; assim é
necessário ter extrema atenção no que se refere às fontes, a internet é
magnífica, mas como todas as realidades imanentes estão sujeitos a exageros e a
erros.
Já na “República”, Platão coloca o estatuto da
opinião entre a ciência e a
ignorância. Para ele o conhecimento prende-se ao ser, já o desconhecimento ao
não-ser; desta forma a opinião esta numa posição intermédia perante estes dois
contextos.
Através
do conhecimento reforçamos a fé, não apenas expressada num sentido cultual de
vivência, mas fundamentalmente no sentido de abertura ao que nos rodeia, com
uma consciência iluminada por uma crença que se consubstancia na presença do
próprio Deus que, através de Jesus, se fez história entre todos.
“Ao
início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o
encontro com um acontecimento, com uma
Pessoa que dá à vida um novo horizonte e , desta forma, o rumo decisivo”
(Deus Caritas Est, 1)
A nossa
verdade (enquanto condição), reside no acolhimento traduzida em prática,
conduzindo-nos assim à salvação enquanto filho filhas; é na absorção desta
realidade que nos leva à Glória de Deus. Esta dimensão filial é a dimensão mais
funda da pessoa humana; a espiritualidade tem aqui a coluna que a sustente e
lhe dá sentido.
A
liberdade, sendo um desígnio de Deus, é valor sagrado. Alimentar, fomentar,
estimar e dignificar a liberdade dignifica-se igualmente o espírito da Verdade
que procede de Deus (cf. Jo 15,26). Não podemos ficar no silêncio perante a
humilhação tremenda que muitos passam, as suas vozes já quase não se escutam,
perderam as forças e a esperança; Jesus ao despertar-nos para a verdade,
convoca-nos à coragem perante as atribulações da vida terrena. Não nos fechemos
nas nossas lamentações, façamos sim da oração alimento para a coragem da ação.
A oração
é o momento de intimidade em que nos entregamos à contemplação perante o
sentido da Verdade, porque (e como abordaremos ainda neste livro) a escuta do
silêncio faz-nos discernir e desta forma encontrar o melhor caminho para a
progressão da vida. Interessante referir, acerca do silêncio, que já Pitágoras
aconselhava aos seus discípulos a fazerem mutismo por um período de cinco anos,
período esse em que esqueceriam os erros conhecidos.
É
importante vivermos como discípulos de Jesus Cristo, com coragem e audácia
evangélica, enquanto testemunhas e realizadores da vontade de Deus.
Não
busquemos estar com os que estão de topo, não busquemos ser como eles; antes
coloquemo-nos ao serviço dos últimos, não podemos esquecer que o nosso Rei não
veio para ser servido mas para servir (cf. Mt 30,28; Mc 20,45; Lc 22-27; Jo
13,16).
A nossa
relação está centrada na capacidade, realizada em humildade, em aceitarmos a
dádiva gratuita do Senhor, já que em relação a Deus, nada nos é merecido mas
sim dado gratuitamente, como refere Pagola, “imerecidamente”. É portanto numa
condição desprendida que nos devemos posicionar perante Deus e os outros, claro
que nem sempre é fácil, o nosso orgulho dificulta ou impede esta atitude, no
entanto só no desprendimento do orgulho somos capazes de compreender o sentido
da nossa existência. Na pobreza da cegueira do orgulho, Deus ama-nos,
abraça-nos e acolhe-nos na Sua eterna misericórdia,
é este
o Deus que nos desconcerta e nos aguarda sempre...
Perante
os lamentáveis acontecimentos na Europa, não vejo que realmente se tenha
apreendido com os erros. Esta constatação é feita, pelo simples facto de que a
estratégia política, completamente subjugada aos interesses dos poderosos, em
nada se alterou. A política de “terra queimada” e de profunda injustiça social,
continua com grande vigor, chegando ao ponto de quem aplica estas medidas, orgulharem-se
dos resultados...!?
Será
que não têm noção que muito do que fizeram e estão a fazer, por mais que digam
o contrário, serão ações irreversíveis. Posso estar a ser duro em algumas
palavras aqui escritas, mas não consigo ficar estoicamente assistindo a uma civilização
a transformar-se no paradigma do egoísmo.
O
silêncio cúmplice perante critérios fatalistas amorais, alimentados pela
aparência branqueadora da mentira, leva a que não haja uma oposição firme
perante o sofrimento. É fundamental não perder de vista o “movimento profético
de Jesus” , não lavemos as mãos, tal Pilatos, porque corremos o risco de
ficarem marcadas pelo sangue inocente de pessoas que vivem neste tempo, e que a
vida os levou para a periferia, para o esquecimento, para uma vida/não vida. A
salvação não está em evadirmos do Mundo, ela esta na nossa atitude perante a
realidade humana.
“Não
roubes o pobre porque é pobre...”
(Pr
22,23)
Estamos
diante de um poder político totalmente submetido ao desígnio do poder dos
“mercados”, levando a que a proteção daqueles que mais necessitam seja colocada
para um plano secundário.
“Just say Nao” esta pequena mas incisiva expressão de Paul Krugman, mostra que, mesmo entre
economistas de referencia, o caminho que nos apresentam não é inevitável,
existem outros, aliás existem sempre outros, agora resta refletir, quais
caminhos?
Estamos
com as prioridades invertidas, em janeiro de 2014, era divulgado que cerca de um décimo da riqueza europeia teria sido canalizado para os
bancos, a ajuda estatal já ultrapassa os 1,3 biliões, cerca de 20 vezes mais do
que o empréstimo feito por Portugal à “troika”!
É
perante este complexo quadro, que a Igreja tem de se mostrar com voz ativa, opondo-se,
através de postura firme, às medidas que, para além de se perder recursos
financeiros para alimentar a maquina da especulação, tem aumentado de forma
vertiginosa aqueles que ficam sem nada, colocando-os na margem, os novos
excluídos. A realidade neoliberal colocou os direitos suspensos, ou melhor, não
há direitos para aqueles que são obrigados a pagar os devaneios de sucessivos
governantes. O impressionante é que, os próprios que nos colocaram na presente
situação, aparecem nos “media” fazendo análises, como estivessem completamente
de mãos limpas! Chegamos ao absurdo de os governantes, a fim de satisfazer, não
os compromissos assinados, mas a voraz especulação, “viram as costas” aos seus
concidadãos, àqueles que realmente pagam os erros (ou mesmo ações criminosas)
cometidos que em vez de governar, optaram por governarem-se, “esquecendo” que o
serviço público é mesmo isso: SERVIÇO.
Felizmente
o empenhamento do Papa Francisco tido sido fundamental, no combate contra o
sistema neoliberal, marcado pelo profundo egoísmo.
Sejamos
católicos ativos, comprometidos em levar a “boa nova” a todos, não só enquanto
retórica, mas acima de tudo enquanto sujeito da ação. Na trajetória profética
de Jesus, existe um ponto que é incontornável:
o Seu profundo compromisso com a verdade
enquanto suporte essencial para uma vida fecunda.
A liberdade
e a verdade complementam-se entre si, a existência de um sem o outro é
impossível, sendo este o núcleo que suporta a dignidade da existência.
“Se
permanecerdes fieis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos,
conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.”
(Jo
8,31-32)
Jesus, ao
trazer consigo verdade, incorpora-a, com Ele está refletido o Pai, porque Um e
Outro estão unidos desde sempre (cf. Jo 10,30). Jesus homem é o Jesus Deus,
Nele o “logos” assume-se na carne e
na própria contingência da história, é neste mistério que Deus apresenta o
projeto para um mundo mais justo, em que as injustiças deixam de ter qualquer
justificação, Para Jesus a beleza da vida está na medida em que nos
desprendemos dos materialismos, abrindo-nos para uma vida simples em bens, mas
rica em espírito. Jesus de Nazaré mostra na sua postura a novidade da sua
proposta, uma proposta que não se joga na bolsa, mas que se entrega na
realidade dos últimos, aqueles que são colocados na prateleira do preconceito,
do racismo, da pobreza.
Ao
lermos o Evangelho, não raras vezes somos deparados com uma certa incompreensão
por parte dos apóstolos em relação a atitudes e mesmo frases de Jesus, em
Marcos (o primeiro dos Evangelhos a ser redigido) esta constatação é
apresentada de uma forma quase constante! Jesus revela-se de uma forma que
coloca em causa certas tradições judaicas, e como é óbvio, a mudança custa
sempre a ser interiorizada, chega a ser quase irónico que passados mais de 2000
anos, continuemos por entender e interiorizar a Graça de Deus aos homens. Com
Jesus o Reino de Deus é apresentado de uma forma clara, sem que para tal usasse
um discurso fanático. Jesus não se apresenta como o guardião da palavra, mas
sim enquanto testemunha concreta da Verdade. Como referia S. Inácio de Loyola,
é na humanidade de Jesus se mostra a “sacritissima”
divindade de Cristo. A apresentação de Jesus reveste-se através de uma
experiencia existencial, este acontecimento, que marca a vida de muitos, dá
cumprimento ao Antigo Testamento. Jesus ao vir ao mundo, relaciona-se com ele,
com as suas realidades, foi na Sua relação perante todas as atribulações do mundo
que nos mostrou Aquele que O enviou. Ao estarmos comprometidos com Jesus,
estamos completamente comprometidos com a verdade, e com tudo o que ela acarreta.
Deus abraça-nos na liberdade, interpelando-nos para fazermos com que a vida não
fique presa ao olhar sobre o fútil e superficial, que não nos deixemos cair nos
interesses egoístas, mas enveredando com o compromisso com o Senhor.
“Ele é
o rochedo, perfeitas são as suas obras. (...)
Deus é
fiel, sem iniquidade, Ele é justo e reto.”
(Dt,
32,4)
A
encarnação do “logos” apresenta a voz e
o rosto de Deus, um Deus que nos quer santos, esta é a vontade de Deus; daí que
o nosso alimento não pertence a ninguém em particular mas sim a todos, nem há
excluídos para Ele, porque não há mais nem menos pecadores, todos o somos. O
projeto salvífico de Deus é colocado perante todos, no entanto este parte da
adesão pessoal, e não de qualquer imposição, não coloquemos para Deus aquilo
que nós devemos fazer.
Para
Mestre Eckhart o homem ao deixar-se dominar pelas aparências fica influenciado
e mesmo dominado por elas, desta forma perde-se a “serenidade” e o sentido de
“abandono” tão importantes para o discernimento. Não fiquemos fechados numa
vida manietada pelo supérfluo, não
ocultemos a verdade perante os poderosos dos nossos dias, olhemos para a
realidade de uma forma desprendida das aparências, e tudo fica claro perante o
nosso olhar.
Enquanto
cristãos necessitamos de lugares em que a discussão e o debate se realize de
uma forma esclarecedora e livre. Muitas vezes nas paróquias existem grupos que,
ao acharem-se privilegiados, impedem que um novo ar entre na “sua” igreja,
levantando novas questões, novos desafios, fazendo com que a Igreja ande, envolvendo não somente
alguns (que se acham os primeiros) mas a todos. O vigor da Igreja está na sua
capacidade em abrir-se ao mundo, sem que isto coloque em causa valores
fundamentais da sua doutrina e tradição.
É bom
que se coloque bem claro, viver o cristianismo é viver em Cristo, assim o
Catecismo da Igreja Católica, sendo um instrumento fundamental, não é,
obviamente, mais importante do que o Evangelho.
Como no
início do cristianismo, também agora as comunidades cristãs têm que surgir
perante a sociedade como espaço de novidade, em que os afetos são valorizados,
em que todos são bem vindos. O cristianismo, perante o labirinto atual, tem de
ser um caminho alternativo que sabe para onde quer ir, mas também sabe que não
pode ir sozinho, a Salvação não é para alguns que levam a religiosidade no mais
puro gnosticismo, mas para todos.
Colocar
a verdade enquanto alicerce essencial para a sustentação comunitária é o
empenhamento a que somos chamados, ninguém pode ficar indiferente perante os
dramas sociais que proliferam perante os nossos olhos, esta é a altura de
renovar a história, de lhe dar um novo caminho, de despertar o homem do escuro
da injustiça e da ganância. Olhar para o outro enquanto irmão é promover a vida
social no encontro da verdadeira riqueza, a riqueza dos afetos. Façamos da vida um permanente
olhar para Cristo, porque mesmo que estes estejam molhados de lágrimas, não
percamos jamais de vista o Senhor, como o belo quadro de “El Greco” nos mostra,
em que Pedro, após trair Jesus, chorou mas nunca fechando os olhos, porque o
pior que nos pode acontecer é deixar de O ver...
“Na
verdade, desde o maior ao mais pequeno, todos se entregam à ganância desonesta;
desde
o profeta ao sacerdote, todos praticam a fraude.
Tratam
com negligência as feridas do meu povo, exclamando: “Paz! Paz!”
Mas
não há paz.
Deveriam
envergonhar-se pelo seu proceder abominável,
mas
eles não se envergonham, nem sabem corar...”
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