Um dos
temas que se prende de uma forma fundamental com o conceito cristológico tem a
ver com o Espírito Santo. O Espírito Santo torna-se real a partir da forma
concreta do ser humano tendo como referência principal a fé. Já que a própria
fé faz uma ligação ao Espírito Santo.
Efectivamente
o Espírito Santo, que para muitos está ligado a um sentido puramente oculto, é
muito mais real e concreto do que parece à primeira vista. A fé consistente,
fora de qualquer conceito de “cegueira”, leva a um encontro concreto com o
Espírito Santo, deste modo Ele fará parte do nosso corpo enquanto seres
humanos. Ele não é algo que nos está ausente, que nos é exterior e inatingível,
Ele acontece na nossa atitude de fé perante a vida e perante a nossa condição
humana. O ser humano ao ser “tocado” e reagindo de uma forma positiva e
afirmativa (dizendo sim…) encontra-se com o Espírito Santo. Desta forma
torna-se necessário reconhecê-lo, para tal temos de O ver Naquele que nos foi
concedido: Jesus Cristo.
Evidentemente
que este conceito não é fácil de aceitar, esta visão da amplitude do Espírito
Santo, pode levar a que Ele seja visto como uma especulação da vida humana, uma
fantasia desligada da realidade. Claro que esta análise do Espírito Santo
presente e actuante nas nossas vidas é algo de difícil explicação, no entanto,
é aqui que reside muito daquilo que sustenta a nossa crença e o nosso profundo
amor a Cristo. É importante falar de uma forma aberta e sincera do Espírito
Santo, ou seja, abordá-lo e analisá-lo não somente numa base meramente teórica.
Esta análise deverá ter como base a realidade experimentada e interpretada no
pensamento. Ela terá que ser bem reflectida e comprovada para que não exista
uma confusão entre “espírito próprio” e “Espírito Santo”.
Este é
um aspecto importante, temos de ter uma noção de que quando falamos por nossa
própria conta, muitas vezes leva a que se entre em contradição com o Espírito
Santo. O Espírito Santo, como refere S. João não toma o que é seu.
Este
Espírito age na nossa pessoa com uma influência directa do Salvador. Daí que é
importante olhar para a Igreja enquanto essência, fundada pelos apóstolos
guiados pelo Senhor através da acção do Espírito Santo. Muitas vezes fazer uma
análise puramente pessoal (sem ter esta noção bem presente), poderá levar a
desvirtuamentos da essência do próprio culto. No entanto também é importante
salientar que a Igreja, enquanto instituição, tem muitas vezes se esquecido
esta importantíssima noção. A Igreja só estará no caminho correcto se tiver
sempre na sua génese de acção e de pensamento a acção do Espírito Santo.
Infelizmente
verificamos que há um alheamento deste Espírito redentor, daí que é dever dos
católicos (sejam leigos ou religiosos) enquanto membros da Igreja, estarem
atentos para que não se deixem apoderar pela tentação, o que infelizmente
aconteceu várias vezes na sua história…
Como diz o evangelista João “Deus é
Espírito” (Jo. 2,24), logo aquilo que define Deus é necessariamente ser
Espírito e ser Santo, aqui reside verdadeiramente a essência de Deus, e
expressão verdadeira do Espírito Santo.
Se o Espírito Santo designa o que Deus tem de mais divino, e se existe
uma correlação existencial entre Pai e Filho, o Espírito Santo é na realidade a
essência primordial da verdadeira união entre Pai e Filho – “ser communio do Pai e do Filho”. Na
realidade o Espírito Santo é comum ao Pai e ao Filho, a sua expressão reside
precisamente nesta correlação entre os dois, deste modo, a grande
especificidade do Espírito Santo é de ser a unidade de Deus que é Pai, e que é
o Filho que por sua vez é a expressão de Deus entre os homens. Ambos têm o
mesmo Espírito, estão unidos por Ele e com Ele. É assente nesta noção que
afirmamos que “Jesus Cristo é Deus na Terra, é Deus encarnado, feito homem como
nós”.
É com o
entendimento desta noção que deciframos claramente as palavras de S. Paulo ao
referir-se ao nosso corpo como templo do Espírito Santo (1 Cor. 6, 19) que
actua em nós tanto individualmente como em comunidade, em Igreja.
O
Espírito Santo actua em cada um para nos levar à unidade (communio). E ao levar transforma-nos em novos homens – “todos
ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas…” (cf.
Act. 2, 1-4)
A
própria mediação de Pai e Filho para a unidade plena terá de ser entendida
neste “communio”, de uma forma
concreta, ou seja a partir das pessoas. A acção de Deus é feita primeiramente
através de uma mediação pessoal, o Espírito Santo, que nos foi dado por Cristo,
está presente entre os homens de uma forma real e concreta através da unidade
verdadeira a Deus. A unidade se não tiver um
carácter pessoal acabaria por eliminar o diálogo enquanto diálogo, a acção do
Espírito Santo sobre nós não nos tira a liberdade, antes pelo contrário
liberta-nos do efémero, e do inútil, já que nos leva a Deus. Na união nunca
perderemos o nosso ser individual - a nossa singularidade -, a união assenta na
comunhão entre nós e Deus, entre nós e a Verdade. Não é uma unidade a um
pensamento ou ideologia, mas sim uma unidade em volta de Deus, e esta união é
realizada a partir do Espírito Santo. O
Espírito Santo é portanto a verdadeira unidade, personificada e identificada
enquanto pessoa. Toda a doutrina da Igreja deverá apontar sempre para o
Salvador, daí que a acção do Espírito Santo enquanto terceira entidade da
Trindade é o intermediário para a unidade cristã, originada a partir do Amor
eterno de Deus.
“O Espírito Santo é a unidade de Deus a Si
mesmo, na qual e através do qual Pai e Filho se dão a Si mesmos um ao outro, tornando-se
um no outro em Espírito e ao mesmo tempo Pessoa”.
Cristo
na realidade é a própria personificação de Deus, personificando deste modo o
próprio Espírito Santo, no entanto este Espírito não se fechou e esgotou Nele
mesmo. Ele foi-nos dado, daí que a sua própria personificação pode também ser
feita através de nós mesmos. Esta adesão é que torna Deus vivo em nós e no meio
de nós; o Cristianismo não é apenas uma adesão espiritual, é também uma adesão
corporal. Do mesmo modo que Cristo nos foi dado a nós mesmos, também nos foi dado
o Espírito Santo, já que tudo converge para o “communio”, para a verdadeira unidade, concreta, real, feita pessoa.
A
partir deste acontecimento, foi-nos dado, através Dele próprio, a capacidade de
transformar algo de transcendente em algo de concreto, em algo que acontece,
que se toca. Tal como Deus nos deu a tocar a Si mesmo através de Seu Filho,
também nós poderemos sentir o toque do Espírito Santo, ou seja, o dom de Deus
atinge-nos, mesmo que estejamos perdidos e desesperados Ele toca-nos; Ele está
sempre bem perto, porque está dentro de nós…
Na visão de S. Agostinho, o “espiritual” tem de ter uma
capacidade de unir e de comunicar. S. Agostinho conseguiu uma importante
revisão do conceito de espírito enquanto tal. A partir da frase “Deus é
Espírito” (Jo. 4, 24) não faz uma divisão entre espírito e matéria, mas sim
entre Deus e o mundano: o contrário de espírito não se chamaria matéria, mas
antes “este mundo”.
Para
ele a dinâmica do espírito está ligada à acção Pai-Filho. A partir desta visão
de “communio”, se pode começar a
saber o que é Deus e Espírito Santo.
Para S.
Agostinho “Espírito Santo” está ligado a “amor” (caritas) e “dom” (domus). Para
ele o amor liga-se à própria Santíssima Trindade força vinculante à união. O
Espírito Santo é o Amor que une a essência de Deus personificada no Filho, e
que nos foi dado como “cordeiro de Deus
que tira todo o pecado do mundo”, através do amor infinito que nos tem.
“O Espírito Santo, do qual Ele nos deu,
faz-nos permanecer em Deus e Deus em nós, mas é no amor que isso opera. Ele
próprio, o Espírito, é, portanto, Deus como Amor”.
“O grande dom de Deus é o Espírito Santo, e
este tem a sua grande expressão no amor, assim comunica-se no Espírito Santo
como amor.”
Claro
que o amor supera tudo, no entanto estar aberto ao conhecimento em nada
enfraquece o amor, antes pelo contrário, ele é fortificado e solidificado cada
vez mais. O essencial do amor assenta no Espírito Santo, na sua capacidade de
permanecer eterno.
O cristão
deve ter esta noção bem presente, a sua fé é “alimentada” pelo dom que Deus nos
deu através do Espírito Santo. Este assenta na sua maior expressão de amor,
Jesus Cristo. A nossa aplicação do dom terá de ser feita através da nossa vida
e na relação que temos com todos os que nos rodeiam, já que todos “beberam da
mesma água”.
Infelizmente
para muitos amar o próximo como a nós mesmos “é uma loucura”, mas esta é a
“bela loucura” da mensagem de Cristo, e sendo Ele Deus, sendo Ele a Verdade, a
“loucura” passa a ser salvação e vida eterna. A assumir as nossas culpas na
Paixão, Cristo levou ao extremo o seu amor por todos nós. Mas através do seu
sofrimento venceu a morte e fez com que a sua agonia na cruz fosse símbolo da
verdadeira vitória e esperança. A nossa realização e felicidade estão Nele.
Termos uma vida realizada não está no estatuto social, nem na posse de grandes
quantias de bens materiais; a realização completa está na capacidade de
proporcionarmos ao próximo o bem-estar e dignidade material e espiritual que
merece enquanto ser humano e filho de Deus, enfim, enquanto nosso irmão. É
essencial olharmos para o próximo como para nós mesmos, porque Deus está
presente no próximo. O próximo somos no fundo nós mesmos, e quem agrada ao
próximo, agrada ao Senhor, e ser-lhe-á dada a recompensa, esta é uma Verdade
Absoluta.
A fé só
por si não é garantia de salvação, a certeza contida na fé, só tem um sentido
de salvação se tiver uma manifestação interna e externa perante Deus, e esta
faz-se na nossa acção perante o mundo. A acção do Espírito Santo dentro de nós
é peça fundamental para atingirmos a glória junto de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Afinal
quem já não se sentiu bem consigo mesmo ao ajudar o próximo?
Tenho a
certeza que todos nós sabemos o caminho, no entanto este pode levar a certas
abdicações que não somos capazes de abandonar… No entanto esta é a grande
mentira que nos acompanha, senão vejamos: afinal o que é que abdicamos se
realmente ganhamos o amor dos outros? Afinal não somos todos iguais aos olhos do
Senhor? Não somos também nós os próximos?
Por
isso não existe abdicação mas sim ganho. Este encontro com o próximo, é o
encontro com a Verdade, com Vida, e com o Caminho, já que este é o encontro com
Deus. Existe maior felicidade do que estarmos na glória do Senhor?
Poderão
considerar-me que sou um utópico, então que seja…
Amar
Jesus é amar a verdade acima de todas as coisas, ama-Lo é, portanto, amar tudo
o que nos rodeia (mesmo aqueles que se apresentem como nossos inimigos), ama-Lo
é amar o todo, ama-Lo é amar o Universo, ama-Lo é amar a Deus, porque Ele é
Deus. Tirar esta noção da nossa vida é a torna-la efémera, a vida deixa de ter
um sentido pleno, torna-se um acumular de sensações passageiras, sem
significado profundo. Sem amar a Deus, é impossível amar o próximo.
É pois
perante esta realidade que podemos criar uma verdadeira comunidade. O
equilíbrio e a busca pela perfeição comunitária só se atinge através do amor de
uns pelos outros. Desta forma assumimos plenamente a responsabilidade perante
todos, numa acção de elevação espiritual através da acção de Deus em cada um.
O amor
verdadeiro terá pois de existir de uma forma permanente e constante, “a obra
principal do Espírito Santo” está exactamente no amor unificador em sentido
eterno.
Hoje
fala-se muito que o “amor não é eterno”, no entanto, para nós cristãos o amor a
Deus tem de ser permanente, mesmo nos momentos mais difíceis o amor terá sempre
de estar presente. Deus na sua eternidade ama-nos de uma forma tão profunda,
que concedeu-nos o Seu Filho, daí que, embora o mistério de Deus seja na sua
plenitude inalcançável para a nossa consciência, podemos no entanto ter a
certeza num aspecto: só no amor O encontraremos na sua glória eterna, e
atingiremos a vitória sobre todas as coisas, até mesmo em relação à morte. Como
referiu S. Anselmo: “Deus situa-se além das capacidades humanas, Deus está além
do pensamento – do pensável”. Daí que na confiança da razão (em que a fé se
apoia) teremos de colocar a nossa vida, sempre dispostos a aceitar os desígnios
que Deus nos concede. Segundo esta atitude perante o Senhor S. Anselmo
declarou: “Prefiro estar em desacordo com os homens que, de acordo com eles,
estar em desacordo com Deus”. Este permanecer em Deus é estar com a verdade,
com a razão tendo sempre o amor (caridade) como linha central que sustenta a
nossa existência.
Amar
verdadeiramente é o sentimento mais belo que nos foi dado, dai que não percam a
coragem de se amarem uns aos outros, só assim seremos justos para com o
próximo, a caridade na vida é sabermos estarmos numa ligação entre o mundo e o
divino, o dom que Deus nos deu é como referia S. Agostinho “Ele próprio”. A
vitória não está nas armas, nem no poderio económico, ela está na nossa
capacidade de amar, e de amar constantemente, porque através deste amor
verdadeiro sem hipocrisias nem sentimentalismos estaremos com Deus, fazendo da
nossa vida um banquete, uma vida “em abundância” (cf. Jo. 10, 10).
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