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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

GANÂNCIA = INJUSTIÇA // JUSTIÇA = VERDADE = DEUS


“De facto, a ira de Deus, vinda do céu, revela-se contra toda a impiedade e injustiça dos homens, que com a injustiça, reprimem a verdade.”
(Rm 1,19)

Os homens têm vindo a aprisionar a verdade, e assim libertar a injustiça. Estamos perante quadros que na sua génese, e através de uma estratégia mediática, são meios de propaganda mentirosa e hipócrita. A medida da ética, tão apregoada por muitos, tem vindo a ficar remetida para o plano meramente conceptual, sem qualquer expressão pratica na vida ocidental, o desejo ávido de poder tem aniquilado valores essenciais para a convivência humana. Através da ocultação da verdade abrimos as perigosas portas da mentira, chegando ao paradoxo absurdo, em que apesar das enormes fontes de informação facilmente disponíveis nos dias de hoje, estamos colocados num novo “limbo”, envolvidos pela influencia do engano em que a nossa ignorância é a segurança para toda a iniquidade.
Daí que enquanto cristãos empenhados, devemos manter-nos corretamente informados, escutando distintas opiniões validas, para desta forma, e sem entrarmos em “achismos” meramente impulsivos, possamos realmente ser “a voz daqueles que não têm voz contra aqueles que têm demasiada voz”. Tenho notado, em particular no mundo da internet, a várias discussões, em que para defender um ponto de vista particular, se apresentam “fontes” e “estudos” para reforçar a posição, no entanto não raras vezes estes “estudos”, se não inventados, aparecem não se sabe bem donde, desconhecendo-se como formam foram realizados; assim é necessário ter extrema atenção no que se refere às fontes, a internet é magnífica, mas como todas as realidades imanentes estão sujeitos a exageros e a erros.

Já na “República”, Platão coloca o estatuto da opinião entre a ciência e a ignorância. Para ele o conhecimento prende-se ao ser, já o desconhecimento ao não-ser; desta forma a opinião esta numa posição intermédia perante estes dois contextos.
Através do conhecimento reforçamos a fé, não apenas expressada num sentido cultual de vivência, mas fundamentalmente no sentido de abertura ao que nos rodeia, com uma consciência iluminada por uma crença que se consubstancia na presença do próprio Deus que, através de Jesus, se fez história entre todos.

“Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com  um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e , desta forma, o rumo decisivo” 
(Deus Caritas Est, 1)

A nossa verdade (enquanto condição), reside no acolhimento traduzida em prática, conduzindo-nos assim à salvação enquanto filho filhas; é na absorção desta realidade que nos leva à Glória de Deus. Esta dimensão filial é a dimensão mais funda da pessoa humana; a espiritualidade tem aqui a coluna que a sustente e lhe dá sentido.
A liberdade, sendo um desígnio de Deus, é valor sagrado. Alimentar, fomentar, estimar e dignificar a liberdade dignifica-se igualmente o espírito da Verdade que procede de Deus (cf. Jo 15,26). Não podemos ficar no silêncio perante a humilhação tremenda que muitos passam, as suas vozes já quase não se escutam, perderam as forças e a esperança; Jesus ao despertar-nos para a verdade, convoca-nos à coragem perante as atribulações da vida terrena. Não nos fechemos nas nossas lamentações, façamos sim da oração alimento para a coragem da ação.

A oração é o momento de intimidade em que nos entregamos à contemplação perante o sentido da Verdade, porque (e como abordaremos ainda neste livro) a escuta do silêncio faz-nos discernir e desta forma encontrar o melhor caminho para a progressão da vida. Interessante referir, acerca do silêncio, que já Pitágoras aconselhava aos seus discípulos a fazerem mutismo por um período de cinco anos, período esse em que esqueceriam os erros conhecidos.

É importante vivermos como discípulos de Jesus Cristo, com coragem e audácia evangélica, enquanto testemunhas e realizadores da vontade de Deus.
Não busquemos estar com os que estão de topo, não busquemos ser como eles; antes coloquemo-nos ao serviço dos últimos, não podemos esquecer que o nosso Rei não veio para ser servido mas para servir (cf. Mt 30,28; Mc 20,45; Lc 22-27; Jo 13,16).

A nossa relação está centrada na capacidade, realizada em humildade, em aceitarmos a dádiva gratuita do Senhor, já que em relação a Deus, nada nos é merecido mas sim dado gratuitamente, como refere Pagola, “imerecidamente”. É portanto numa condição desprendida que nos devemos posicionar perante Deus e os outros, claro que nem sempre é fácil, o nosso orgulho dificulta ou impede esta atitude, no entanto só no desprendimento do orgulho somos capazes de compreender o sentido da nossa existência. Na pobreza da cegueira do orgulho, Deus ama-nos, abraça-nos e acolhe-nos na Sua eterna misericórdia,
é este o Deus que nos desconcerta e nos aguarda sempre...

Perante os lamentáveis acontecimentos na Europa, não vejo que realmente se tenha apreendido com os erros. Esta constatação é feita, pelo simples facto de que a estratégia política, completamente subjugada aos interesses dos poderosos, em nada se alterou. A política de “terra queimada” e de profunda injustiça social, continua com grande vigor, chegando ao ponto de quem aplica estas medidas, orgulharem-se dos resultados...!?
Será que não têm noção que muito do que fizeram e estão a fazer, por mais que digam o contrário, serão ações irreversíveis. Posso estar a ser duro em algumas palavras aqui escritas, mas não consigo ficar estoicamente assistindo a uma civilização a transformar-se no paradigma do egoísmo.
O silêncio cúmplice perante critérios fatalistas amorais, alimentados pela aparência branqueadora da mentira, leva a que não haja uma oposição firme perante o sofrimento. É fundamental não perder de vista o “movimento profético de Jesus” , não lavemos as mãos, tal Pilatos, porque corremos o risco de ficarem marcadas pelo sangue inocente de pessoas que vivem neste tempo, e que a vida os levou para a periferia, para o esquecimento, para uma vida/não vida. A salvação não está em evadirmos do Mundo, ela esta na nossa atitude perante a realidade humana.  


 
“Não roubes o pobre porque é pobre...”
(Pr 22,23)


Estamos diante de um poder político totalmente submetido ao desígnio do poder dos “mercados”, levando a que a proteção daqueles que mais necessitam seja colocada para um plano secundário.
“Just say Nao” esta pequena mas incisiva expressão de Paul Krugman, mostra que, mesmo entre economistas de referencia, o caminho que nos apresentam não é inevitável, existem outros, aliás existem sempre outros, agora resta refletir, quais caminhos? 

Estamos com as prioridades invertidas, em janeiro de 2014, era divulgado que cerca de um décimo da riqueza europeia teria sido canalizado para os bancos, a ajuda estatal já ultrapassa os 1,3 biliões, cerca de 20 vezes mais do que o empréstimo feito por Portugal à “troika”!
É perante este complexo quadro, que a Igreja tem de se mostrar com voz ativa, opondo-se, através de postura firme, às medidas que, para além de se perder recursos financeiros para alimentar a maquina da especulação, tem aumentado de forma vertiginosa aqueles que ficam sem nada, colocando-os na margem, os novos excluídos. A realidade neoliberal colocou os direitos suspensos, ou melhor, não há direitos para aqueles que são obrigados a pagar os devaneios de sucessivos governantes. O impressionante é que, os próprios que nos colocaram na presente situação, aparecem nos “media” fazendo análises, como estivessem completamente de mãos limpas! Chegamos ao absurdo de os governantes, a fim de satisfazer, não os compromissos assinados, mas a voraz especulação, “viram as costas” aos seus concidadãos, àqueles que realmente pagam os erros (ou mesmo ações criminosas) cometidos que em vez de governar, optaram por governarem-se, “esquecendo” que o serviço público é mesmo isso: SERVIÇO.

Felizmente o empenhamento do Papa Francisco tido sido fundamental, no combate contra o sistema neoliberal, marcado pelo profundo egoísmo.

Sejamos católicos ativos, comprometidos em levar a “boa nova” a todos, não só enquanto retórica, mas acima de tudo enquanto sujeito da ação. Na trajetória profética de Jesus, existe um ponto que é incontornável:
o Seu profundo compromisso com a verdade enquanto suporte essencial para uma vida fecunda.
A liberdade e a verdade complementam-se entre si, a existência de um sem o outro é impossível, sendo este o núcleo que suporta a dignidade da existência.

“Se permanecerdes fieis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.”
(Jo 8,31-32)

Jesus, ao trazer consigo verdade, incorpora-a, com Ele está refletido o Pai, porque Um e Outro estão unidos desde sempre (cf. Jo 10,30). Jesus homem é o Jesus Deus, Nele o “logos” assume-se na carne e na própria contingência da história, é neste mistério que Deus apresenta o projeto para um mundo mais justo, em que as injustiças deixam de ter qualquer justificação, Para Jesus a beleza da vida está na medida em que nos desprendemos dos materialismos, abrindo-nos para uma vida simples em bens, mas rica em espírito. Jesus de Nazaré mostra na sua postura a novidade da sua proposta, uma proposta que não se joga na bolsa, mas que se entrega na realidade dos últimos, aqueles que são colocados na prateleira do preconceito, do racismo, da pobreza.

Ao lermos o Evangelho, não raras vezes somos deparados com uma certa incompreensão por parte dos apóstolos em relação a atitudes e mesmo frases de Jesus, em Marcos (o primeiro dos Evangelhos a ser redigido) esta constatação é apresentada de uma forma quase constante! Jesus revela-se de uma forma que coloca em causa certas tradições judaicas, e como é óbvio, a mudança custa sempre a ser interiorizada, chega a ser quase irónico que passados mais de 2000 anos, continuemos por entender e interiorizar a Graça de Deus aos homens. Com Jesus o Reino de Deus é apresentado de uma forma clara, sem que para tal usasse um discurso fanático. Jesus não se apresenta como o guardião da palavra, mas sim enquanto testemunha concreta da Verdade. Como referia S. Inácio de Loyola, é na humanidade de Jesus se mostra a “sacritissima” divindade de Cristo. A apresentação de Jesus reveste-se através de uma experiencia existencial, este acontecimento, que marca a vida de muitos, dá cumprimento ao Antigo Testamento. Jesus ao vir ao mundo, relaciona-se com ele, com as suas realidades, foi na Sua relação perante todas as atribulações do mundo que nos mostrou Aquele que O enviou. Ao estarmos comprometidos com Jesus, estamos completamente comprometidos com a verdade, e com tudo o que ela acarreta. Deus abraça-nos na liberdade, interpelando-nos para fazermos com que a vida não fique presa ao olhar sobre o fútil e superficial, que não nos deixemos cair nos interesses egoístas, mas enveredando com o compromisso com o Senhor.

“Ele é o rochedo, perfeitas são as suas obras. (...)
Deus é fiel, sem iniquidade, Ele é justo e reto.”
(Dt, 32,4)

A encarnação do “logos”  apresenta a voz e o rosto de Deus, um Deus que nos quer santos, esta é a vontade de Deus; daí que o nosso alimento não pertence a ninguém em particular mas sim a todos, nem há excluídos para Ele, porque não há mais nem menos pecadores, todos o somos. O projeto salvífico de Deus é colocado perante todos, no entanto este parte da adesão pessoal, e não de qualquer imposição, não coloquemos para Deus aquilo que nós devemos fazer.
Para Mestre Eckhart o homem ao deixar-se dominar pelas aparências fica influenciado e mesmo dominado por elas, desta forma perde-se a “serenidade” e o sentido de “abandono” tão importantes para o discernimento. Não fiquemos fechados numa vida  manietada pelo supérfluo, não ocultemos a verdade perante os poderosos dos nossos dias, olhemos para a realidade de uma forma desprendida das aparências, e tudo fica claro perante o nosso olhar.

Enquanto cristãos necessitamos de lugares em que a discussão e o debate se realize de uma forma esclarecedora e livre. Muitas vezes nas paróquias existem grupos que, ao acharem-se privilegiados, impedem que um novo ar entre na “sua” igreja, levantando novas questões, novos desafios, fazendo com  que a Igreja ande, envolvendo não somente alguns (que se acham os primeiros) mas a todos. O vigor da Igreja está na sua capacidade em abrir-se ao mundo, sem que isto coloque em causa valores fundamentais da sua doutrina e tradição.
É bom que se coloque bem claro, viver o cristianismo é viver em Cristo, assim o Catecismo da Igreja Católica, sendo um instrumento fundamental, não é, obviamente, mais importante do que o Evangelho.
Como no início do cristianismo, também agora as comunidades cristãs têm que surgir perante a sociedade como espaço de novidade, em que os afetos são valorizados, em que todos são bem vindos. O cristianismo, perante o labirinto atual, tem de ser um caminho alternativo que sabe para onde quer ir, mas também sabe que não pode ir sozinho, a Salvação não é para alguns que levam a religiosidade no mais puro gnosticismo, mas para todos.




Colocar a verdade enquanto alicerce essencial para a sustentação comunitária é o empenhamento a que somos chamados, ninguém pode ficar indiferente perante os dramas sociais que proliferam perante os nossos olhos, esta é a altura de renovar a história, de lhe dar um novo caminho, de despertar o homem do escuro da injustiça e da ganância. Olhar para o outro enquanto irmão é promover a vida social no encontro da verdadeira riqueza, a riqueza dos afetos. Façamos da vida um permanente olhar para Cristo, porque mesmo que estes estejam molhados de lágrimas, não percamos jamais de vista o Senhor, como o belo quadro de “El Greco” nos mostra, em que Pedro, após trair Jesus, chorou mas nunca fechando os olhos, porque o pior que nos pode acontecer é deixar de O ver...

“Na verdade, desde o maior ao mais pequeno, todos se entregam à ganância desonesta;
desde o profeta ao sacerdote, todos praticam a fraude.
Tratam com negligência as feridas do meu povo, exclamando: “Paz! Paz!”
Mas não há paz.
Deveriam envergonhar-se pelo seu proceder abominável,
mas eles não se envergonham, nem sabem corar...”
 Jr 6,13-14







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