O ícone não tem como objectivo a
representação da imagem no sentido empírico, ela deverá associar-se a uma
representação e a uma abertura dos sentidos interiores, é aqui que assenta o
verdadeiro sentido da Teologia dos Icones.
Portanto
a própria arte sacra tem como caminho a oração, e é neste profundo sentido que
as imagens aparecem, não como a forma real, mas como forma de visão interior e de apelo à concentração e à
oração. “O ícone vem da oração e
conduz à oração”, para tal os sentidos têm de estar libertos de aspectos
empíricos, e sempre com uma ligação ao espírito.
Os
homens devem ter a capacidade de se abrirem interiormente, não estando somente
ligados ao mensurável, mas também ao divino. O olhar ensina-nos a ver Cristo
principalmente segundo o espírito. Desde o Concílio de Niceia, passando pelos
sínodos, as imagens eram sempre vistas como a encarnação de Deus no homem, e
portanto o Iconoclasmo (a negação total das imagens) seria sempre a negação da
própria encarnação. É na encarnação que o divino se faz um de nós, um homem
concreto e nascido de um ventre, que nos envolve na sua própria ressurreição,
através da Pascoa do Senhor.
Ao
olhar para a cruz, não é a “feição” de Cristo que me interessa, mas sim a
Totalidade do Senhor, que ao fazer-se homem se juntou a nós de uma forma
definitiva e eterna. A cruz mostra-nos aquele que através do seu sofrimento,
salvou-nos para a vida eterna.
“O iconoclasmo tem um efeito redutor da fé” (Bento XVI). No entanto
vemos que a luta contra as imagens é algo que é visto como um “progresso” para
a própria sociedade! Numa sociedade democrática como a nossa, este
“iconocolasmo”, vem em contraposição à própria liberdade de expressão. A
democracia é também a expressão religiosa no espaço público, inibir a expressão
religiosa é inibir a tomada de posições e convicções legítimas. Qualquer que
seja a religião deverá ter a sua possibilidade de expressão, e sua expressão
pública faz-se muitas vezes através também através de símbolos. Mesmo aqueles
que se são ateus, antes de o serem deverão ter a possibilidade de conhecer o
aspecto religioso. Esta não é uma questão que se prende somente com os crentes,
esta é uma questão de cidadania. Mesmo aqueles que recusam a existência de Deus
têm os seus símbolos. A luta contra os símbolos cristãos, não é uma expressão
de maturidade social, antes pelo contrário, esta acção leva à “cegueira” da
liberdade de escolha. A recusa da expressão simbólica religiosa, é algo que tem
uma ligação directa com a cidadania, uma sociedade é tanto mais desenvolvida
quanto maior for o seu conhecimento, tanto cientifico, como religioso.
A imagem não é o fundamento de fé, ela remete-nos para a essência, e
a essência, para nós cristãos, está na encarnação de Deus no homem, que através
do amor deixou-se levar à morte, para a vencer, abrindo-nos assim a nova porta
para Deus Pai. Esta é grandeza única do Cristianismo.
O
Cristianismo nunca será uma facção política, nem uma tendência de pensamento, o
Cristianismo é a revelação da Pascoa do Senhor, a ligação concretizada entre
Deus e o homem, em comunhão (“communio”).
Como católico, tenho a convicção que o
Cristianismo, na sua vertente essencial, não nos prende, antes abre-nos para a
liberdade. Uma liberdade responsável, em que o bem e o mal estão bem
identificados deixando, no entanto, sempre que a escolha seja feita por nós,
não a impondo, mas mostrando-a, porque a palavra final será sempre nossa. Esta
é a liberdade que Cristo nos deu – “quem quiser sabe o caminho” -, sendo que
Ele espera-nos até ao fim, estando sempre disponível para nos “dar a mão”,
agora resta-nos fazer a opção…
No
entanto e como salientou S. Agostinho: “Cristo não nos salvou através da
pintura”.
A cruz
de Cristo apresenta-se para toda a comunidade cristã como um símbolo do
ressuscitado, sendo um elemento central para toda a Igreja.
Durante
toda a história da arte, as várias épocas levaram a que a expressão da arte
sacra tivesse também sofrido as suas alterações durante os séculos.
Muitos membros
da Igreja vêm na actual crise ligada ao panorama de arte sacra actual como uma
crise generalizada da arte. Eu não vejo as coisas desta forma, na realidade a
Igreja deve estar aberta a outras formas e tendências de arte. Sendo ela forma
de comunicação, terá de ser bem, observada com atenção e dedicação, já que a
comunicação é missão da Igreja. Desta forma a arte é expressão criativa dada ao
mundo, isto leva a que se tenha de ter uma abertura de espírito ao fenómeno
artístico actual, procurando realizações de qualidade.
A acção
criativa deverá ter uma atitude de inspiração para além das fronteiras reais,
“buscando algo mais acima”, buscando no fundo Deus. É necessário olhar em
volta, desprendendo-se das “paredes imóveis”, para assim compreender o mundo e
saber comunicar com ele.
Claro
que a falta de arte sacra deve-se também à forma como vemos o mundo, ou seja a
realidade individual ultrapassou a concepção de conjunto, perdemos as respostas
comuns.
A forma
de se ver o mundo em nome da seriedade científica, obviamente traz consigo
enormes benefícios para a humanidade, no entanto, nem tudo tem uma validação
científica evidente, se quisermos provar ou comprovar tudo, o mundo torna-se
“opaco”. Reparamos que na actualidade, acreditar em Deus é visto por muitos
como uma forma imperfeita, e portanto menor, de posicionamento perante a
realidade. Também na arte reparamos que o seu sentido de “transcendência” é
posto num plano secundário. Ela aparece-nos como uma expressão muitas vezes
ligada à experimentação simplicista, e não à criação do belo. A essência do “Creator Spiritus” não está tanto em
voga, somos actualmente confrontados por uma “produção” criativa que se reduz
em grande parte ao fútil e ao momentâneo.
Podemos
pois concluir que o uso de imagens, é parte integrante à Igreja Católica
levando-nos para a própria encarnação de Deus. As imagens do belo, que tornam
visível o mistério invisível de Deus, fazem parte do culto cristão. O
iconoclasmo não se prende com o cristianismo, tanto ao nível histórico, como ao
nível de culto e adoração. A arte sacra tem a sua fonte na História da
Salvação, tendo assim o seu epílogo no oitavo dia – no dia da Ressurreição -.
Esta noção é fundamental, daí que os Santos também tenham uma ligação natural
enquadrada nesta realidade, eles são a prova e o cumprimento real da promessa
de Cristo. Neles, Cristo vive de uma forma perpétua, renovadora e inspiradora.
“A
luta não é apenas contra os ícones, ela também é contra os Santos”.
Esta
frase de João de Damasco (ligado ao início da Teologia Sistemática na ortodoxia
oriental) foi dada ao Imperador Leão III (Bizantino/Síria) , que era um grande
opositor das imagens.
Papa Gregorio III último Papa não Europeu antes do atual Papa Francisco |
Dando uma resposta a este conflito, o Papa Gregório III (?-741), num sínodo em Roma em oposição aos iconoclastas, instituiu no calendário litúrgico a
As
imagens de Deus com os homens não têm somente um carácter de lembrança, elas
são também um sentido para o futuro. Daí que as imagens estejam muito ligadas
ao Sacramento da Eucaristia, no qual existe uma óbvia referência para o futuro.
É por esta razão que a imagem de Cristo é o centro de toda a arte sacra, Ele é
a promessa cumprida, a manifestação do amor divino, a incorporação do “verbo”
na mais profunda e bela manifestação de Deus em toda a história da humanidade.
Ao faze-lo não o fez como forma de mostrar a sua força, mas para mostrar a sua
misericórdia e amor. Portanto a imagem de Cristo centrada na sua Pascoa é
também o ícone principal da Eucaristia.
Calendario dos Santos |
As
imagens de Cristo e dos Santos não são “fotografias, a sua natureza é a de nos
levar para além do terreno, do material, a sua função está no despertar dos
nossos sentidos mais interior.
“Nós não rezamos às imagens, nós rezamos
com as imagens”.
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